O novo paradigma ecológico do Brasil: são as raposas que estão cuidando do galinheiro. Entrevista com Luiz Jacques Saldanha
“Toda vez que deixarmos de consumir um produto feito com material artificial que depois jogaremos fora, estaremos praticando um ato de humanidade e de preservação da vida futura, saudável e natural”, defende o ambientalista.
Confira a entrevista.
A prefeitura de São Paulo promulgou em 2011 uma lei que proíbe sacolas plásticas na cidade a partir deste ano. A questão tem levantado polêmicos debates em torno desta mudança, que envolve supermercados, consumidores, ambientalistas e a indústria plástica. Para refletir sobre alguns aspectos deste tema, a IHU On-Line entrevistou por e-mail o ambientalista Luiz Jacques Saldanha, que defende a necessidade de se propagar informação e conhecimento sobre os males provocados pelas moléculas presentes nas sacolas plásticas à saúde humana e animal. Para ele, “ou os espaços que têm o compromisso de compartilhar o conhecimento, verdadeiramente ‘conheçam’ e compartilhem esta outra forma de estar no mundo, ou estaremos vivendo uma grande pantomima e um grande faz-de-conta, extremamente tristes e melancólicos. Outros caminhos serão paliativos e superficiais, porque não estarão fundamentados numa mudança de paradigma, mas sim de pequenos hábitos, manhas e fricotes da pequena burguesia”. E continua: “não é a cidadania, os centros de pesquisa, os centros universitários, os fóruns sociais, as ONGs ambientalistas, as donas de casa e as mães que estão na vanguarda desta transformação. São os negociantes”. E Jacques afirma que no Rio Grande do Sul não há muita consciência ambiental em relação ao uso das sacolas plásticas e da produção de lixo: “o estado hoje vive só da falsa fama de ser ‘ecologicamente correto’”.
Luiz Jacques Saldanha (foto), ambientalista, é engenheiro agrônomo e bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre a proibição paulistana (e em outras cidades também) de supermercados distribuírem sacolas plásticas para que os clientes transportem as compras?
Luiz Jacques Saldanha – Sem dúvida que, mesmo atrasada em relação a outros países muito menos “letrados” do que nós, como Bangaladesh e países mais pobres africanos, esta decisão é importantíssima no atual estágio que o Brasil se encontra. Principalmente ao ser o anfitrião da reunião da ONU, a Rio+20, em junho próximo.
IHU On-Line – Didaticamente falando, em que sentido as sacolinhas plásticas mais impactam o meio ambiente?
Luiz Jacques Saldanha – Acabo de traduzir e colocar no site que mantenho, uma entrevista com uma cientista e pesquisadora inglesa muito oportuna. Ela mostra que todas as substâncias artificiais, como as que formam a resina plástica, os plastificantes e os aditivos que compõem o produto final “sacolinha plástica”, ao entrar no ambiente, desprendem-se do produto que negligentemente pegamos no supermercado e, através da cadeia alimentar, chegam aos nossos organismos, principalmente ao da mãe grávida. Por absoluta incapacidade e impossibilidade, a mãe gestante não tem condições de impedir, como também não a placenta que envolve o feto, que estas moléculas entrem em contato direto e íntimo com o processo fisiológico do serzinho em gestação e formação. E estas substâncias, importantíssimo salientar, não naturais, ficam circulando no pequeno organismo.
IHU On-Line – E o que estas moléculas, parte da sacolinha, podem causar ao feto?
Luiz Jacques Saldanha – Devemos ter em mente que cada instante, cada segundo, cada passo e cada momento no processo de desenvolvimento de um feto é único, definitivo e derradeiro. Ou seja, o que se passar fisiologicamente em quaisquer destes momentos não terá, nunca mais, no atual estágio de nossa sociedade, chance de reversão, mudança ou alteração. Assim, o que se constata cientificamente hoje é que estas substâncias, além de estarem feminizando os machos e agredindo a saúde hormonal futura das fêmeas – vale destacar que os humanos estão inclusos -, também estão alterando a capacidade normal dos fetos de construírem suas células de gorduras nas quantidades que precisarão naturalmente quando forem crianças ou adultos. Estas substâncias artificiais estão fazendo com que haja uma proliferação fisiológica, sem controle natural, no processo de desenvolvimento dos fetos. Assim, ao nascerem, levam para seus estágios de criança e adulto a possibilidade de serem, contrariamente ao que seriam se não fossem contaminados, obesos e diabéticos. E isto já desde tenra idade. Então, toda vez que deixarmos de consumir um produto feito com material artificial que depois jogaremos fora, estaremos praticando um ato de humanidade e de preservação da vida futura, saudável e natural. E as sacolas plásticas fornecidas no comércio são o primeiro e definitivo passo para chegarmos, o quanto antes, nas embalagens que envolvem os produtos comestíveis.
