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Artigo

Educação contra a economia verde, por Raquel Júnia

 

Durante o Fórum Mundial da Educação, educadores debatem como abordar a justiça ambiental a partir de uma perspectiva crítica.

Justiça ambiental: as práticas educativas para a construção de outro mundo possível foi um dos temas debatidos durante o Fórum Mundial de Educação Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental, realizado em Porto Alegre, de 24 a 29 de janeiro. Para o professor brasileiro Moacir Gadotti, do Instituto Paulo Freire, presente no debate, no cotidiano da educação é preciso deixar claro que as soluções propostas pelos organismos internacionais e pelas grandes economias capitalistas para salvar o planeta da crise ambiental e econômica não são válidas. “Os países ditos desenvolvidos abusaram da pegada ecológica e não conseguem hoje assumir essa dívida. Mas isso não significa que devemos assumi-la como querem as soluções neocapitalistas apresentadas por esses próprios países. A economia verde é uma falsa solução para os problemas que vivemos hoje, é preciso ficar claro que ela não conseguirá tirar a humanidade da rota de destruição”, ressaltou.

Segundo Gadotti, sem questionar profundamente o atual modo de produção não será possível resolver a grave crise que o mundo enfrenta hoje. O professor defendeu a necessidade de politizar a questão ecológica dentro dos espaços de educação formais e não formais. “Estamos diante de uma grande oportunidade de introduzir esse tema nas escolas e fazermos uma educação também mais transformadora e popular, porque as escolas hoje estão esvaziadas de política”, observou. Gadotti lembrou Paulo Freire — com quem trabalhou diretamente —dizendo que, se ele estivesse ali presente, certamente falaria de política e defenderia a politização da questão ambiental. O professor comentou que o último texto escrito por Freire falava justamente da “ecopedagogia”. Gadotti enfatizou a necessidade de discutir justiça ambiental juntamente com justiça social, já que os dois conceitos não existem separadamente. “A prática educativa que queremos deve visibilizar, conscientizar, desfetichizar, assim como fizeram os negros, os sem-terra, as mulheres, os homossexuais, colocando no palco da história todas essas opressões”, reforçou.

Também presente na mesa de discussão, o professor espanhol Fernando Ballenilla falou sobre a necessidade de os próprios educadores conhecerem a fundo a situação atual do planeta para conseguirem realizar uma educação crítica. O professor faz parte da Red IRES, um movimento de educadores a favor de uma formação crítica, que tem entre suas atribuições o estudo da realidade atual. Ele apresentou os estudos feitos pela rede sobre a dependência mundial do petróleo, o declínio da produção petrolífera nos principais países produtores e as consequências que isso poderá trazer para a humanidade, como a escassez de alimentos devido à ocupação de terras para a produção dos biocombustíveis. “Temos um desafio enorme e pouco prazo porque este modelo está com a data de validade muito próxima de vencer. Para enfrentarmos esses desafios na educação temos que criticar o modelo tradicional de escola, mas não a partir de uma crítica tecnológica, que é a principal crítica que tem sido feita. Não podemos conceber o espaço educativo como mero reprodutor de conteúdos, precisamos trabalhar na escola como pesquisadores, trazendo os temas socioambientais relevantes, com uma perspectiva democrática, participativa, crítica e solidária”, argumentou.

Práticas educativas

O educador italiano Alessio Surian chamou a atenção para a necessidade de reconhecer os limites da escola que não dialoga com seu entorno. “Não podemos pensar que tudo que existe dentro da escola é educação e que o que está fora da escola não é. Se não existe uma ponte entre fora e dentro, precisamos pensar na necessidade de reformar essa escola”, pontuou. Para o professor, há três princípios que precisam nortear os processos educativos e que são pontes entre a educação formal e não formal. Ele os chama de coprodução, coevolução e coaprendizado, e os define como princípios que estão relacionados à legitimidade de um conhecimento que é produzido coletivamente, ao dinamismo das práticas educativas a partir do reconhecimento das diferenças e da possibilidade de mudanças constantes.

Alessio Surian também esmiuçou durante o debate ferramentas para ajudar os educadores a colocarem em prática essa outra proposta de educação a partir da discussão da justiça ambiental. Entre elas, ele apontou a apresentação do conceito de pegada ecológica. “A pegada ecológica é uma forma de tomar consciência de tudo o que estamos fazendo, consumindo, despejando na natureza. Podemos traduzir isso em termos energéticos, simbolizar em hectares, o que o torna uma das formas mais concretas e pedagógicas para tomar consciência da justiça ambiental”, explicou. Outras ferramentas citadas pelo professor são a Carta da Terra e a elaboração de uma linha do tempo que defina quais são as relações, as responsabilidades individuais e coletivas “para transformar o pessimismo do presente no futuro desejado”. Além disso, Alessio considera que um outro caminho é o próprio compartilhamento de ferramentas entre os professores e ainda a difusão das declarações já existentes dos direitos humanos, apesar das inúmeras contradições e impedimentos desses mesmos direitos. “Há um processo ratificado pelo Brasil e por quase o mundo inteiro, com um marco normativo que diz que todos têm que ser consultados pelas escolhas que vão afetar o meio ambiente e a economia”, lembrou.

Para a educadora de Burkina Faso Aminata Diallo Boly é preciso aceitar que a educação é um processo de longo prazo, que compreende também as relações culturais e históricas. Aminata contou sua experiência com a educação de populações nômades no continente africano. “Entendemos que é necessário permitir a essas populações se integrar e fazer um estudo das necessidades educativas delas com uma reflexão crítica permanentemente”, disse. A professora criticou a visão equivocada, segundo ela muitas vezes difundida, a respeito dos processos de educação não-formal, que os consideram um espaço “para os páreas ou as pessoas que não têm futuro”. Segundo Aminata, há muitos desafios no processo educativo em curso na África. “Hoje há uma explosão dos sítios de ouro, o que é um inferno para o sistema educativo, pois famílias inteiras migram para esses sítios constituindo outras demandas por educação”, exemplificou.

Fórum Social Temático

O Fórum Mundial de Educação faz parte das atividades do Fórum Social Temático Crise Capitalista Justiça Social e Ambiental, que está sendo realizado em Porto Alegre, de 24 a 29 de janeiro. O Fórum reúne milhares de pessoas em centenas de atividades, muitas delas abordando as preocupações com a Rio +20, a Conferência que acontecerá em junho, no Rio de Janeiro organizada pela ONU 20 anos após a ECO 92. Várias atividades do Fórum têm se posicionado contra o documento preliminar oficial da Rio + 20 , que aposta na economia verde como solução para a crise ambiental. O FST é uma das edições descentralizadas do Fórum Social Mundial, previsto para 2013.

Raquel Júnia – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

EcoDebate, 30/01/2012

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One thought on “Educação contra a economia verde, por Raquel Júnia

  • Educação… Essa criatura conceitualmente basal e tão desvirtuada, que tanto seria capaz, não estivesse pelo sistema capitalista mumificada, é sempre travestida de preparação técnica para o mercado. E assim, travestida, ela é de importância vital.
    A verdadeira educação, aquela transformadora, a quem há de interessar? Talvez a meia dúzia de sonhadores, que, como Paulo Freire, lutam até o fim, e saem do campo de batalha sem ver nem a milésima parte de seus sonhos realizada.
    Mas é preciso lutar. O sistema capitalista já mostra sinais de fragilidade.

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