Pesquisas associam poluição em rodovias a doenças respiratórias
Levantamento foi realizado em sete municípios cortados pela Fernão Dias e Dom Pedro I
O tráfego nas rodovias Fernão Dias (144.828 veículos por semana) e Dom Pedro I (48.867 veículos por semana) pode estar contribuindo para a deterioração da qualidade do ar nos sete municípios de abrangência da Área de Proteção Ambiental do Sistema Cantareira (APA), que são Mairiporã, Atibaia, Nazaré Paulista, Piracaia, Joanópolis, Vargem e Bragança Paulista. A conclusão é da mestre Cerise Rocha de Jesus em sua dissertação apresentada à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM). Por conta disso, provavelmente as médias de internação por doenças respiratórias foram superiores às verificadas no Estado de São Paulo (veja tabela nesta página) no período de 1998 a 2008.
Os dados de tráfego coletados nas rodovias dentro da APA, nesse período de dez anos, demonstraram que essas rodovias emitem significativas quantidades de poluentes na atmosfera. O intenso tráfego nelas foi o responsável pelas emissões de poluentes que, somadas, chegaram a um volume semanal de 1.203,55 t na Fernão Dias e de 14,20 t na Dom Pedro I. Na pesquisa, foram apuradas 25.573 internações de adultos e crianças por enfermidades respiratórias no período avaliado, correspondendo a 12% do total das enfermidades registradas.
Observou-se na investigação, por exemplo, em alguns anos, um comportamento anormal principalmente nos meses de março, agosto e outubro, significando que nas estações quentes pode haver um aumento expressivo das internações.
De acordo com os dados obtidos, sistematizados e analisados, verificou-se uma correlação entre doenças respiratórias e os fatores climatológicos. Uma possível explicação para esse resultado seria a contribuição do fenômeno climático La Niña (oposto ao El Niño, corresponde ao resfriamento anômalo das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial Central e Oriental, formando uma piscina de águas frias). Outra explicação seria que essa região está muito próxima de mananciais, reservatórios e remanescentes de Mata Atlântica, favorecendo uma temperatura mais agradável no verão e mais gelada no inverno.
As emissões foram representativas, constata a pesquisadora, principalmente quando comparadas a outros municípios, como as da Região Metropolitana de Campinas. Em 2009, no caso, essas emissões foram estimadas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) em 295,99 t de monóxido de carbono (CO).
Para a rodovia Dom Pedro I, obteve-se um valor de 1.216,1 t ao ano. “A despeito disso, a amostra do tráfego da rodovia Fernão Dias mostrou-se pequena para estimar a média de emissões de poluentes. Mas, ao se comparar o volume diário de emissões com a Dom Pedro I, percebeu-se que o tráfego da primeira emite um volume maior, exibindo os valores diários de 171,94 t, enquanto, nesta última, 2,02 t, de todos os poluentes”, informa a autora.
Durante as análises de internações por doenças respiratórias, verificou-se que Atibaia em particular mostrou picos de internação durante o verão, sendo que normalmente eles ocorrem durante o inverno. “Este município é considerado saturado pela Cetesb para o poluente ozônio”, diz a pesquisadora. O ozônio é um poluente secundário que se forma a partir de outros compostos orgânicos voláteis, os óxidos de nitrogênio, na presença de luz solar. O nitrogênio é liberado na queima incompleta e evaporação de combustíveis e de solventes.
O ozônio, ensina ela, pode estar contribuindo com o aumento das internações em Atibaia. Na data de medição realizada pela Cetesb, Atibaia foi classificada como área saturada severa para o ozônio (240 µg/m3). Essa classificação entra no segundo maior valor diário dos últimos três anos (2007, 2008 e 2009), sendo que, para as áreas em via de saturação, o valor é de 144 µg/m3 e abaixo disso é considerada não saturada. O Padrão Nacional de Qualidade do Ar para o ozônio é de 160 µg/m3 (padrão de 1 hora).
A poluição do ar provocada pelo setor de transportes, explica a autora do trabalho, aumenta o risco de alergias, acentua sintomas de doenças preexistentes em cardíacos e em pessoas com doenças respiratórias, principalmente nos grupos mais sensíveis – crianças e idosos. Das doenças que afetam o sistema respiratório, a pneumonia, a bronquite, a asma e as doenças das vias aéreas, devido à poeira orgânica, foram as que mais causaram internações na população da APA Cantareira, comportamento bastante semelhante ao visto na cidade de São Paulo.
