Destaques do Fórum Social Temático (FST)
[Por Cristiano Morsolin, para o Ecodebate] Onze anos depois da sua primeira versão, o Fórum Social Mundial volta a seu berço, Porto Alegre; volta como Fórum Social Temático.
O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo foi lembrado, no dia 28/1, em uma sessão especial do Fórum Social Temático (FST), que vai analisar a relação entre o trabalho escravo e os danos ao meio ambiente. Além do ato em Porto Alegre, a mobilização pelo Dia Nacional de Combate o Trabalho Escravo inclui atividades em mais oito estados para chamar atenção para o problema e cobrar avanços, como a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 438/2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo. Em Brasília, o Ministério do Trabalho lançou esta semana o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas ao de Escravo. O dia 28 de janeiro foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo como uma forma de homenagear os cinco auditores fiscais do Trabalho assassinados durante uma fiscalização rural na cidade mineira de Unaí, em 2004. O crime ficou conhecido como Chacina de Unaí. Oito anos depois, dos nove acusados de participação nos assassinatos, quatro estão em liberdade, beneficiados por habeas corpus, entre eles o atual prefeito de Unaí, Antério Mânica, e o irmão dele, Norberto Mânica. Cinco estão presos, mas ninguém foi julgado ainda.
A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, anunciou na tarde deste sábado, 28 de janeiro, que a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438, a PEC do Trabalho Escravo, é a prioridade da sua pasta em 2012. Durante o debate “Com trabalho escravo, não há desenvolvimento sustentável”, evento realizado no Fórum Social em Porto Alegre (RS) em celebração ao Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, a ministra revelou que discutiu a questão na semana passada em reunião com a presidenta Dilma Rousseff, e que esta se mostrou favorável à legislação proposta.
A PEC 438 prevê a expropriação e destinação para reforma agrária de propriedades onde for flagrado trabalho escravo. “Essa é a principal agenda política de Direitos Humanos no Congresso Nacional. Não é uma agenda a mais, mas a principal agenda”, ressaltou, comparando o empenho previsto ao da pasta pela instalação da Comissão da Verdade no ano passado. “Que [esse ano] a nossa verdade seja plenamente o enfrentamento ao trabalho escravo. O Brasil precisa enfrentar essa chaga, precisamos criar condições para retirada da terra de quem a utiliza para exploração do trabalho escravo”.
Segundo Maria do Rosário, mesmo informada de que a “bancada ruralista sempre foi resistente” à proposta, a presidente declarou apoio. “Precisamos agir. A situação [do trabalho escravo] pode se agravar diante do fenômeno da migração, da vinda de trabalhadores que buscam oportunidades no Brasil. No campo e nas cidades também. O contra exemplo da empresa Zara é a ponta de lança de muitas outras situações que envolvem não apenas brasileiros. Temos notícias de trabalho escravo e migração humana”, relata. “Outros povos buscam no Brasil alternativas de sobrevivência e dignidade, e encontram condições de trabalho escravo. Não somente adultos, mas há também crianças, adolescentes e jovens vivenciando essas condições de superexploração. Temos que ter uma linha clara pela integração e respeito”, escreveu Daniel Santini (http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1991 ).
FST destaca a agricultura familiar e o cooperativismo
A abertura do Fórum Social Temático, contou com personalidades importantes da esfera política. E um tema se mostrou central: o cooperativismo e a agricultura familiar. A começar pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano da Silva, que destacou desde o início a nova política da instituição para o enfrentamento da fome no mundo: o incentivo às formas cooperativas de produção.
“Precisamos de outro modo de produzir alimentos, com menos insumos agrícolas, utilizar melhor os recursos hídricos. Encontrar forma de produção mais sustentáveis é uma bandeira da FAO”, destacou Graziano, ao lembrar que a entidade decretou o ano de 2012 como o Ano Internacional do Cooperativismo.
De maneira indireta, Graziano também criticou o modelo de produção do agronegócio, ao salientar que a “segurança alimentar foi capturada por um casino financeiro e passou a ser jogada pelo mercado em formas de commodities”. Graziano ainda colocou que a FAO precisa mais do sistema de cooperativas do que o inverso, para que os objetivos da entidade sejam alcançados. Como exemplo, citou o caso da Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (COCEARGS), organizada pelo MST, ao destacar a importância desse instrumento na organização da produção e comercialização dos produtos (http://www.mst.org.br/Forum-Social-Tematico-inicia-destacando-a-agricultura-familiar-e-o-cooperativismo%20).
Em visita à loja da Reforma Agrária do MST, no Mercado Público de Porto Alegre (RS), José Graziano da Silva, diretor-geral das Organizações das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), viu o sucesso dos produtos dos assentamentos da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar.
