Cientistas devem participar mais ativamente das negociações climáticas
Pesquisadores de diversos países, incluindo do Brasil, publicam artigo na Science convocando a comunidade científica internacional a assumir um papel mais relevante para incluir a agricultura nas rodadas de negociações da Convenção do Clima da ONU
Os modestos avanços na inclusão da agricultura nas rodadas de negociações da Convenção do Clima da ONU estão sinalizando a necessidade de a comunidade científica mundial contribuir efetivamente para o setor agrícola se adaptar às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, diminuir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e aumentar a produtividade para atender à crescente demanda mundial por alimentos.
A avaliação foi feita por um grupo de cientistas de diversos países, com participação brasileira, em um artigo publicado na edição desta sexta-feira (20/01) na revista Science.
Participam do artigo pesquisadores do Reino Unido, Índia, Austrália, México, França, Estados Unidos, China, Etiópia, África do Sul, Quênia, Vietnã e do Brasil, representado pelo secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Carlos Nobre.
Nobre é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
O principal autor do artigo é John Beddington, conselheiro científico chefe do governo do Reino Unido, que esteve no Brasil em maio de 2011.
Na ocasião, Beddington fez uma apresentação em um workshop promovido pelo PFPMCG e participou da assinatura de um acordo de cooperação entre a FAPESP e as universidades de Nottingham e Southampton.
No artigo, os autores convocam os cientistas a assumir um papel mais relevante para apoiar as decisões nas negociações climáticas da ONU em 2012, assegurando que os participantes estejam informados, com dados claros, sobre como as mudanças climáticas põem em risco a segurança alimentar e o que pode ser feito para evitar uma catástrofe.
Na avaliação deles, a 17ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-17), que ocorreu no final de 2011 em Durban, na África do Sul, representou um momento político muito oportuno para a criação de um programa de adaptação e mitigação dos impactos das mudanças climáticas na agricultura sob a direção do Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico (SBSTA, na sigla em inglês) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Durante o encontro, os países participantes se comprometeram a se engajar no estabelecimento de um acordo legal até 2015 que possibilite reduzir as emissões globais dos gases de efeito estufa e começar a discutir como incluir a agricultura nas negociações de clima por meio de ações setoriais.
Entretanto, de acordo com os autores do artigo, as ações acordadas em Durban foram na linha da mitigação, seguida nas negociações da Convenção do Clima, que estão separadas das discussões sobre adaptação.
“Isso obscurece as oportunidades para a agricultura, que pode se beneficiar de ambos (a mitigação e adaptação) e leva à conclusão de que o foco na adaptação agrícola, que é uma prioridade para os países em desenvolvimento, será reduzido”, avaliaram.
Com base nos obstáculos e oportunidades surgidas em Durban e nas recomendações lançadas em novembro pela Comissão para Agricultura Sustentável e Mudanças Climáticas – criada por cientistas de seis continentes em março de 2011 para desenvolver recomendações políticas e adaptar o setor agrícola para as pressões ambientais –, os autores sugerem no artigo áreas em que a comunidade científica poderia contribuir para avançar as negociações climáticas da ONU.
Entre as áreas estão “silvicultura e agricultura”, “novos sistemas de informação”, “financiamento climático” e “ações nacionais”.
“São necessárias mais pesquisas integradas, com foco sobre práticas agrícolas sustentáveis apropriadas para diferentes regiões, sistemas de cultivo e paisagens, particularmente nos sistemas sociecológicos mais vulneráveis”, destacam.
De acordo com os autores, o objetivo é conseguir um espaço seguro de operação, onde os agricultores possam produzir alimentos suficientes para atender às necessidades globais, adaptando-se às mudanças climáticas e minimizando o impacto ambiental da produção agrícola.
O artigo também aponta que os cientistas podem ajudar com a identificação de oportunidades robustas de pesquisa de adaptação e mitigação agrícola com recursos do Fundo de Adaptação às Mudanças Climáticas, do Protocolo de Kyoto, do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e do Fundo Verde para o Clima, que investirá U$$ 100 bilhões por ano para mitigação e adaptação às mudanças climáticas em países em desenvolvimento.
Os autores destacam no artigo algumas práticas agrícolas alternativas, desenvolvidas em diferentes regiões do mundo, que se mostram promissoras para reduzir as emissões de gases de efeito estufa ao mesmo tempo em que aumentam a produtividade.
Eles também esboçam diversas sugestões para a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e chamam os cientistas para começar a se envolver com a COP-18, que será realizada no final deste ano no Qatar.
“Por meio da expansão do conhecimento de práticas agrícolas que podem proporcionar diversos benefícios e da ligação entre agricultura e silvicultura, os cientistas podem dar grandes contribuições para essas iniciativas”, concluíram.
Contribuição brasileira
Na avaliação de Carlos Nobre, diferentemente de outros países, a comunidade científica brasileira tem tido, historicamente, um papel fundamental nas negociações climáticas internacionais.
“A audaciosa e inovadora posição brasileira apresentada na COP-15 em Copenhagen, em 2009, de voluntariamente estabelecer metas até 2020, resultando em reduções de emissões do país em relação a 2005, foi formulada com apoio e participação direta de cientistas brasileiros que integram a Rede Clima, do MCT, do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais e de diversas instituições científicas”, disse à Agência FAPESP,
Segundo ele, as pesquisas realizadas no país estão buscando entender o potencial impacto das mudanças climáticas na agricultura brasileira e buscar soluções de adaptação. Entretanto, o setor agropecuário é conservador em relação à introdução de inovações e novos paradigmas, como o da agricultura sustentável.
“Hoje, diversas políticas públicas sinalizam nessa direção da agricultura sustentável e, eventualmente, o setor irá acelerar a introdução de práticas sustentáveis, incluindo a intensificação sustentável da produção. Isto é, o aumento da produtividade com redução de emissões e maior capacidade de adaptação às mudanças climáticas com menor impacto ambiental, especialmente sobre a biodiversidade”, afirmou.
Entre algumas das políticas públicas existentes no país para incentivar o setor agropecuário a reduzir as emissões de GEE, Nobre cita o programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC), lançado pelo Ministério da Agricultura há mais de um ano.
O programa, que integra as iniciativas setoriais para que o país atinja as metas voluntárias de redução das emissões de GEE, disponibilizará R$ 2 bilhões para introdução de práticas sustentáveis e que reduzam as emissões de GEE pelo setor, como a integração da lavoura com a pecuária, plantio direto, recuperação de pastagens degradadas e fixação biológica de nitrogênio. Porém, até agora poucos agricultores utilizaram o recurso.
“Nota-se que o setor agrícola ainda demonstra alguma relutância em tomar esses créditos e mudar de paradigma de produção em alta escala. Porém, é certo que a melhor trajetória para agricultura brasileira é a da agricultura sustentável e, mais cedo ou mais tarde, o setor adotará essa postura”, previu Nobre.
O artigo What next for agriculture after Durban?, de Carlos Nobre e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.
Matéria de Elton Alisson, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 24/01/2012
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Eles ficam malhando em ferro frio. O que poderia produzir algum resultado está relacionado com a população humana planetária, mas nisso nem se fala.
E se conseguirem reduzir um pouquinho os problemas atuais – o que duvido muito – fica a pergunta: como será adiante? O crescimento populacional não para. E quando vier a parar, será como conseqüencia de problemas ambientais. Então, será tarde demais.