‘Petróleo’ Azul, artigo de Marcia Silva Stanton
[EcoDebate] A cidade de Porto Alegre recentemente anunciou a conclusão da maior obra de saneamento básico de sua história, prevista para o segundo semestre de 2012 – o Projeto Integrado Socioambiental (PISA). Através das obras do PISA, a cidade pretende aumentar a atual capacidade de tratamento de esgotos, de 27% para 77% em 2012. Não faltam motivos para comemorar, eis que água em quantidade e qualidade é essencial para a manutenção da vida e elemento chave no desenvolvimento sustentável.
No ano de 2000, a Organização das Nações Unidas acordou que um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio seria o do desenvolvimento sustentável, tendo por metas a redução pela metade do número de pessoas no mundo sem acesso à água potável e saneamento básico. De fato, acesso à água potável e saneamento básico são metas indissociáveis já que a ausência de coleta ou tratamento de esgoto resulta em contaminação dos recursos hídricos, o que implica na redução da quantidade potável disponível.
Segundo dados da Agência Nacional de Águas – ANA, a maioria dos rios, lagoas e reservatórios com água em condições de qualidade ruim ou péssima, está próxima a regiões metropolitanas, devido principalmente ao lançamento de esgotos domésticos. No Brasil, enquanto 79% dos domicílios urbanos são atendidos por rede coletora ou fossa séptica, apenas 53% do esgoto coletado é tratado, segundo dados de 2008 lançados no sítio no Ministério das Cidades.
Além do problema da contaminação, a disponibilidade de água também é diretamente afetada por um aumento da demanda, superior à capacidade de seus reservatórios, e por eventos extremos associados às mudanças climáticas. O aumento da densidade populacional e o aumento da produção agrícola colocam municipalidades e agricultores em lados opostos na batalha pela captação dos recursos hídricos.
Eventos climáticos extremos tais como maior incidência de furacões e tornados, chuvas ou secas prolongadas, acompanhados de ondas de calor, somente agravam a situação e aumentam a vulnerabilidade dos centros urbanos. Para lidar com este problema, são necessárias tanto medidas que garantam o abastecimento de água em quantidade e qualidade, como também medidas que previnam situações de risco, através de políticas de adaptação. Em todas as partes do mundo, urbanização é sinônimo de superfícies impermeáveis pela existência de prédios, telhados e pavimentos, fazendo com que áreas urbanas apresentem uma maior vazão de inundações.
Como descrito pelo economista Edward Glaeser em seu livro “Triumph of the City: How Our Greatest Invention Makes Us Richer, Smarter, Greener, Healthier and Happier” (Penguin Press), o mundo não é plano, mas pavimentado (numa alusão à obra de Thomas Friedman). Para melhorar a drenagem urbana, as medidas tradicionalmente adotadas têm sido a execução de obras estruturais que buscam dar rápido escoamento à vazão de águas. O aumento da vazão, contudo, sobrecarrega o sistema e transfere o problema para a área jusante, resultando em alagamentos, inundações ou mesmo deslizamentos. Em complemento a tais medidas estruturais, podem ser adotadas medidas que buscam aumentar a infiltração na própria área de precipitação. Exemplos destas medidas são o plantio de vegetação com alto poder de retenção e infiltração das águas pluviais no solo, limitação à utilização de áreas impermeáveis em novas construções ou reformas, através de vedação expressa ou cobrança pela área impermeável, restrições ao corte de vegetação, preservação e recuperação de matas ciliares, bem como, planejamento do uso do solo.
Em tempos de escassez de água e num cenário de riscos e incertezas, políticas que promovam o uso mais racional dos recursos são urgentes e imperativas. Se boa parte das medidas não requer a elaboração de novos instrumentos legais, bastando o simples e efetivo cumprimento da legislação em vigor, boa parte ainda carece dos arranjos institucionais necessários. A catástrofe ocorrida no começo do ano na região serrana do Rio de Janeiro poderia ter sido bastante minimizada não fosse pela ocupação ilegal de Áreas de Preservação Permanente (APPs). A edição do Plano Nacional de Saneamento Básico em 2007 representou o marco regulatório do setor que, em conjunto com a Política Nacional de Recursos Hídricos e de Resíduos Sólidos, disciplinam praticamente todos os aspectos integrantes da questão do saneamento básico. A efetividade deste arsenal, contudo, depende da costura dos arranjos institucionais necessários, da aplicação sistemática, da gestão integrada, e da atuação articulada de todos os atores.
Por fim, a adoção de práticas que buscam aumentar a infiltração de água no solo, conter a erosão e promover a filtragem natural da água, podem ser estimuladas através do emprego de instrumentos de incentivo, como é o caso da nova política de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) em bacias hidrográficas. Tal política, embora já praticada em diversos países, é novidade no Brasil e a Assembleia Legislativa do Estado recentemente instalou uma comissão especial para discutir e formular propostas a um projeto de lei estadual prevendo a utilização deste instrumento.
Ainda que, mundialmente, as reservas de água doce sejam suficientes para abastecer a totalidade da população, as mesmas são distribuídas de forma desigual ao redor do planeta, o que coloca a água como pivô de inúmeras disputas e até mesmo guerras. Se a água é o novo petróleo, como afirmam alguns, nossa riqueza não está no pré-sal, mas saindo por nossas torneiras e o Brasil, como detentor da maior reserva de água doce do planeta, possui enorme responsabilidade por sua adequada gestão e uso.
Marcia Silva Stanton é Advogada, LLM em Direito Ambiental pela Pace University School of Law.
EcoDebate, 10/01/2012
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