‘Transposição foi abandonada, virou ralo de dinheiro’. Entrevista com Ruben Siqueira, CPT/BA
Dayanne Sousa
As rachaduras no concreto denunciam a paralisação de uma das obras mais propagandeadas do governo Lula e bandeira de Dilma Rousseff no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Trechos da obra de transposição do Rio São Francisco estão se degenerando. Terra Magazine procurou um dos representantes de rede que organiza ONGs e moradores nas regiões afetadas. Coordenador da Comissão Pastoral da Terra na Bahia e da articulação São Francisco Vivo, o sociólogo Ruben Siqueira vê na obra um “ralo do dinheiro público”.
– A transposição do São Francisco é uma obra da indústria da seca. Há séculos se constroem grandes obras no Nordeste para resolver o problema das secas, mas na verdade estas obras são ralos do dinheiro público.
Os ativistas registraram imagens de rachaduras nos canais próximos a Custódia, em Pernambuco. Há pelo menos seis meses, diz Siqueira, ninguém trabalha mais ali. “Ao longo de vários quilômetros, não há viva alma”, espanta-se.
Os canais degradados terão de ser refeitos, mas o ministério da Integração Nacional afirma em nota que a responsabilidade da reconstrução é das construtoras e que “não há risco de perda ou prejuízo para o Governo”.
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O custo previsto do conjunto de obras em 2010 era de R$ 5,04 bilhões, mas em agosto o ministério anunciou que o processo ficaria 36% mais caro, saltando para R$ 6,85 bilhões. Para Siqueira critica o aumento: “Isso dá a impressão pra gente de que é isso mesmo que se queria. Que é algo para se fazer e refazer e aí lá vai dinheiro”.
Há ainda denúncias de atrasos nas obras de revitalização de regiões já cortadas pelo Rio. No bairro do Quidé, na baiana Juazeiro, o grupo fotografou áreas de esgoto a céu aberto. Uma das principais necessidades é a de saneamento, para evitar maior contaminação das águas do Rio. Leia a entrevista do sociólogo Ruben Siqueira.
Terra Magazine – Vocês vêm denunciando o abandono das obras no São Francisco. Qual é o estado atual?
A situação em que estão os canais e as obras confirma aquilo que nós dizíamos. A transposição do São Francisco é uma obra da indústria da seca. Há séculos se constroem grandes obras no Nordeste para resolver o problema das secas, mas na verdade estas obras são ralos do dinheiro público. São mecanismos de arrecadação de votos e de formação de alianças políticas. A transposição do São Francisco não é diferente. Ela se presta a isso também. Isso está se confirmando. Há canais que estão rachando e a obra já está 36% mais cara. A revitalização do São Francisco, da mesma forma, vai capengando. O principal é o saneamento e também está mal feito, tem obras pela metade.
Você fala em interesse das construtoras…
Havia a pressão das empreiteiras para que as obras começassem mesmo todos sabendo que logo viriam outras obras do PAC e obras da Copa. Começaram a transposição para depois ter que refazer. As empreiteiras, hoje, estão nadando em obras e em recursos fartos. Não estão preocupadas em dar sequencia ao que começaram.
Há quanto tempo começaram a notar o surgimento dessas rachaduras em canais?
Há um ano mais ou menos a gente vem tendo notícias do abandono por parte dessa rede de associações e comunidades. As rachaduras já vêm de uns seis meses. Há regiões perto de Floresta, em Pernambuco, onde o canal cedeu, desbarrancou. Tem mato crescendo em volta. A situação é ainda pior no chamado lote 10, próximo a Custódia (no mesmo Estado), no eixo leste da transposição.
Existe ainda uma demanda por fiscalização, não? Essas áreas não têm ninguém para proteger contra danos ainda maiores?
