Tragédias decorrentes de desastres naturais reaquecem discussão sobre novo Código Florestal
Para ambientalistas, desmatamentos têm relação com os desastres naturais no Sudeste. Ruralistas rechaçam esse argumento. Votação final da lei será em março
As tragédias causadas pelas chuvas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro devem influenciar a discussão do novo Código Florestal na Câmara Federal, prevista para ser retomada em março. Os ambientalistas consideram que os desastres naturais são resultado do desrespeito à atual legislação ambiental, enquanto os ruralistas dizem que outros fatores contribuem para os alagamentos e deslizamentos de terras. Reportagem do Gazeta do Povo, PR.
Estudo indica que desmate amplia efeitos das chuvas
Embora os ruralistas discordem, estudo realizado pelo Ministério do Meio Ambiente, no ano passado, baseado em imagens aéreas dos locais afetados pela chuva na região serrana do Rio de Janeiro, mostra que a ocupação de áreas de preservação permanentes (as APPs, como as margens de rios) e o desmatamento de morros são responsáveis por mortes e pelo prejuízo econômico trazido pela chuva.
“Se a faixa de 30 metros em cada margem (…) estivesse livre para a passagem da água, bem como, se as áreas com elevada inclinação (…) estivessem livres da ocupação e intervenções inadequadas, (…), os efeitos da chuva teriam sido significativamente menores”, diz o documento do ministério.
Professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da UFPR, o engenheiro civil Cristóvão Fernandes afirma que as catástrofes naturais deveriam mobilizar mais a discussão na sociedade, pois colocam em jogo o futuro do país. Apesar de não culpar exclusivamente a falta de preservação ao meio ambiente, Fernandes afirma que esses eventos climáticos considerados extremos têm sido cada dia mais frequentes. “Isso deixa clara a falta de planejamento para uma política adequada de uso e ocupação do solo, que respeite o meio ambiente e a necessidade de uso dos recursos”, diz.
No ano passado, o novo Código Florestal foi aprovado na Câmara e sofreu alterações no Senado (veja infográfico ao lado). Por isso, voltou para nova votação pelos deputados. O atual relator do projeto, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), pode acatar ou vetar as sugestões ao texto original feitas pelos senadores, mas não pode fazer nova redação.
Eventos cíclicos
Membro da bancada ruralista, o deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS) sustenta que os desastres naturais são cíclicos – não sofrem influência direta do uso do solo para a agricultura e pecuária. “Tenho 61 anos e, desde criança, vejo isso acontecer. Há outros fatores que afetam essa situação”, afirma ele, sem citar exemplos.
Por outro lado, André Vargas (PT-PR), integrante da ala ambientalista, reconhece que a má ocupação do solo e o desmatamento colaboram para as catástrofes, pois as matas ajudam a reter água da chuva e evitam as cheias dos rios. Apesar de sua posição, considera que a influência dos desastres no Sudeste será menor em razão do tempo para o debate.
A opinião dos deputados segue o posicionamento das entidades da sociedade civil. O assessor da presidência da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) Carlos Augusto Albuquerque considera “desonesto” usar as tragédias para discutir o novo Código. “Essas tragédias são urbanas. Nada aconteceu no meio rural”, afirma.
Porém, Mario Mantovani, diretor da ONG ambientalista SOS Mata Atlântica, alega que não se trata de fazer previsões apocalípticas, mas de observar o que acontece no país. “Estamos vivendo outros eventos climáticos extremos cada vez mais potencializados, como a seca no Paraná”, avalia.
Meio-termo
O texto do Senado parece pelo menos ter agradado aos grupos envolvidos. No entanto, a anistia a quem avançou sobre as áreas de preservação permanente (APPs) continua a gerar discórdia. “As grandes propriedades [rurais] precisam ser vistas como empresas e fazer a reconstituição da mata, mas deve se pensar na AGRICULTURA FAMILIAR”, afirma Vargas.
O deputado Heinze, por outro lado, argumenta que, como a lei mudará, a nova regra só passaria a ser válida posteriormente – o que isentaria os agricultores que já desmataram de fazer a recomposição. “Trata-se de um direito adquirido. Pretendemos corrigir isso [retirar da lei o trecho que obriga o reflorestamento].”
Apesar do desacordo, os ambientalistas consideram o projeto do Senado mais benéfico do que o aprovado inicialmente pela Câmara, sobretudo por reconhecer a restauração dos 30 metros nas APPs. Contudo, como Piau é também autor da emenda 164, que permitiria aos estados determinar o que pode ser plantado em APPs, há o temor de que as alterações sugeridas pelo Senado sejam rejeitadas. “O texto já não é o mais adequado. Com esse relator, isso será colocado em risco. É como ter a raposa cuidando do galinheiro”, diz Mantovani.
Vargas, por outro lado, não vê Piau como empecilho. “O texto atual [do Senado] tem tendência grande de ser mantido. A posição do governo é manter o que o Senado decidiu”, diz. Do lado dos agricultores, ainda existem assuntos a ser discutidos. “Há resistência a alguns pontos, estamos aguardando as conversas do relator com todos os envolvidos”, revela Heinze.
EcoDebate, 11/01/2012
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