Implicações
A melhoria na qualidade dos combustíveis, o uso de fontes renováveis de energias, as tecnologias incorporadas aos veículos e as políticas de prevenção da poluição atmosférica têm contribuído muito para a sua redução no mundo. Entretanto, elas ainda não têm sido suficientes para solucionar os problemas relacionados à poluição, a priori nos grandes centros urbanos, onde diversas exterioridades colaboram para o seu agravamento, como por exemplo os aspectos climáticos, a alta densidade demográfica e as concentrações de carros e de indústrias.
“Não basta saber que as rodovias Fernão Dias e Dom Pedro I são responsáveis por um grande volume de emissões de poluentes e que essa poluição pode afetar a saúde humana. É preciso saber o quanto as pessoas residentes próximas a elas são afetadas. Nesse sentido, a minha pesquisa não dá uma resposta afirmativa, mas hipotética”, expõe Cerise.
No Brasil, são escassas investigações que enfatizam as emissões atmosféricas nas rodovias, porém a busca pelo aperfeiçoamento é fundamental, esclarece a pesquisadora. “A proposta é a realização de estudos de aferição dos poluentes nas rodovias e nos bairros que as margeiam, com o intuito de saber a intensidade das emissões. Somente depois disso poderá ser feita uma correlação com as doenças que afetam a saúde humana.”
A dissertação, orientada pela professora e pesquisadora Sonia Regina da Cal Seixas, que atua no Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), evidenciou a necessidade de um monitoramento nas rodovias. “Isso auxiliaria na elaboração de políticas públicas para o gerenciamento de emissões dentro dos limites estipulados pela legislação brasileira, reduzindo os impactos que eles podem causar à saúde das pessoas que residem próximas às rodovias”, acredita a mestranda. “Lamentavelmente, ainda não foi possível quantificar os impactos à saúde humana a partir da estimativa das emissões, em razão das múltiplas variáveis que envolvem a temática – ambientais, tecnológicas e humanas.”
Atualidade
No Brasil, diversos estudos estão sendo feitos no momento, os quais traçam uma correlação entre emissões de poluentes e saúde. No entanto, o diferencial do trabalho de Cerise, embora traçando o mesmo tipo de correlação, esteve em avaliar a ocorrência de emissões de poluentes nas rodovias e os efeitos deletérios à saúde, algo inédito no país, salienta a professora Sonia Seixas.
No trabalho, foram coletados e analisados os dados de fluxos das rodovias Dom Pedro I no período de 1998 a 2008 e Fernão Dias de 18 a 24 de fevereiro e de 26 de fevereiro a 4 de março de 1997. A mestranda ressalva que, em 1997, ainda não havia sido implantado o sistema de pedágio na rodovia Fernão Dias e, por isso, as contagens de veículos eram feitas em pontos estratégicos dessa rodovia.
Ela conta que não lançou mão de um aferidor de poluentes nas rodovias para fazer essa identificação. Para fazer a estimativa, empregou uma metodologia já conhecida, o Bottom-up, que permite a quantificação das emissões de poluentes separadamente. Sua principal função é dar visibilidade ao crescimento da demanda em rotas específicas. Para estimar as emissões, foi necessário saber o número de veículos por dia, o fator de emissão do poluente estudado e a quilometragem média percorrida. Os poluentes investigados foram o monóxido de carbono (CO), os hidrocarbonetos (HC), os óxidos de nitrogênio (NOx), os óxidos de enxofre (SOx) e o material particulado (MP).
A mestranda realça que não existe um epicentro dos poluentes. O que nota-se, em alguns trechos das rodovias, é um maior volume de carros e uma densidade demográfica mais acentuada, caracterizando maiores impactos nessas regiões. Uma particularidade: no município de Atibaia, as duas rodovias se cruzam e nesse entroncamento está o bairro Jardim do Trevo. Os moradores das imediações recebem uma carga poluidora mais elevada, proveniente das duas estradas. “A boa notícia é que o meu estudo demonstrou que pode ser desenvolvido em qualquer rodovia, sobretudo porque o transporte brasileiro é basicamente rodoviário, tendo uma pequena participação de outros modais”, contribui a autora do estudo.
Publicação
Dissertação: “Estimativa da emissão de poluentes pelo setor de transporte e análise das ocorrências de doenças respiratórias na área de Proteção Ambiental do Sistema Cantareira”
Autora: Cerise Rocha de Jesus
Orientadora: Sônia Regina da Cal Seixas
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)
Reportagem de Isabel Gardenal, no Jornal da Unicamp Nº 519, publicada pelo EcoDebate, 20/03/2012
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