‘Bullshit’, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] ‘Bullshit’ é usado no sentido de“bobagem” ou “enrolação” e não do significado literal de bull shit. Foi por aí o tipo de desculpa do Jérôme Valcke, da FIFA, negando que queria chutar nosso traseiro – em reprimenda ao atraso das obras no Brasil – e que teria sido mal traduzido pois a expressão “se donner un coup de pied aux fesses” em francês também não é usada em seu sentido literal e sim como uma gíria no sentido de “correr contra o tempo”. Só que a entrevista do Jérôme foi em inglês e ele disse “kick up in the backside” mesmo. Quer dizer, falou bullshit.
Foi sim uma grosseria inaceitável, tanto que necessitou de pedidos de desculpa oficiais. Mas a maior bullshit do episódio foi a nossa, ainda. O ministro Aldo, ao invés de explicar ou tomar providências sobre atrasos em obras de infra-estrutura, aproveitou o confronto retórico como uma ótima oportunidade de mudar de assunto. Valorizando ao extremo a incontinência verbal fifense, exigindo que a FIFA troque de representante aqui por causa disso, não deu qualquer explicação ou perspectiva sobre os problemas apontados. No Brasil ainda “cola” esse tipo de bullshit, um bom jogo de palavras substituindo muitas ações não realizadas.
Fofoca sempre é mais divertido que falar sério. Discutir sobre a própria discussão ao invés de enfrentar os conteúdos essenciais cai no gosto popular pelo folclórico, pitoresco, humorístico e entra para o anedotário popular. Ainda não construímos uma civilização respeitada e assim, não tendo grandes realizações a apresentar na nossa história pátria clássica, aprendemos a repetir frases gloriosas como “diga ao povo que fico” ou “antes que outro aventureiro o faça”. Em tempos mais recentes da história, nos vangloriamos do impeachment de um presidente que enquanto caía pedia “não me deixem só”, mas que já voltou ao cenário político e tem o seu feudo local de volta.
“Grita, que o argumento é fraco” é um ditado que um juiz me contou, de sua atividade exposta a gritos de advogados que às vezes “se empolgam” na defesa dos seus clientes. Político experiente, o ministro fez da verborréia do francês um escândalo e ninguém mais falou das obras em si. Um ano atrás Aldo Rebelo havia usado a mesma tática no debate sobre o Código Florestal na Câmara. Defendendo o impopular afrouxamento da legislação ambiental, num momento de tensão nos debates – quando foi apontado que substituiu o projeto apresentado à mesa – trocou o alvo e passou ao ataque pessoal contra Marina Silva, que se fazia presente ao plenário da Cãmara mas que sequer estava entre os que votariam o projeto.
Falta infra-estrutura ao nosso país carente de metrôs urbanos, ciclovias, hidrovias, portos, aeroportos, ferrovias, hospitais, equipamentos para a segurança pública. Falta uma visão de desenvolvimento realmente sustentável, mas sobram discursos. Os cidadãos atentos já perceberam que o melhor que uma Copa do Mundo poderia nos trazer – o incentivo a obras estruturantes – já foi desperdiçado, não haverá mais tempo para muitas coisas e no fim ficaremos mesmo com o “jeitinho” de deixar as coisas funcionando “dentro do possível”. Mas não vamos admitir isso, é claro, não cai bem. A diferença entre falar e fazer é bem expressa no ditado popular de que “quem sabe faz, quem não sabe ensina”. Ensinemos bons modos ao Jérôme, então.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 12/03/2012
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