Biodiversidade: avanços no papel, mas perdas naturais continuam
O brasileiro Braulio Ferreira de Souza Dias, que assumirá a CDB, das Nações Unidas, comemora a convergência de interesses entre os países, porém, alerta para o crescimento dos fatores que reduzem a biodiversidade.
Tirar do papel as intenções de preservação da biodiversidade dentro e fora do Brasil. Esse será um dos principais desafios do atual secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Bráulio Ferreira de Souza Dias, que foi escolhido como secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB) no dia 20 de janeiro. Os cargos de secretários-executivos são os terceiros em nível hierárquico dentro da ONU, atrás apenas do secretariado-geral, ocupado por Ban Ki-moon, e dos subsecretários.
É a primeira vez que um brasileiro assume uma posição de secretário-executivo de uma convenção ambiental – além da convenção sobre diversidade biológica, também há convenções de clima e desertificação. “Isso representa o amadurecimento da questão ambiental no Brasil, de que temos evoluído nessa área. Se pensarmos nos anos 1980, o que saía do Brasil nos jornais eram desmatamento da Amazônia, queimadas e poluição nas grandes cidades. Era uma agenda muito negativa”, relembra.
E essa agenda continua “difícil” de ser revertida, de acordo com o secretário. “Mas acho que o Brasil vem conseguindo. A gente conseguiu reverter a tendência de desmatamento da Amazônia, que tem estado em queda contínua por vários anos. Além disso, o Brasil foi o país que criou mais unidades de conservação na última década e tem tido papel crescente de impacto nas negociações internacionais, influenciando a agenda internacional, não só de biodiversidade, mas também da mudança climática e desertificação. Em todas as convenções o Brasil é muito presente”, destaca.
Dias sublinha também o avanço científico internacional do País. “Vou fazer todo esforço frente ao secretariado para mobilizar melhor a capacidade científica e técnico-científica brasileira e também ajudar no plano internacional”, afirma, acrescentando que em muitos campos da ciência “estamos deixando de ser periferia”, como a pesquisa em agricultura tropical (“nele o Brasil é número um”). “O Brasil é um dos maiores produtores de ciência na área de pesquisa em conservação em biodiversidade, produz 6% de toda literatura científica nessa área, sendo que a média da contribuição científica do Brasil no mundo não passa de 2%”, compara.
Mudança de cultura – Dias comemora os avanços do Brasil e do mundo em políticas públicas ambientais e a tomada de consciência da juventude. Mas ressalta que “é agenda de mudança de cultura, de longo prazo”. E aponta graves fatores que vêm contribuindo para a perda da biodiversidade no País e no mundo.
Entre eles, está o crescimento da população, que em poucas décadas atingirá o número de nove bilhões de pessoas. O crescimento do consumo também é outra ameaça à biodiversidade. “A pressão entre os ecossistemas aumentou com a melhoria da qualidade de vida da população e integração de populações mais pobres na sociedade de consumo. Essa melhoria na qualidade de vida é boa, mas se não tomarmos cuidado, vamos esgotar recursos de pesquisa, água e florestas”, exemplifica. As mudanças climáticas e a globalização do comércio (“aumenta o risco de contaminação com doenças e espécies exóticas invasoras de plantas e animais”) são outros fatores preocupantes.
“Para muitos a questão da biodiversidade não está clara. Muita gente acha bonito ter os bichinhos e, se perdermos algumas espécies, acham que não haverá problema. A maior parte da população no Brasil e no mundo é urbana e já não tem aquele contato diário com a natureza. Não vê clareza da relação entre o seu dia-a-dia e a natureza. É um trabalho de conscientização difícil de mostrar que dependemos da manutenção da biodiversidade”, alerta.
