EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

A lei da reforma psiquiátrica, artigo de Montserrat Martins

 

[EcoDebate] O médico Beto Grill, atual vice-governador e então deputado, juntamente com seu colega de legislatura Marcos Rolim foi um dos autores da lei gaúcha conhecida como da “reforma psiquiátrica”, em 1992, que completa agora 20 anos.

Lei que decorreu de um intenso debate cultural nas duas décadas anteriores sobre o papel da psiquiatria na sociedade, movimento este iniciado na Itália, de onde emergiu a liderança do psiquiatra Franco Basaglia. Qual o papel dessa lei e dos conceitos que a inspiraram na sociedade atual ?

O historiador Michel Foucault descreveu o nascimento da Psiquiatria na atuação de Philippe Pinel, à época da Revolução Francesa, quando aquele
médico pôs-se a distinguir doentes mentais de prisioneiros comuns, narrado em sua obra “História da Loucura”. Até há pouco mais de duzentos anos, portanto, não estava claro para a sociedade a distinção entre um comportamento intencional e aquele produzido por alguma forma de doença.

Nos últimos dois séculos a Psiquiatria enquanto ciência foi se afirmando ao demonstrar o seu valor para a sociedade como um todo, a ponto
de hoje estar presente em praticamente todas as áreas não só da saúde, como da própria cultura. “Freud explica”, por exemplo, é um meme tão popular quanto qualquer outro da sociedade “em rede” do século XXI. Além das psicoterapias individuais, prosperaram inúmeras técnicas de psicoterapia em grupo, inclusive a de família. E nas duas décadas mais recentes o grande desenvolvimento dos psicofármacos tornaram o assunto tão popular quanto a troca de quaisquer outras receitas entre vizinhas – que agora não trocam mais só receitas de abobrinhas, discutem também fluoxetinas e rivotris.

No auge do sucesso as ciências, tal como as pessoas (até porque são feitas por pessoas), podem se prestar a excessos, ou auto-suficiências. Na
década de 70 na Itália, um grupo de psiquiatras que se reuniram na Associação Psiquiatria Democrática passou a questionar o seu papel social. O
uso que faziam das técnicas desenvolvidas na sua profissão produzia que efeitos nas famílias e na sociedade ? O modelo médico de então ajudava a incluir ou excluir os doentes mentais nos seus ambientes de origem ? Foi nesse contexto que surgiu um grande movimento anti-manicomial, que
desembocou na primeira lei da reforma psiquiátrica do mundo, a italiana, ainda nos anos 70.

A famosa frase de Franco Basaglia de que “a psiquiatria é muito importante para ficar nas mãos só dos psiquiatras” não é uma declaração
anti-psiquiatria, é uma declaração anti-manicomial. É verdade que o adjetivo “democrático” de seu movimento tem também uma concepção de não-exclusividade dos psiquiatras na área dos transtornos mentais, que passa a ser vista como um campo multidisciplinar. É assim que o parágrafo 2º do artigo 10º da Lei Estadual 9716, de 07.08.1992 prevê a possibilidade de “junta interdisciplinar composta por três membros, sendo um profissional médico e os demais profissionais em saúde mental com formação de nível superior, para fins de formação de seu juízo sobre a necessidade e legalidade da internação”. Desde Pinel, simbolicamente, sabemos distinguir “loucos” de prisioneiros comuns. Desde Basaglia, aprendemos que os abusos contra os direitos dos cidadãos – inclusive os doentes mentais – não dizem respeito apenas aos órgãos médicos ou judiciais, mas a toda a sociedade.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 02/04/2012

[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Alexa