O Fórum Social Temático 2012 e os movimentos sociais: Dilemas e perspectivas, por Paulo Marques
Plenária dos Movimentos Sociais: O Fórum social Temático 2012 encerra suas atividade com a aprovação da Declaração da Assembléia dos Movimentos Sociais que convoca os movimentos para a Cùpula dos Povos e demais mobilizações globais contra o capitalismo.
O Fórum social Temático 2012 e os movimentos sociais: Dilemas e perspectivas
Paulo Marques
Mais um Fórum Social Mundial chegou ao fim, e a pergunta é sempre a mesma: E daí? O que muda ou mudará no processo politico concreto dos movimentos sociais e da política real? A depender do interlocutor teremos respostas muito diversas a esta pergunta. Teremos aqueles que dirão que o fórum é nada mais que um evento, uma feira ideológica onde as diversas esquerdas “vendem o seu peixe” ou melhor, as suas “receitas” para um outro mundo possível. Outros dirão que a iniciativa é importante mas que a realidade é bem mais complexa que palavras de ordem e boas intenções, outros ainda mais céticos dirão que é um espaço de debate importante mas que não tem força para intervir nas esferas reais de decisão, dada a fragilidade dos movimentos em comparação com as grandes corporações internacionais, estas as verdadeiras donas do mundo.
Essa diversidade ou pluralidade de visões no contexto dos próprios movimentos sociais, partidos de esquerda e também governos progressistas da América Latina compõe hoje a realidade mais visível no campo dos movimentos sociais. Não é possível falarmos de um tipo de movimento, há uma diversidade de movimentos, desde os tradicionais sindicatos, partidos de esquerda passando por fóruns, redes de movimentos, ambientalistas, feministas, povos indígenas, quilombolas, movimentos urbanos de luta pela moradia, direitos humanos, movimentos campesinos, e os novissimos “movimentos 2.0”, hakers, “indignados” , “ocupas” etc… Uma diversidade que também cobra seu preço, a dispersão de cada pauta/demanda específica e a incapacidade de uma visão totalizadora dos processos capaz de construir agendas comuns com pontos minimos unificadores e estratégicos para acumular força política.
O reflexo desta dispersão pode ser visto neste Fórum Temático. Mais de 400 atividades autogestionárias dos mais variados temas. Após quatro dias de debates o Fórum Social Temático foi concluido com a Plénária dos Movimentos Sociais, realizado na Usina do Gasômetro no sábado 28/01. O resultado foi a aprovação da Declaração da Assembléia dos Movimentos Sociais” cujo conteúdo procurou apontar o que é consenso ou seja, a denuncia das mazelas do sistema capitalista, e um chamamento para realização da Cúpula dos povos, no mes de junho no Rio de Janeiro. Quanto a táticas e estratégias, cada movimento é responsável pela sua.
Mesmo que não estivesse na pauta dos movimentos, foi possível observar que houve um esforço da coordenação do FST para resgatar o FSM como pólo de referência dos movimentos sociais globais, principalmente após o seu enfraquecimento ao longo de dez anos de existencia. Foi nesse sentido que no folder de apresentação das atividades oficiais do Fórum, denominadas de ” Narrativas e Diálogos” e “Grupos Temáticos” , afirmava-se que ” Este parece ser um momento único para resgatarmos o acúmulo do altermundialismo e do Fórum Social Mundial”. O FST 2012 foi, portanto, uma tentativa de “reencontro” do FSM com os novos movimentos sociais que emergiram em 2011 como os “indignados” , ocupas e estudantes chilenos.
Junto a essa predominancia dos novos movimentos sociais antisistêmicos estavam os ambientalistas e ativistas das novas tecnologias e redes sociais, como ativistas hakers, militantes da cultura livre, que tiveram no “Conexões Globais 2.0” , realizado na Casa de Cultura Mário Quintana o seu espaço privilegiado para suas temáticas.
O Brasil no FST 2012
Com este cenário foi possível perceber também o aprofundamento de outro dilema que acompanha o fórum desde sua criação que é a relação dos movimentos sociais com os governos progressistas da América Latina. O caso do Brasil é ainda mais complexo dado que o PT foi um dos principais protagonistas da criação do FSM e mantém ainda uma grande hegemonia nos movimentos sociais do país, mas enfrenta enormes contradições das políticas de caráter desenvolvimentistas do seu governo com a agenda ambientalista e mais recentemente com os movimentos da cultura livre, a partir do retrocesso da politicas do ministério da cultura.
O fato é que se o FSM quando do seu nascimento, constituiu-se como o espaço de confluencia e unidade dos movimentos sociais na luta contra o neoliberalismo hoje temos uma realidade diferente, particularmente na América Latina, onde a agenda neo-desenvolvimentista dos governos progressistas tornou mais complexa essa unidade, principalmente a relação aos movimentos ambientalistas e anticapitalistas.
A realidade que temos é o fato de que na agenda desenvolvimentista hegemônica hoje no Brasil não cabem a crítica antisistêmica, ou “para além do capital”, por isso a grande dificuldade de diálogo hoje que o PT tem com movimentos sociais de caráter anticapitalista. A agenda do governo tem limites muito concretos e estes limites estão encerrados na lógica da reprodução do capital. O argumento do desenvolvimento capitalista como única forma de superação da miséria interdita qualquer debate que busque alternativa ao novo “pensamento único” vigente.
Por outro lado, no campo dos movimentos sociais as dificuldades e dilemas não são menores. Como organizar movimentos sociais anti-sistêmicos em um contexto desse “pensamento único” desenvolvimentista, no qual o capitalismo não está em questão? Como fortalecer as experiências práticas de organização e produção não-capitalista que sejam mais que pequenas ilhas sem capacidade de consolidação como alternativa? Como articular estratégias comuns de luta anticapitalista com os diferentes movimentos sociais e suas pautas específicas, superando o setorialismo e o corporativismo de cada movimento? Qual a estratégia, de unidade mínima dos movimentos, para enfrentar a força do capital ainda vigente?
Como bem falou Esther Vivas em seu artigo “como mudar o mundo”? não temos a resposta mas temos algumas pistas que podem nos orientar no caminho como a premissa de que ” ninguém tem verdades absolutas, de que o processo de mudanças será coletivo ou não será, de que há que aprender uns com os outros, de que é necessário trabalhar sem sectarismos nem seguidismos e que frequentemente os rótulos separam mais que unem”
Portanto, o desafio central não é mais discutir qual o papel do Fórum Social Mundial ou qualquer outra forma de articulação dos movimentos, mas sim quais as novas práticas políticas no campo da esquerda anti-capitalista e movimentos sociais anti-sistêmicos que podem contribuir para acumular forças e permita superar os atuais dilemas da dispersão e fragmentação em que e se encontram as ações coletivas, muitas das quais perdidas no beco sem saída do “não há alternativa” do neo-desenvolvimentismo.
*Paulo Marques é doutor em sociologia pela Universidade de Granada/Espanha, pesquisador do tema dos movimentos sociais e integrante o Coletivo de Comunicação Brasil Autogestionário( www.brasilautogestionario.org)
Artigo originalmente publicado no blogue A Batalha.
EcoDebate, 03/02/2012
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