IHU On-Line – Quais os caminhos para banir a cultura das sacolinhas plásticas em nossas sociedades?
Luiz Jacques Saldanha – Acho que, em primeiro lugar, estes temas devem ser do conhecimento de todos. Não só do conhecimento, mas da compreensão de cada cidadão planetário. As pessoas precisam saber o que são estas moléculas que hoje inundam o planeta a tal ponto de existir mais de um lixão no mar, onde as pequenas partículas destas sacolas, embalagens, redes de pescar e outros produtos sintéticos, estão “plastificando” o zoo e o fito plâncton, contaminando, assim, toda a cadeia alimentar desde sua origem mais básica. Hoje não temos mais nem o direito de pensar em nosso conforto imediato, hipócrita e presunçoso que pode, de forma imediata, comprometer o futuro da vida como a conhecemos. Penso que todos os colégios e universidades, destacando as que têm por base uma visão religiosa de amor à vida, terrena e espiritual, deverão conhecer e agir em seus seios, de forma que estes temas sejam o grande evangelho de demonstração da prática de amor ao próximo e ao futuro. Não há outro jeito. Ou os espaços que têm o compromisso de compartilhar o conhecimento, verdadeiramente “conheçam” e compartilhem esta outra forma de estar no mundo, ou estaremos vivendo uma grande pantomima e um grande faz-de-conta, extremamente tristes e melancólicos. Outros caminhos serão paliativos e superficiais, porque não estarão fundamentados numa mudança de paradigma, mas sim de pequenos hábitos, manhas e fricotes da pequena burguesia.
IHU On-Line – Qual o papel dos supermercados nesse sentido?
Luiz Jacques Saldanha – Este é o lado triste desta comédia. Não é a cidadania, os centros de pesquisa, os centros universitários, os fóruns sociais, as ONGs ambientalistas, as donas de casa e as mães que estão na vanguarda desta transformação. São os negociantes. São aqueles que vivem da compra e venda e da oferta e procura que se mobilizaram para cumprir uma decisão local. Onde está o governo federal que deveria ser o primeiro, juntamente com os governos estaduais, principalmente os que se apresentam como vanguardas políticas e sociais, buscando um novo patamar para se apresentar na tal Rio+20? Parece que o “papel” de ecologistas e progressistas ficou mesmo para o setor que simplesmente não teria este compromisso de agente de transformação social. Enfim, este é o novo paradigma ecológico que vivemos no Brasil: são as raposas que estão cuidando do galinheiro.
IHU On-Line – Muitas pessoas utilizam as sacolinhas plásticas nas lixeiras domésticas. Há diferença entre elas e os sacos de lixo? Estes são mais biodegradáveis?
Luiz Jacques Saldanha – É fundamental termos bem claro que não existe resina plástica disponível em grande escala que seja “biodegradável”. Para ser “bio” esta resina deveria ser “viva” e as resinas plásticas que temos à disposição não são vivas. São mortas e por isso suas moléculas são persistentes e bioacumulativas. Ou seja, ficam iguais no tempo e não são digeridas pelos organismos vivos. Por isso são “não-naturais”. Inclusive estas que dizem ser oxibiodegradáveis não são degradadas a nível molecular, somente são mecanicamente desestruturadas em seus polímeros, mas não nos seus monômeros.
IHU On-Line – Como essa questão aparece aqui no Rio Grande do Sul? O povo gaúcho é consciente em relação ao uso das sacolas plásticas?
Luiz Jacques Saldanha – Acho que se fosse, não ia ser São Paulo, aquela “babilônia”, que iria “puxar a ponta”. Depois da questão dos transgênicos, no início deste século, considerando que foi pelo Rio Grande do Sul que se instalaram no Brasil, fica claro que o estado hoje vive só da falsa fama de ser “ecologicamente correto”.
IHU On-Line – Como esse debate sobre as sacolinhas plásticas pode nos ajudar a refletir sobre o destino do lixo em nossas cidades?
Luiz Jacques Saldanha – Numa entrevista anterior para o Instituto Humanitas já defendia a ideia de que não existe lixo. O que existe são materiais que estão passando por nossas mãos e que devem voltar, normal e naturalmente, para o ciclo da vida, muito além do ciclo do consumo. Eu e muitos amigos chegamos a pensar em formar um grupo para pedir isenção da taxa do lixo porque nós não produzimos lixo. Tudo é recolocado no ciclo da vida, até a matéria orgânica que, no meu apartamento, vira composto. Mas isso é outra história.
(Ecodebate, 15/02/2012) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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