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Artigo

Rio+20 na encruzilhada, artigo de Sergio Amaral

 

[O Estado de S.Paulo] Há 20 anos, a Rio-92 foi um divisor de águas na agenda ambiental. Marcou o reconhecimento das sérias ameaças provocadas pelas mudanças do clima. Promoveu uma visão nova, a do desenvolvimento sustentável. Foi o ponto de partida para a conclusão de convenções relevantes, como a da mudança climática, desertificação e a biodiversidade.

Desde então os 194 membros da Conferência do Clima se reúnem anualmente na conferência das partes (COP). A de Kyoto, em 1997, foi um marco ao estabelecer metas mandatórias para reduzir a emissão de gases de efeito estufa até 2012. Adotou também um princípio justo – o das responsabilidades comuns, mas diferenciadas -, porém controverso, que levou os EUA a não ratificarem o protocolo, para não contestarem as emissões de gases de carbono pela China.

A COP15, realizada em Copenhague em 2009, suscitara a expectativa de um acordo para disciplinar o período pós-Kyoto. Mas fracassou. EUA e China não alcançaram um entendimento. Na verdade, o movimento ambiental internacional entrava em claro refluxo. A credibilidade da comunidade científica internacional havia sido afetada pela divulgação de dados equivocados. O impasse no Congresso norte-americano impedira a aprovação da nova lei de energia, que permitiria a Barack Obama avançar no plano internacional. Mais que tudo, a crise financeira de 2008 havia desviado a atenção da comunidade internacional do clima para ameaças mais imediatas e igualmente graves.

As expectativas e os preparativos para a Rio+20 poderão conduzir a uma encruzilhada, da qual saem caminhos diferentes, ainda que não necessariamente excludentes. A relevância da conferência e a alta representação das delegações alimentaram a esperança de que pudesse dar o sopro político para superar os impasses sobre o clima, ainda que este não seja o palco apropriado para uma negociação formal. A COP17, realizada em Durban há poucos meses, sinalizou que esse caminho não deverá ser trilhado em junho, no Rio de Janeiro. De um lado, Durban assegurou a continuidade do processo negociador pós-Kyoto; de outro, porém, adiou para 2020 compromissos que, para muitos, deveriam ser assumidos agora, especialmente diante da evidência de que desde 1992 a emissão de gases estufa, em vez de ser reduzida ou mesmo contida, aumentou cerca de 50%.

O que ocorrerá, portanto, na Rio+20? As agências da ONU e os organizadores da conferência optaram por uma agenda positiva e atraente: a transição para uma economia verde. Os trabalhos de base demonstram a relevância do tema, mas, ao mesmo tempo, sua ambição desmedida. Em suma, o que se busca é romper com um modelo de crescimento e inserir a produção e o consumo em padrões sustentáveis, com produtos de maior valor agregado. Mais ainda, garantir a segurança alimentar, regular o sistema financeiro e reduzir a pobreza.

Ninguém se pode opor a tais objetivos, que devem estar inseridos na própria essência da cooperação internacional. Mas no momento em que negociações político-diplomáticas, depois de haverem logrado definir um marco normativo razoável, empacam na fixação das metas para a redução das emissões de carbono, é lícito indagar se a comunidade internacional não se estará colocando alvos muito mais ambiciosos e, por conseguinte, inexequíveis. A menos que o que o propósito seja uma conscientização da opinião púbica internacional sobre objetivos legítimos, mas ainda não dotados de instrumentos para sua efetivação. Em resumo, uma espécie de versão ampliada e mais ambiciosa dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ainda que sem os indicadores que os compõem.

O segundo caminho da Rio+20, a transição para a economia verde, parece, assim, tão ou mais distante que o desbloqueio das negociações sobre o clima. A terceira via desta encruzilhada mereceria uma avaliação atenta. O fato é que, apesar do impasse político – diplomático, a causa ambiental prosperou. A conscientização da sociedade civil é maior e crescente. O engajamento de setores econômicos é expressivo. A capacidade instalada para a geração de energia renovável já é superior à nuclear. Os investimentos em fontes renováveis ampliaram-se 30% em 2010. A energia limpa já deixou de ser um nicho industrial para se tornar fonte de investimento, comércio, manufatura e criação de empregos. Desde 2004 o investimento no setor subiu mais de 600%. A energia eólica está próxima de se tornar competitiva e atrai quase 50% dos investimentos em energia limpa dos países do G-20. Bem ou mal, o comércio de carbono avança, ainda que os governos e mercados não tenham logrado precificar ou taxar as emissões de carbono.

Não obstante indiscutíveis avanços, as empresas que abraçaram a causa do clima se encontram num limbo. Não sabem que metas de redução serão aprovadas pelos respectivos governos. Nem mesmo se contarão efetivamente com os incentivos prometidos, em decorrência das restrições geradas pela crise econômica. Vivem a incerteza sobre quanto, quando e como investir para participar e tirar o legítimo benefício de sua contribuição para contra-arrestar a mudança do clima.

Onde a política não avança, ao menos temporariamente, os mercados e atores sociais buscam alternativas. Alguns setores industriais discutem o estabelecimento de padrões globais com uns para as emissões de carbono. No Brasil, setores do agronegócio avaliam a fixação de indicadores para a redução dessas emissões.

Essa via, que está sendo perseguida por empresas e entidades ambientais, se contar com o apoio dos respectivos governos, pode extrair da Rio+20 resultados concretos e, sobretudo, a sinalização de um caminho para fazer frente ao desafio maior das mudanças climáticas, no momento em que as negociações político-diplomáticas não conseguem avançar.

Sergio Amaral é membro do conselho da WWF Brasil e foi secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 02/03/2012

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