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Oficina sobre serviços ambientais com indígenas é realizada em Rio Branco, AC

 

O Centro de Formação Povos da Floresta (CFPF) da Comissão Pro-Índío do Acre (CPI/Acre) foi, na última semana, palco de intensas discussões a respeito de um dos assuntos de maior relevância nos últimos anos: política de pagamento por serviços ambientais para povos indígenas, na perspectiva de valorizar e fortalecer iniciativas de manejo e conservação da biodiversidade.

Com iniciativa e organização do Instituto de Mudanças Climáticas do Estado do Acre, da CPI/Acre e da Forest Trends, a Oficina teve, justamente, o objetivo de conhecer onde os indígenas e seus territórios podem se inserir nas políticas de serviços ambientais, Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação – REDD, mudanças climáticas, o Sistema de Incentivo por Serviços Ambientais – SISA e Lei Estadual específica que o Acre já tem estabelecida.

Começando pelo conceito desses serviços, passando por estratégias que fazem parte de suas vidas e chegando ao SISA, 40 indígenas representantes de 16 Terras Indígenas do Acre, organizações indigenistas do Acre e da Amazônia, cooperadores nacionais e internacionais e Governo do Estado do Acre debateram, intercambiaram experiências e conhecimentos a respeito de como fazer valer os serviços que, pela sua própria natureza, os povos indígenas prestam ao mundo.

Entre os indígenas presentes existe, ainda, muita insegurança em torno do assunto gerada pela distância de informações precisas, pela falta de clareza de como os povos indígenas serão inseridos ou não nestas discussões e no processo de construção da temática. Ter a informação qualificada e o conhecimento sobre o assunto foi a motivação principal para a realização da oficina, considerada uma grande e importante roda de conversa entre governo, parceiros e indígenas que trouxe esclarecimentos que poderão ser validados no decorrer do processo de construção da política de pagamento por serviços ambientais para os povos indígenas do Acre.

Num clima de “explicações de terminologias daqui, conceitos dali e práticas já vivenciadas acolá”, os cinco dias de discussões envolveram os participantes de tal forma que levou à certeza e à validação de que os povos indígenas vêm prestando serviços ambientais desde sempre e que, por isso mesmo, o novo está nas nomenclaturas, não nas práticas desenvolvidas nos territórios. Afinal, estas práticas não são apenas opiniões ou conceitos, mas são, acima de tudo, modos de vida.

É o que afirma o professor indígena Joaquim Maná Kaxinawá, da Terra Indígena Kaxinawá Praia do Carapanã, doutorando em lingüística pela Universidade de Brasília – UnB: “Eu pude entender que as apresentações são novas para os representantes das comunidades indígenas, mas as ações que são feitas pelos povos, não são coisas novas. Só as apresentações, nomenclatura é que, pude perceber, os indígenas não estavam entendendo. Mas quando falamos que é uma coisa que a gente já faz no dia a dia, tudo ficou mais claro”, explicou Maná.

Para o professor, tais nomenclaturas como serviços ambientais, redução de emissão de carbono na atmosfera, salvaguardas, mudanças climáticas, trazem como novo a comercialização do que é parte integrante da vida dos indígenas, dos povos da floresta. A medida em que as conversas iam acontecendo, os participantes iam adquirindo clareza e compreensão desse novo, porque “são trabalhos que são realizados ao longo dos anos, como roçados e plantios sustentáveis, manejo dos recursos naturais, cuidado com as águas que existem no território, preservação da língua e da cultura, e que agora parece ser uma coisa nova porque se pensa tudo isso como comércio”, constata Maná. Para ele, o desafio que ficou do encontro é que “ainda não está claro o que vai ser vendido, como vai ser vendido, quem vai acompanhar, quem vai negociar, o que é mesmo essa venda, como vai ser feita”. Na sua opinião, a necessidade é de continuidade, ou seja, são necessários “mais encontros, com mais esclarecimentos, mais debates para, talvez, chegarmos próximos de um consenso em entender o que significa esse comércio”.

Essa opinião é compartilhada pelo presidente da Federação do Povo Huni Kuin, Jose Ninawa, quando diz que esse foi um dos primeiros passos nesta discussão, pois “a gente tinha muitas informações, mas não tão bem centradas como foi mostrado durante a semana e que, eu acredito, sejam só alguns indicadores dessas discussões”, explica o líder indígena.