Em meio aos mais de 250 produtos comercializados pela loja – composta em sua maioria por produtos orgânicos – Emerson Giacomelli, presidente da Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs), explicou o funcionamento e a capacidade de produção desse setor agrícola. “Essa loja é um espaço de centralização da comercialização e divulgação dos resultados dos assentamentos. E é capaz de demonstrar os resultados da luta social. Além de ter a função de proporcionar uma integração entre o produtor e o consumidor, fazendo essa relação com a sociedade de um modo geral”, explicou Emerson. Tipos de grãos, arroz, frutas, legumes, ervas, sucos, mel, geléia, conservas e vinhos são apenas alguns dos alimentos vendidos na loja da Reforma Agrária, cujos responsáveis pelo seu abastecimento são os assentamentos e agricultores familiares, a sua maioria do Rio Grande do Sul.
O vice-ministro do Desenvolvimento Rural Agropecuário da Bolívia, Victor Hugo Vásquez, também visitou a loja para conhecer as experiências do MST e reproduzi-las para os agricultores familiares de seu país. “Chegar a um nível de produção e comercialização é um grande avanço do Movimento”, ressaltou.
Os alimentos vendidos na loja materializam o processo de agregação de valor ao produtos, uma vez que a maioria dos alimentos são de agroindústrias dos próprios assentamentos. Ao agregar valor ao produto por meio das agroindústrias, permite-se um maior desenvolvimento do meio rural, de modo que a renda se fixa campo – sem o atravessamento de empresas -, gera trabalho, especialmente para a juventude local e viabiliza a existência de um campo com gente, desafogando os centros urbanos (http://www.mst.org.br/Jose-Graziano-da-Silva-diretor-da-FAO-visita-loja-da-Reforma-Agraria-do-MST).
MST: mobilização contra a economia verde
“A partir de hoje mesmo começa a mobilização contra a economia verde”, declarou na Assembléia dos Movimentos Sociais o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, que também faz parte da coordenação da Via Campesina, uma rede mundial de pequenos agricultores.
O coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, disse que a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que acontece em junho, no Rio de Janeiro, poderá até ser representativa e reunir chefes de Estado, mas será apenas um “teatrinho governamental”, sem efeitos sobre o atual modelo de desenvolvimento capitalista. Stédile participa das atividades do Fórum Social Temático (FST), uma prévia da Cúpula dos Povos, reunião de movimentos sociais que acontecerá paralelamente à Rio+20.
O problema, segundo o líder do MST, é que os fóruns internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), não conseguem se impor ao movimento do capital, comandado pelas grandes corporações transnacionais e pelo capital financeiro. Nesse contexto, por mais que os governos nacionais se esforcem em propor novos modelos, as mudanças mais significativas são barradas pelo capital. “Desde a década de 1990, quando o capitalismo se internacionalizou, a força do capital tem se revelado maior que a força dos governos. A situação esdrúxula é que os governos promovem reuniões, seja o G20, sejam as conferências da ONU e depois os capitalistas não respeitam. A Rio+20 pode até ter uma grande representatividade de presidentes, da presença de todos os países do mundo, mas no fundo vai ser um grande teatrinho governamental, porque os presidentes se reúnem, podem fazer bons discursos e acordos formais, mas que não terão ingerência sobre a ação que o capital vem fazendo sobre os recursos naturais”, avaliou, em entrevista à Agência Brasil e à Rádio Nacional da Amazônia. Em contraponto à Rio+20, a sociedade civil está organizando a Cúpula dos Povos, para tentar viabilizar propostas alternativas que não terão repercussão na reunião formal, segundo Stédile. “Nessa cúpula, tentaremos construir pautas, agendas e ações de massa comuns para conseguirmos levantar uma barreira a essa sanha insana dos grandes capitalistas representados pelas empresas transnacionais que está provocando desastres”, adiantou.
O líder do MST ainda criticou o conceito de economia verde, que será o foco das discussões da Rio+20. Para Stédile, a ideia é “até simpática”, mas não tem efetividade diante da força do capital financeiro, e acaba servindo de maquiagem verde para o modelo tradicional de exploração dos recursos naturais e de distribuição das riquezas. “Os capitalistas mais espertos e que não atuam no polo de especulação do capital financeiro sacaram que podem dar um tom de maior sustentabilidade prometendo que não vão agredir o meio ambiente para parecer simpáticos à população, que então vão consumir mais e eles vão ter lucro maior. Mas quem manda são os grandes bancos, transnacionais, as petroquímicas”, apontou.
Radical, Stédile disse que a saída para evitar uma crise ambiental e mudar a rota do desenvolvimento para um caminho mais sustentável é a estatização do sistema financeiro em todo mundo, o que, segundo ele, daria aos governos a possibilidade de financiar um padrão de crescimento menos intensivo no uso dos recursos naturais.
