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A Amazônia não é nossa! artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

[EcoDebate] A Amazônia não é nossa e nem de ninguém. A Amazônia não pertence ao Brasil, nem à Bolívia, Peru, Colômbia ou Venezuela. Não pertence a país algum. A Amazônia não é um patrimônio da humanidade. Desde seu berço, ela nunca teve dono, pois nasceu e cresceu muito antes do surgimento do ser humano. A Amazônia pertence a ela mesmo.

A Amazônia deveria ser entendida como um “patrimônio” da natureza e não como um recurso a serviço da voracidade humana. A floresta existe desde o período Eoceno, há cerca de 55 milhões de anos, tendo se expandido e se contraido de acordo com as Eras Glaciais. Ao longo da sua existência a floresta tem sido a casa de inúmeras espécies de animais e plantas, que formavam um bioma vivo em constante evolução.

A bacia amazônica estende-se por uma área de cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados (km2) na América do Sul e, em sua foz, alimenta o Oceano Atlântico com 20% de toda a água doce que chega nos mares do mundo. De sua área total, cerca de 4 milhões de km² encontram-se no Brasil. A bacia amazônica abriga a maior floresta tropical do Planeta, que é o lar de cerca de 2,5 milhões de espécies de insetos, dezenas de milhares de plantas e mais de duas mil espécies de aves, peixes e mamíferos. Muitas espécies são endêmicas (só encontradas na região). A floresta, na maior parte do tempo, absorve carbono, mitigando as consequências do aquecimento global.

Calcula-se que as primeiras pessoas chegaram na Amazônia há 12 mil anos. Não sendo natural da região, o ser humano tem sido considerado uma espécie invasora, por alguns autores. No século XVI, os Europeus difundiram o mito do Eldorado amazônico, o que provocou diversas expedições exploratórias na região. Mas a invasão em maior escala ocorreu aos poucos e só adquiriu um grau de ameaça nas últimas décadas.

No iníco do século XX a Amazônia foi invadida por seringueiros a busca da borracha para produzir pneus para a nascente industria automobilistica mundial, especialmente, dos Estados Unidos. Henry Ford chegou a construir uma cidade na Amazônia (Fordolândia, em 1927) para fornecer matéria-prima para suas linhas de montagem.

Tendo os rios como principal rota de locomoção, os veículos automotores começaram a chegar em maior quantidade na Amazônia com a rodovia Belém-Brasilia, inaugurada em 1960. Porém, foram nos governos militares, a partir de 1964, que a Amazônia virou prioridade para o desenvolvimento regional e para a ocupação dos “espaços vazios” em nome da segurança e da grandeza nacional.

Com o lema “Integrar para não entregar”, o discurso oficial do regime ditatorial promoveu um movimento de ampla ocupação da Amazônia a partir de grandes projetos de empresas mineradoras, madereiras e agropecuárias. Em 1965, o presidente Castelo Branco anunciou a Operação Amazônia e, em 1968, o regime criou a SUDAM (Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia) com autoridade para distribuir incentivos fiscais e créditos para o desenvolvimento. Uma das obras mais faraônicas foi a Rodovia Transamazônica (BR-230), projetada durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici e inaugurada em 1972 pretendia unir a cidade de Cabedelo, na Paraiba, a Benjamin Constant, no Amazonas, chegando até o Peru. No total a Transamazônica foi projetada para ser uma rodovia pavimentada com 8 mil quilômetros de comprimento, cortando a floresta e incentivando projetos de colonização, isto é, projetos de desmatamento e agressão ao meio ambiente.

Ou seja, usando a desculpa nacionalista e o discurso da Grande Pátria, os governos militares promoveram um vasto programa de destruição da floresta e de exploração dos recursos naturais, difundindo o lema: “A Amazônia é nossa”. O resultado só confirma a frase de Samuel Johnson: “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.

Uma das iniciativas mais exdrúxulas foi a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM). Ao contrário dos países asiáticos que criaram Zonas Francas de exportação, o Brasil criou uma Zona de importação. Ou seja, o governo atrai multinacionais com insenção de impostos de importação, desconto parcial de ICMS e insenção temporária de IPTU, sem obrigação de transferência de tecnologia e investimentos em educação. Tudo isto para que as empresas internacionais, especialmente nas áras de televisão, informática e motocicletas, possam com suas montadoras (ou maquiladoras como dizem os mexicanos) promover o consumismo de produtos estrangeiros e competir em situação de vantagem contra as industrias localizadas no restante do país.

Depois de quase 50 anos da criação da ZFM, a cidade de Manaus ainda têm 50% dos domicílios sem esgotamento sanitário adequado. Porém, com o apoio do Governo Federal, inaugurou recentemente uma ponte de 3,6 km sobre o Rio Negro ligando a capital do Amazonas à cidade de Iranduba do outro lado do rio. Ao invés de aperfeiçoar a navegação fluvial e o transporte coletivo intermodal, o governo do Amazonas constrói uma ponte para aumentar a circulação de carros e ampliar a ocupação desenfreada e desorganizada da região metropolitana de Manaus. Porém, apesar de todos os problemas da Zona Franca e dos prejuízos causados ao restante do país, a presidente Dilma Roussef, atendendo às pressões políticas regionais, anunciou que a vigência da Zona será prorrogada por mais 50 anos.