Escolhido por Ban Ki-moon – O futuro secretário-executivo da CDB dedicou toda sua vida profissional à biodiversidade, primeiro como pesquisador, depois na área de ensino, até chegar à gestão pública. Há duas décadas trabalha no MMA. “Tenho um cargo bom aqui [no MMA], com uma agenda cheia e não estava pensando nisso, mas [a CDB] é uma oportunidade única”, conta o secretário, que foi selecionado entre 66 candidatos do mundo inteiro e entrevistado por Ban Ki-moon.
O mandato dura três anos, podendo ser renovado por mais um ou dois, e Dias assume o cargo provavelmente em fevereiro. A agenda “cheia” de temas de biodiversidade é um dos maiores desafios do governo brasileiro e dos países que participaram da última Conferência das Partes da CDB (COP-10), em outubro de 2010. No evento, foi definido um Plano Estratégico com 20 metas para o período de 2011 a 2020 visando a redução da perda de biodiversidade e o célebre Protocolo de Nagoya (Protocolo ABS), que estabelece normas de acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade. Para que o protocolo saia do papel é preciso que os congressos nacionais de no mínimo 50 países ratifiquem o acordo. No momento, mais de 70 países assinaram ofícios de compromisso formal de que vão ratificar (Brasil entre eles), mas menos de meia dúzia já ratificaram.
“São processos demorados, é preciso traduzir, esclarecer, fazer reuniões. Aqui no Brasil a gente espera conseguir avançar nessa agenda junto ao Congresso Nacional de promover a ratificação do protocolo de Nagoya. Nós fizemos um exercício interno dentro do Governo de tentar discutir essa questão [a Medida Provisória 2186-16/01, legislação atual sobre gestão da biodiversidade] e ver o que a gente poderia fazer antes mesmo da ratificação do protocolo, o que se poderia fazer para melhorar situação dos pesquisadores e das empresas”, detalha.
Mudanças no marco legal – As mudanças na atual legislação são uma antiga reivindicação tanto da academia quanto de empresas interessadas em produzir com base na biodiversidade. A atual MP 2186 é considerada burocrática, em parte por medo à biopirataria. “A gente avançou, há uma convergência dentro do Governo em mudar essa MP. Esperamos concluir essa negociação interna neste semestre”, revela Dias, alertando para o conflito de interesses que a legislação gera em setores como o agrícola, a saúde, a ciência, a indústria e as comunidades tradicionais, como as indígenas e os quilombolas.
“A legislação não pode ser excessivamente burocrática a ponto de desestimular pesquisas na biodiversidade brasileira. A gente se envolveu muito na negociação internacional porque não adiantava ter um marco aqui e não ter um no exterior”, explica. Porém, Dias ressalta que as facilidades priorizarão os interesses nacionais. “Os estrangeiros terão que cumprir uma exigência mais burocrática”, sublinha.
Atualmente, empresas ou pesquisadores estrangeiros que queiram ter acesso a recursos genéticos no Brasil precisam se associar a instituições brasileiras. “Isso em parte é decorrente de uma legislação mais antiga de C&T, a legislação de expedições científicas, que era muito bem intencionada, para que não tratassem o Brasil como o quintal deles. É uma forma até de valorizar as instituições nacionais e promover parcerias, estimular nossa autossustentabilidade”, relembra Dias. Com a adoção do Protocolo, os estrangeiros terão menos burocracia, mas a ideia é “compatibilizar a política nacional com regras internacionais”.
“Não poderemos criar impedimentos exagerados para estrangeiros que queiram acessar nossa biodiversidade, mas o que podemos facilitar é o acesso a partir de coleções ex situ. Agora, se quiser ir para o campo, enquanto prevalecer nossa política, vamos continuar exigindo a parceria com instituições nacionais”, conclui.
Reportagem de Clarissa Vasconcellos – Jornal da Ciência/SBPC, JC e-mail 4424, publicada pelo EcoDebate, 27/01/2012
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É assim mesmo. Vão desmatando menos, mas sempre, até que nada mais reste a desmatar. Isso é um grande avanço, não é secretário?
Adendo ao comentário supra:
E a biodiversidade vai junto.