“Os governos nacionais têm que controlar seus bancos para que, em vez de financiar investimentos que agridem ao meio ambiente, financiem outros tipos de investimentos produtivos, uma reconversão da economia de seus países.”(http://www.mst.org.br/Rio-20-sera-teatrinho-porque-capitalistas-nao-respeitam-governos-afirma-Stedile)
Ao participar de uma mesa de debates sobre democracia e diante de um auditório lotado no Fórum Social Temático (FST) 2012, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos cobrou da presidente Dilma Rousseff mais diálogo com os movimentos sociais. Ele ressaltou que a crise que atinge fortemente países europeus demonstra que o capitalismo é antidemocrático e que a luta democrática precisa ser de cunho anticapitalista. “O totalitarismo gradual vai minando as nossas forças e as nossas aspirações democráticas”, disse. “A democracia representativa se virou de costas para as populações”, completou.
Em resposta, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, que também participou da mesa, avaliou que não há ausência de diálogo entre o governo e os representantes sociais. Há, segundo ele, uma certa tensão e, muitas vezes, demora em atender reivindicações com a velocidade necessária.
“O governo não pode estar fechado em suas fórmulas. A presença da presidenta Dilma e de ministros aqui no fórum é exatamente um exercício dessa prática, de que é preciso ouvir para errar menos e ouvir para acertar mais. Isso é democracia e um exercício importante para nós”, explicou.
Ainda durante o debate, o ativista Chico Whitaker avaliou que a chamada democracia representativa no país está em crise e que, além de eleger, a população precisa controlar, acompanhar, reivindicar e exigir. “O FST é a sociedade se assumindo. Ela não se satisfaz em ser representada. Ela quer também atuar autonomamente como força social. Isso está crescendo. É uma nova cultura, de uma democracia muito mais exigente”, ressaltou a Agência Brasil do 27/01/2012.
Compromisso da CPT contra o Trabalho Escravo
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) aproveitou o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, comemorado hoje (28), para lembrar os oito anos da chacina que matou quatro servidores do Ministério do Trabalho que faziam uma fiscalização em fazendas da cidade mineira de Unaí. Em nota pública, a CPT cobrou providências dos três Poderes da República para acabar com o trabalho escravo no Brasil. “
Logo após o crime de Unaí, o Senado se apressou e aprovou em dois turnos a PEC 438/2001, que estabelece o confisco das propriedades nas quais foi constatada a existência do trabalho escravo e sua destinação para a Reforma Agrária. A Câmara Federal também a aprovou, em primeiro turno, no dia 10/08/2004, devendo ir para votação em segundo turno. A partir de então não foi mais posta em votação, apesar dos constantes apelos de movimentos e entidades da sociedade civil e do requerimento de vários deputados de diferentes partidos. Quando a Câmara Federal vai acordar do torpor em que se encontra e votar esta medida, viabilizando, assim, um instrumento altamente dissuasivo contra uma chaga que aflige ainda milhares de trabalhadores? Ou prefere capitular diante das exigências do agronegócio e de sua articulada bancada? Propriedade ou dignidade? Lucro ou vida? Eis o dilema. Vai o econômico mais uma vez se sobrepor aos mais elementares direitos, como é o direito a um trabalho digno e seguro?
Nestes dias, o Ministro do Trabalho, ao lançar o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo, afirmou que o Brasil está perto de vencer esta batalha. Realmente passos importantes já foram dados, mas muito sobra por fazer e a resistência é considerável” declarou a CPT (http://www.cptnacional.org.br/).
Obra disponível na página eletrônica do ministério do Trabalho e da CPT Nacional tenta padronizar descrição objetiva do que seria trabalho escravo, para orientar fiscais e esclarecer sociedade. Combate à prática vai proteger inclusive trabalhadores imigrantes, como os haitianos que têm vindo ao Brasil. Ministro considera, porém, que má conduta está praticamente erradicada. O ministro do Trabalho, Paulo Roberto dos Santos Pinto, disse nesta terça-feira (24), durante o lançamento do Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo, que o Brasil está muito perto de erradicar a prática, embora não haja dados totalmente confiáveis sobre o assunto. “A política do governo federal de extinguir a miséria passa necessariamente pela erradicação do trabalho escravo”, afirmou. De acordo com ele, o manual tem o objetivo de orientar os ficais do ministério, padronizando o combate, para que não haja uma ação subjetiva, mas sim uma política de governo. Inclusive para que existam dúvidas na sociedade sobre o que é e o que não é trabalho escravo. A obra, editada pela pasta e disponibilizada gratuitamente no site do Ministério, enumera as convenções internacionais assinadas pelo Brasil que sustentam o combate à prática e aponta as previsões de enquadramento do crime existente na própria legislação brasileira. Entre as principais características para identificação da prática, o ministro apontou a submissão dos empregados a condições degradantes, como oferta de água contaminada e alojamento impróprio, e a exploração econômica pelos empregadores, que monopolizam a oferta de alimentos e bens de consumo (http://www.cptnacional.org.br/).
*Cristiano Morsolin, operador de redes internacionais para a defesa dos direitos da criança na América Latina. Co-fundador do OBSERVATÓRIO SELVAS, é colaborador internacional do Portal EcoDebate.
EcoDebate, 30/01/2012
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