Um ótimo lugar, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] Tentei fugir do carnaval e fui vencido, até no paraíso natural que é Águas de Lindóia (a água que a NASA bebe) tinha funk por tudo, implacável. Entre montanhas, matas, cachoeiras, onde se poderia se ouvir o som dos pássaros, do vento ou das águas, lá vinha aquela batida constante, nos carros passando com o som a todo. Bem que um prefeito desse vasto interiorzão do país podia decretar uma “cidade livre de poluição sonora”, um atrativo turístico – como dizem na lógica do mercado, ia ‘fazer a diferença’. Já meu filho Marcelo, de 17 anos, prefere a bagunça do carnaval, gosta de funk e não tá nem aí pro som alto, ele tem uma teoria de que as novas gerações nascem com a audição adaptada e até sentem falta do barulho das cidades.
Mesmo assim, há um certo desperdício nessa “uniformização da cultura” que impõe a todo mundo ouvir carros gritando batidas quase iguais, com letras sem qualquer resquício de sutileza. Deve ser sintoma de velhice, tá na hora de eu assumir a palavra na sua plenitude como escreveu esses dias a Eliane Brum: eu me rendo, acuso a idade. Uma cidade turística pros velhinhos, então.
Gosto de coisas autênticas, vejo desperdícios de vocações. Mesmo não sendo a minha praia consigo me imaginar apreciando um baile funk num morro carioca, onde ele surgiu e tem a ver com a vivência das pessoas, a cultura local. Nos carros que tocam só pra impressionar os outros não há nada de espontâneo, é só jogo de cena, quer dizer, o que me incomoda mesmo são os “pseudo-funkeiros” estridentes. O que eles tem a ver com o modo de viver lá do norte de São Paulo, divisa com Minas Gerais ? Onde as pessoas no dia a dia preferem a música sertaneja, ou a moda de viola mineira, bem mais melódicas e pacatas como o ritmo de suas vidas. Mas onde se ouve também música dance (com o tuc-tuc padrão da batida americana) até nos recantos das cachoeiras, ao invés do som da queda d’água.
O mote da música é só um exemplo dentre milhares de desperdícios de vocações país afora, de não aproveitarmos as melhores possibilidades de cada região, envolvidos que estamos numa globalização automática, compulsória, impensada. Mudando de exemplo, uma vez os japoneses nos deram de presente uma ferrovia. Sabem para que ela servia ? Para transportar minérios de ferro do interior até um porto, no nordeste, de onde seguia de navio para o Japão. Ouvi de um grande empresário que já trabalhou na região Norte um lamento pela devastação causada por Belo Monte, que segundo ele servirá para levar nossos minérios também, a preço de banana, para o exterior. Me chamou a atenção ouvir isso de um empresário e não de um ambientalista, quer dizer, veio de alguém que sabe dar valor aos bons negócios. Para ele é um desperdício de recursos naturais porque grande parte da energia produzida será consumida na própria região, pelas mineradoras, e as modificações estruturais na região farão dela uma “porta aberta” para a exploração colonial. Ouvi tudo isso há uns dois anos, antes do filme Avatar ou das campanhas que hoje existem na rede alertando sobre Belo Monte – contra as quais foi lançada agora a propaganda oficial, com “palavras de ordem” repetindo na TV o discurso da pretensa “sustentabilidade” da obra.
O século XXI é diferente de todos os outros porque podemos não sair dele vivos; diz a profecia científica que “as baratas herdarão a Terra”. Não temos como nos dar ao luxo de errar tanto com nossos recursos naturais como foi feito no século passado pela Europa – que só depois de destruir sua natureza descobriu o conceito de desenvolvimento sustentável. Lugar de hidroelétrica não é na floresta, onde gera metano. O que nos lembra que no Brasil tudo está por ser feito em termos de civilização, olhe o que acontece no caso do Pinheirinho, onde leis que não consideram a função social da propriedade são usadas burocraticamente por poucos, de modo insensível, contra as necessidades da maioria.
Quando vemos a falta de controle sobre a corrupção e o crime organizado, começando pela absoluta falta de leis específicas capazes de enfrentá-los, a explicação está na “sacada” do Luís Fernando Veríssimo, quando nos lembra em uma única frase que ainda não somos uma nação, somos um belo território a ser civilizado: “O Brasil é um ótimo lugar para se fazer um país”.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 24/02/2012
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Caros novos amigos.
Parabens pela matéria e site.
Quando vemos a falta de controle sobre a corrupção e o crime organizado, começando pela absoluta falta de leis específicas capazes de enfrentá-los, a explicação está na “sacada” do Luís Fernando Veríssimo, quando nos lembra em uma única frase que ainda não somos uma nação, somos um belo território a ser civilizado: “O Brasil é um ótimo lugar para se fazer um país”.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 24/02/2012
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Perfeito.Está tudo interligado ao ambiente e poucos sabem disto.A falha eu não sei se é da educação calistênica , mecânica, como o disse, e de visão limitante, ou da preguiça atávica de se informar, da dificuldade de entender diversidade ou ainda , da luta pela sobrevivência que ataca os brasileiros e os afasta das leituras.Ou de espíritos jovens de civilização.? Sei não.
O fato é que o viajante não compreende que se deve respeitar o modus vivendi de cada local e que é feio, muito feio, impor aos locais ritmos, sons e gritaria só para impressionar. O efeito é o contrário.É o mesmo que um hóspede, em sua casa, lhe impor seus hábitos.AS boas maneiras e princípios da hospitalidade deveriam ser ensinados nas escolas. Não é? Mas o que vemos é a comercialização capitalista pura e simplesmente impondo sua visão de turismo como único e exclusivo apelo ao ganhar dinheiro do turista e patrocinando o desrespeito à diversidade do modo de vida regional e, o pior,promovendo o divertimento a qualquer custo sem apreço à cultura, a beleza, e à apropriação da diversidade de viver.
Você não ficou nem está velho. Velho está quem não está vivendo o Agora e nem entendeu que as civilizações evoluem e para tanto tem que ensinar às novas gerações o que de melhor o ser humano aprendeu e apreendeu ao longo dos séculos em que estamos aqui neste Planeta. O chulo, o vulgar, o pequeno, o mesquinho e a selvageria não são valores nem princípios que a humanidade como civilização usou para evoluir.
E os povos que não aprenderam isto continuam vivendo em conflitos e confrontos e ainda trabalhando com pás enquanto outros chegaram a máquinas sofisticadas para o mesmo trabalho.
A mim me parece que o mesmo vale para a venda de nossas matérias-prima.O nosso despreparo na apropriação de nossos bens, sobretudo pelos nosssos administradores e políticos, a quem cabe pensar e gerir nossos bens,reflete a mesma falha na educação e visão da região Brasil e de suas inúmeras peculiaridades econômicas regionais ,que os incapacitam a defender as nossas reservas econômicas e ou utilizar delas para o bem comum da Nação aqui e agora e nos reflexos econômicos de longo prazo.