Mais Cultura, Mais Expressão, artigo de Bruno Peron Loureiro
[EcoDebate] O governo federal do Brasil partiu de indicadores de desigualdades e exclusão (de como os brasileiros leem pouco ou raramente vão a museus, por exemplo) para elaborar a política do Mais Cultura. O Programa teve início em 4 de outubro de 2007 e reconhece a cultura como necessidade básica pelos mesmos princípios como nos alimentamos e nos vestimos.
A cultura, através do Programa mencionado, insere-se no rol de políticas sociais com a finalidade de reduzir as desigualdades e a pobreza. Gestores da cultura apropriam-se desta estratégia em políticas públicas na medida em que se ancora em âmbitos que recebem orçamentos maiores do governo, como educação e saúde. O orçamento do Mais Cultura foi de R$ 2,2 bilhões entre 2007 e 2010.
Notemos a diferença que existe entre uma demanda que se propõe a promover uma expressão cultural pouco conhecida da periferia, que poderia ser uma oficina de armação de pipas e técnicas de empiná-las, para atender aos caprichos de um grupo ou, diferentemente, se o pedido de financiamento governamental vier da mesma prática, mas com o argumento de que reduzirá o número de pedintes nos semáforos ou na entrada dos restaurantes. Qual das duas terá maior capacidade persuasiva?
Este argumento reflete a abrangência e o atrativo de uma política cultural que depende dos usos que se podem atribuir a ela e que transcendam a mera expressão simbólica que residiria, por assim dizer, na beleza de ver uma pipa volitar no céu azul ou no sorriso de uma criança que ganhou os materiais (bambu, papel, linha, cola) para fazê-la.
O Programa Mais Cultura prevê a articulação de três dimensões: Cultura e cidadania; Cultura e cidades; Cultura e renda. O desenvolvimento econômico, destarte, não será o único aspecto contemplado. Ainda, busca-se a participação da sociedade civil para que manifeste suas carências e demandas em relação a aparatos e meios que viabilizem a expressão de suas culturas.
O Mais Cultura prevê acordos com instâncias municipais e estaduais de governo, organizações internacionais e de sociedade civil. A parceria com bancos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional do Nordeste, Banco da Amazônia, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Banco Interamericano de Desenvolvimento) se faz devido ao caráter público das instituições.
O conceito de “cidadania” vincula-se aos processos que ocorrem nas cidades e os direitos cívicos que nos garantem necessidades básicas, entre elas o de acesso a culturas e sua preservação ao longo das gerações. A noção de desenvolvimento que emana de instituições progressistas é a que foge da univalência do crescimento econômico e adota posições a favor da realização das potencialidades humanas. Desenvolvimento não seria sinônimo, deste modo, de aumento do Produto Interno Bruto, mudança da taxa de juros, alteração do padrão de empréstimos, ou concessão de créditos.
Não se alcançou, até o momento, o estágio desejado e muito menos o ideal normativo, uma vez que as notícias sobre o Ministério da Fazenda continuam encabeçando o que se define como importante dentro da categoria “Brasil” ou “Nacional” nos meios de comunicação, enquanto a crise financeira recheia os tópicos de “Internacional” ou “Mundo”, como se tudo estivesse em escombros.
Algumas ações do Mais Cultura envolvem a criação e promoção de bibliotecas e espaços de leitura, cinema, museu indígena, brincadeira e jogos, e microprojetos na Amazônia. Ressalta-se a tendência descentralizadora da produção cultural subjacente neste Programa, que recorda o muito que se produz em todo o Brasil a despeito da representatividade baixa nos meios de comunicação. Seria pouco ainda se tivéssemos um canal de televisão para expressar as particularidades de cada bairro.
É triste lembrar que vultos de dinheiro público transferem-se a projetos culturais com a intervenção de lóbis infatigáveis através de leis de renúncia fiscal, como as que transformam a corporação transnacional Globo no mecenas do cinema brasileiro, aquele que logra a exibição, depois de tanto suor, nas grandes salas de cinema ao lado dos filmes hollywoodianos. A crítica não desmerece que ela tenha produção de qualidade excelente, não obstante.
O Mais Cultura joga com uma estratégia descentralizadora da produção cultural, traz à cena grupos marginalizados e balança o eixo de poder que determina o que é considerado cultura e o que não é, o que pode-se expressar e o que não pode.
Ainda é cedo para afirmar se houve mudanças estruturais no desenho e na eficácia das políticas culturais no Brasil, mas vale reconhecer que as políticas de Estado (e outros agentes envolvidos) redefinem a importância da cultura e elevam-na em sua pauta de ações.
Colaboração de Bruno Peron Loureiro, mestre em Estudos Latino-americanos, para o EcoDebate, 17/01/2012
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