Rio+20 e o futuro que queremos, artigo de José Goldemberg
[O Estado de S.Paulo] Finalmente começa a tomar forma a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) para marcar o 20.º aniversário da grande conferência sobre o meio ambiente e o desenvolvimento que reuniu mais de 120 chefes de Estado em 1992, no Rio de Janeiro, e adotou a Convenção do Clima, a Convenção da Biodiversidade e a Agenda 21.
A conferência deste ano – que será realizada de 20 a 22 de junho – recebeu o apropriado nome de Rio+20 e seu objetivo é fazer um balanço do que se conseguiu realizar nos últimos 20 anos na direção de um desenvolvimento sustentável e, eventualmente, propor novos caminhos e novas ações. As perspectivas de seu sucesso são ainda incertas e mais esforço é necessário, por parte do governo brasileiro, para evitar que ela se torne apenas um palco para declarações retóricas e politicamente corretas.
A razão para um certo pessimismo tem origem no documento preparado pelas Nações Unidas em janeiro e que deverá ser discutido e, provavelmente, adotado pelos países em junho. Esse documento, com o sugestivo título O Futuro que Queremos, tem 128 parágrafos, a grande maioria dos quais não passa de exortações aos países-membros da ONU para que façam mais na direção do desenvolvimento sustentável, mas não delineia planos de ação para torná-los realidade. As palavras “reafirmar”, “reconhecer”, “encorajar” e “apelar” aparecem em 118 dos 128 parágrafos.
A Conferência do Rio em 1992 foi precedida de intensivas negociações e preparação das convenções que foram assinadas. Depois dela foram necessários cinco anos, até 1997, para a adoção do Protocolo de Kyoto, que fixou metas para a redução das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento da Terra e um calendário para cumpri-las. O protocolo só entrou em vigor em 2005 e, mesmo assim, os Estados Unidos se mantiveram fora dele.
Os progressos alcançados desde 1992 foram modestos, o que não significa que nada tenha sido feito, apesar de os Estados Unidos não terem aderido ao Protocolo de Kyoto. Os países da União Europeia cumpriram razoavelmente bem os seus compromissos. Muitos municípios e até Estados de países federativos seguiram as recomendações da Agenda 21 e alguns adotaram metas para a redução de emissões, como o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, e o de São Paulo, no Brasil.
O que se esperava, portanto, da Rio+20 é que a ocasião fosse aproveitada para aprofundar os compromissos adotados em 1992 e assumir novos. Não é o que transparece do documento preparado pela ONU, que está em consideração pelos Estados-membros. De concreto mesmo, o que ele propõe é:
Transformar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) numa agência da ONU, como a Organização Mundial da Saúde ou a Organização Mundial do Comércio, o que lhe daria mais poderes e recursos. Essa é uma boa ideia, mas de caráter burocrático;
Criar, até 2015, indicadores para medir os progressos feitos. Há sugestões de criar um indicador de desenvolvimento que leve em consideração, além do GDP (produto interno bruto, na sigla em inglês), os custos causados ao meio ambiente por um desenvolvimento predatório.
O documento também faz propostas na área de energia, o que não ocorreu na Agenda 21. Endossa a proposta do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, de dobrar, até 2030, a eficiência com que a energia é usada e, o que é mais importante, duplicar no mesmo prazo a fração de energia renovável na matriz energética mundial. Reconhecer a importância da energia como fator fundamental para o desenvolvimento sustentável não é mais do que reconhecer a realidade, porém sua inclusão nas resoluções da Rio-92 foi vetada, na ocasião, pelos países produtores de petróleo.
Infelizmente, 2030 está longe e até a Conferência de Durban (COP 17 – 2011) foi mais ambiciosa ao acertar que até 2020 deverá entrar em vigor um acordo internacional que substitua o Protocolo de Kyoto e fixe os compromissos mandatórios de todos os países de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa – as emissões da China já superam as dos Estados Unidos.
Para “salvar” a Rio+20 seria preciso a adoção de protocolos e de prazos para cumpri-los por meio de instrumentos legais. É isso que não ocorreu até agora para a conferência deste ano. Até a presença de um grande número de chefes de Estado ainda é incerta.
Em última análise, quem terá de assumir ações concretas são os países-membros ou as associações de países, como fez a União Europeia em relação às emissões de gases de efeito estufa. Por essa razão o Brasil tem excelentes condições de assumir a liderança desse processo, juntamente com a África do Sul, a China e a Índia, com programas que já adotou e tiveram sucesso, como o Luz para Todos ou a produção de etanol da cana-de-açúcar. Outros países têm excelentes programas de energia eólica, como a Espanha, a Dinamarca e até os Estados Unidos.
Os problemas que a humanidade enfrenta hoje são sérios e comprometem efetivamente as gerações futuras. A exploração predatória dos recursos naturais está levando à exaustão dos combustíveis fósseis e da biodiversidade dos ecossistemas que são essenciais para garantir a continuidade da produção de alimentos. A euforia com descobertas de petróleo no pré-sal, no Brasil, não muda o fato de que as reservas mundiais de petróleo e de gás não deverão durar muitos anos e de que seu uso é a principal fonte da poluição urbana e também da poluição global que enfrentamos.
A percepção de que preocupações com a proteção ambiental são um obstáculo ao desenvolvimento econômico é equivocada e precisa ser desmitificada. A Rio+20 oferece uma oportunidade para fazê-lo.
JOSÉ GOLDEMBERG, PROFESSOR EMÉRITO DA USP; FOI SECRETÁRIO ESPECIAL DO MEIO AMBIENTE DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 1992.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 24/02/2012
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