Desta forma, a Amazônia continua sofrendo com projetos de mineração, extração de petróleo e gás, expansão da pecuária, desmatamento, fogo, exploração de madeira, tráfico de animais, redução da biodiversidade, poluição dos rios e construção de usinas hidrelétricas, como a tão criticada Belo Monte. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento acumulado da Amazonia, entre 1988 e 2011, foi de 18% e para cada hectare inteiramente desmatado, outro sofre degradação irreversível.

Números do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real, do INPE, mostram uma aceleração das agressões à floresta: em relação ao último bimestre de 2010, os focos de desmatamento ou degradação cresceram cerca de 60%, passando de 135 km2 para 218 km2 em 2011. Portanto, a destruição continua, mesmo no ano em que o Brasil sedia a Conferência do Meio Ambiente, a Rio + 20. A biopirataria e o tráfico de madeira de lei, plantas e animais silvestres continua mesmo em áreas de proteção ambiental ou reservas indígenas.

No atual ritmo de destruição da Amazônia, a floresta e a rica biodiversidade terão se reduzido drasticamente no prazo de poucas décadas. Não será novidade para o Brasil, pois isto já aconteceu com a Mata Atlântica que atualmente possui apenas 7% da sua cobertura original e o Cerrado onde restam menos de 50%. O aquecimento global será um fator adicional de transformação negativa da Amazônia. Ou seja, a maior floresta tropical do mundo poderá ser transformada em um novo bioma composto por savanas, algumas castanheiras e a monocultura de pastos dominados pela pecuária junto a algumas plantações de soja.

Se as tendências atuais continuarem, a Amazônia, tal como conhecemos, não será nossa e nem de ninguém. Será apenas uma lembrança de uma maravilha da natureza que existiu por mais de 55 milhões de anos e foi destruída, em pouco tempo, por uma espécie invasora.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 21/03/2012

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Alexa

5 thoughts on “A Amazônia não é nossa! artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • a rigor, nem a terra brasilis e’ “nossa”… a invasao inicial foi preconizada pela igreja no famoso tratado de tordesilhas, que buscava contrabalancar para portugueses e espanhois, o direito divino sobre as “novas terras”.. de la pra ca, sucessivas ondas de colonialismo, exploracao de todos os tipos deram no que deu… as ciencias estao ai pra quem quiser entender.. um pouco de historia, geografia, etnologia, antropologia, politica, ate’ economia nao faz mal a ninguem, mesmo politicos da pior especie. como ruralistas, evangelicos e militares
    .

  • E nós ficamos assistindo a essa destruíção fatal, promovida pelo capitalismo insaciável, sem nada podermos fazer.

    Quanto ao governo, este está cumprindo a sua função, que é incentivar o desenvolvimento. E pior ainda é quando diz que esse desenvolvimento é sustentável.

  • Sempre é bom lembrar que em 2004 o megaempresário chinês Lu Wei Guang invadiu 100.000 ha de terras indígenas no MT, de propriedade da União, sob a conivência criminosa do governo Lula. Hoje, esse invasor aparece na imprensa internacional como “ousado investidor pioneiro na Amazônia brasileira” que cria “empregos para os brasileiros” (índios cooptados para derrubar mogno) e é o “rei dos pisos de madeira”, atuando impunemente e posando de benfeitor, filantropo e listado entre os mais poderosos empresários da China, diretor do Conselho Empresarial Brasil-China.
    Quem se preocupa com o Brasil, com a Amazônia e o futuro da população, deveria se mobilizar contra o entreguismo do regime lulopetista.
    Território governado por mandatários corruptos não tem dono. Não é de ninguém. Muito menos do povo ou da humanidade. É apenas parte do butim dos canalhas.

    Leia mais a respeito:
    http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=263111
    http://www.forumcarajas.org.br/
    http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/faxina-ou-limpeza-social
    http://www.itaboraiweblist.com.br/index.php/mural-do-gap/materias-especiais/item/537-chin%C3%AAs-diz-ter-uma-hong-kong-na-amaz%C3%B4nia?tmpl=component&print=1

  • Parabenizo o autor pela coragem, pela lucidez e pelo vigor com que demonstra com clareza aquilo que vêm tentando ocultar, ludibriando ao povo brasileiro e também ao mundo com a participação dos “investidores” na degradação e exaustão do meio ambiente e de seus recursos minerais e biológicos.

    A Amazônia está se tornando em um paraíso privilegiado dos criadores de gado, plantadores extensivos de soja e primária e principalmente dos extratores e destruidores da floresta.

    E dizem que aqui existem o Ministério do Meio Ambiente, um IBAMA, um CONAMA, uma FUNAI, um INPA, e tantos outros pendurucalhos que fica difícil elencar.

    Mundo de mentiras e corrupções.

  • Bruno Versiani dos Anjos

    Parabéns pelo artigo. Finalmente alguém que enxerga a floresta não apenas por uma visão antropocêntrica e egoística. Lembrando que nós somos apenas uma espécie entre milhões, e que historicamente tivemos a arrogância fundamentalista (lembrando a bíblia “crescei-vos e multiplicai-vos”) de nos crer a espécie mais importante. Infelizmente ainda vivemos em uma sociedade ocidental pós-cristã em que o homem possui um status de “supremacia sobre a terra e sobre as outras espécies”. Ainda são poucas as pessoas que fogem dessa regra, e possuem um genuino respeito a todas as formas de vida.

Fechado para comentários.