Ao longo de vários quilômetros, não há viva alma. A não ser quando há algum canteiro de obra, aí tem um fiscal. Mas nos canais mesmo não há. E a depredação não é humana. É ação da natureza mesmo: o calor, o sol, a vegetação crescendo. A impressão que dá é que esses canais foram feitos para se estragarem. Tamanha a finura do concreto. Na rachadura, a água infiltra por baixo… Isso dá a impressão pra gente de que é isso mesmo que se queria. Que é algo para se fazer e refazer e aí lá vai dinheiro.
A transposição foi uma questão polêmica desde o projeto. Mas agora, iniciadas as obras, qual seria o caminho? Aumentar a transparência e a fiscalização pública basta?
Eu acho que além do Tribunal de Contas e do Ministério Público, era necessário o movimento ambientalista estar mais ativo. Há alguma atenção maior para o problema de Belo Monte, por exemplo, mas essa questão do São Francisco já dura há muito tempo. A mídia eventualmente some. A propaganda do governo foi muito eficiente em falar dos 12 milhões de sedentos que dependiam dessa obra, mas se eles dependessem mesmo já estavam mortos. Isso é uma coisa dividida na opinião pública e essa é uma denúncia importante porque faz o povo desconfiar mais. Trata-se de propaganda sobre 12 milhões de saciados numa obra que, nós temos certeza, ainda vai rolar por muito tempo e consumir muito dinheiro público sem que uma gota d’água chegue.
Entrevista publicada originalmente no Terra Magazine.
EcoDebate, 16/02/2012
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Tive oportunidade de receber Ruben Siqueira em meu apartamento, quando ele veio a Belo Horizonte, e de lhe ofertar meu livro “A outra face da moeda – verdades e mitos sobre a transposição do Rio São Francisco para Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte”.
Nesse livro há um capítulo sobre os canais de concreto, em que eu inicio assim:
“Houve muita discussão se a transferência de água do São Francisco seria por adutoras ou por canais abertos. Ganhou a segunda hipótese, com canais revestidos por geomembranas impermeabilizantes, protegidas por uma camada de concreto com 5 cm de espessura. Não há dúvida de que a solução adotada é a mais indicada dentre as duas, devido à variação da vazão a ser recalcada”.
Portanto, a camada de 5 cm de espessura não tem efeito estrutural, mas, tão somente, o de proteger a camada de geomembrana.
O que o Ruben não comentou é se há necessidade da geomembrana e, por extensão, do próprio concreto. A meu ver, não há necessidade nem de uma nem de outro.
No livro, eu faço a previsão do rompimento da membrana e da camada de concreto devido à variação da temperatura na região. Pior: prevejo, também, que, não estando o canal em funcionamento, a acumulação da água de chuva seria um foco de proliferação da dengue.
Tudo isso, no entanto, não depõe contra a obra que, a meu ver, é, não apenas necessária, como vai levar água para uma região carente.
Se o Governo adotou uma propaganda equivocada, falando em matar sede de milhões de pessoas, isso também não depõe contra a obra que, se não vai matar a sede de ninguém, vai levar condições de progresso a uma região castigada por longos períodos de estiagem.
Não procede, portanto, a observação do Ruben de que a transposição seja mais uma obra da indústria da seca pois, ao levar o progresso para a região, ela visa exatamente a acabar com tal “indústria”.
Vejam só: o Sr. Paulo Afonso defende a necessidade desta obra, com alguma incoerencia – ” se não vai matar a sede de ninguém, vai levar condições de progresso… “. Ora, se ele admite que nem a sede vai matar, que progresso ele espera?
Não se discute a viabilidade economica e social da obra, mas sim, a forma perdulária como é tocada. As rachaduras vistas na foto, são típicas da ausência de juntas de dilatação, previstas e inclusas em qualquer calçada concretada. Porque esta obra não a incluiu no projeto? PARA TER QUE REFAZER E AUFERIR LUCROS COM A RECONSTRUÇÃO. É conversa fiada dizer que a reconstruçã não teria custos para o governo. Estamos cansados de ver este filme.