Para Ninawá, a continuidade do processo de troca para o aprendizado é uma necessidade porque o desafio que está posto “não é um desafio para o estado, mas é pra gente em conjunto com o estado”, porque, em sua opinião, não deve ser “o estado que faz e organiza tudo. Tem que fazer em conjunto, as comunidades indígenas precisam da parceria e do apoio do estado, assim como o estado depende também das orientações dos indígenas para que essa construção tenha sustentabilidade”, conclui.

Comprovando que os indígenas têm muito a orientar os demais atores, especialmente o estado, na condução das políticas de serviços ambientais, o Agente Agroflorestal Indígena, Nilson Twue Kaxinawá, diz que, apesar da linguagem “antropológica, técnica, científica, dificultar a compreensão”, está muito claro que esta é “uma discussão que está dentro do que os AAFIs já vêm fazendo, dentro da Gestão do Território Indígena, do espaço que a gente tem, então, a gente tem que participar porque a gente faz parte dessa discussão que é tão importante pro Brasil e pro mundo”, contextualiza Nilson, dizendo que “espera que tudo o que foi discutido em termos de sustentabilidade dos recursos e da gestão do território possa ser considerado e o governo possa, realmente, se adaptar a realidade indígena para formalizar a legislação”.

A assessora da Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas (AMAAIAC), Francisca Arara, também tem uma opinião otimista em relação ao processo de construção da proposta de pagamento por serviços ambientais em terras indígenas. Para ela, “a participação das organizações indígenas, em especial da AMAAIAC, fortalece a ação dos AAFIs em seus territórios e é, também, um reconhecimento pela da categoria dos Agentes Agroflorestais Indígenas, os verdadeiros trabalhadores da floresta”, explica Francisca com entusiasmo.

Ratificando a condução requerida pelos indígenas, o diretor presidente do Instituto de Mudanças Climáticas, Eufran Amaral, diz que o diálogo com os indígenas “é um processo contínuo e eu dou o exemplo do ouriço: nós estamos vendo o ouriço de castanha por fora e agora nós vamos abrir o ouriço e trabalhar a castanha, amêndoa por amêndoa. Então, o próximo passo é ter diálogos mais próximos das aldeias, com a participação das comunidades, de pajés, de caciques, de lideranças”. Segundo Eufran, já estão programados dois encontros para o primeiro semestre, um na região do Purus e outro na região do Juruá. Ambos já estarão com as recomendações levantadas nesta Oficina incorporadas em suas diretrizes.

Para a coordenadora da CPI/Acre, Vera Olinda, “esta é a primeira de muitas oficinas que devem acontecer para a compreensão do SISA, pois há o entendimento de que espaços de formação são imprescindíveis para a tomada de decisão”. Na opinião de Vera, hoje o mundo passa por alterações, as sociedades estão passando por mudanças, e nestas transformações “os povos indígenas devem vir com maior protagonismo”, comenta Olinda. “O que nos motiva nessa parceria com o IMC, com algumas associações indígenas, com a Forest Trends, é, principalmente, colocar em evidência os conhecimentos indígenas para a conservação das florestas e o alto índice de floresta preservada nas Terras Indígenas do Acre”.

Outro fator ressaltado por Vera Olinda é o aspecto jurídico: “esta é uma importante oportunidade para se ter amparo legal sobre os incentivos a serviços ambientais que podem vir a compensar os povos indígenas pelo que fazem. Isso tem a ver com respeitar os modos de vida, garantir os recursos para uma efetiva gestão territorial e, mais do que nunca, por em prática o mecanismo de Consulta Prévia e Informada tão solicitada por todos. Claro que queremos trabalhar para aprimorar isso”, enfatiza Olinda lançando uma provocação: “Ora, se os indígenas mantêm a floresta em pé e se nas TIs as pessoas vivem bem, significa que tem coisa ali dando certo. Pergunte a eles se não querem ser compensados por isso. Querem sim, e é muito justo”, desafia Olinda.

A Oficina de Formação e Informação para Indígenas contou com a presença da Associação Metareila do Povo Indígena Suruí, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), da representação no Acre do Centro de Pesquisa Woods Hole, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e da Assessoria Especial de Assuntos Indígenas (AEAI).

A iniciativa da realização assume o compromisso de garantir o direito de consulta dos povos indígenas no Acre e vem num importante momento em que, no Brasil, através da Portaria 35, de 27 de janeiro de 2012, “é instituído o Grupo de Trabalho Interministerial para estudar, avaliar e apresentar proposta de regulamentação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, no que tange aos procedimentos de consulta prévia”. Passos como esses são os esforços de tirar o atraso do Brasil no que se refere ao consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas pela garantia de todos os seus direitos.

Colaboração de Lígia Apel, da Comissão Pró-Índio do Acre, para o EcoDebate, 10/02/2012

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