O Sol do Brasil presta sim para gerar eletricidade, artigo de Heitor Scalambrini Costa
[EcoDebate] Ao ler o artigo do sociólogo e consultor Ivo Poletto, intitulado “O sol do Brasil não presta para gerar energia elétrica?”, no Ecodebate de 9 de setembro passado, senti-me na obrigação de responder à sua indagação, visto que tenho consagrado minha vida acadêmica na área de fontes renováveis de energia, em particular da energia solar.
Desde o começo de meus estudos superiores, na época de minha graduação no Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp/SP, lá pelos idos da década de 70 do século passado, influenciado pelo visionário professor João Alberto Mayer, coordenador do Grupo de Energia, fui atraído por esta área do conhecimento.
Quero lhe afirmar meu prezado Ivo, depois de tantos anos e sem nenhuma dúvida, que o Brasil apresenta características gerais e peculiaridades regionais que já tornam competitivas diversas aplicações da tecnologia solar. Quando digo competitivas não quero somente dizer sobre o aspecto econômico, mas sim na questão ambiental e social, que juntas envolvem o processo de decisão sobre a escolha de fontes de energia que vamos utilizar. São hoje competitivas não só o aquecimento de água para uso doméstico e industrial, mas também para a obtenção de energia elétrica, tanto através da conversão direta da energia solar (eletricidade solar), usando as células fotovoltaicas no processo denominado conversão fotovoltaica; como também transformando a energia do Sol em calor, e assim num ciclo termodinâmico produzir eletricidade (chamado conversão heliotérmica), ou seja, a termoelétrica a Sol.
A quantidade de energia solar incidente diariamente no Brasil, em particular no Nordeste brasileiro é uma das maiores do mundo, entre 5 a 6 kWh/m2, com uma insolação de mais de 3.000 horas de brilho do Sol. Um potencial invejado por países europeus que mesmo não recebendo esta insolação, utilizam muito mais esta tecnologia que o nosso país.
Este enorme potencial não presta somente para o uso direto da energia solar como descrito, visto que, com exceção dos minerais radioativos e da energia elétrica que pode ser extraída dos movimentos das marés (causadas pelas forças gravitacionais do sistema Terra-Lua), todas as fontes energéticas disponíveis, renováveis e não renováveis, dependem da fusão nuclear que ocorre no interior do Sol, com a liberação de enorme quantidade de energia que chega até nós na forma de radiação eletromagnética, e que garante juntamente com outros fatores, vida no nosso planeta.
O Sol está aí para ninguém “botar defeito”, e porque não utilizá-lo já que constitui uma fonte energética abundante, gratuita e menos agressiva ao meio ambiente?
Os preços atuais apontam que houve uma redução drástica nos últimos anos. A geração fotovoltaica já é prometida a menos de R$ 300,00/MWh, e a eletricidade das termelétricas solares a preços inferiores a R$ 180,00/MWh. É bom que se diga que estes preços foram alcançados com pouca (quase nenhuma) participação do Estado brasileiro, cujos governos têm feito mais propaganda do que apoiado efetivamente através de políticas públicas.
Enfim, a resposta para que estas tecnologias não participem com mais peso na matriz energética brasileira (energia eólica menos que 1% e energia solar direta menos que 0,05%) é que não existe interesse político em apoiar, com leis e alocação de recursos, para alavancar a disseminação das fontes energéticas como a solar e a eólica.
Um bom exemplo da falta de interesse está no projeto de Emenda Constitucional, a PEC 630/2003, chamadas “lei das renováveis”, que dorme em sono profundo “nas gavetas” do Congresso Nacional. Os gestores e “especialistas” que se instalaram no Ministério de Minas e Energia há décadas, cooptaram setores da academia, e usam o mantra “do alto custo”, “da inviabilidade técnica”, do fato de não produzirem “energia firme” para desclassificar estas fontes energéticas. Agem como se fossemos idiotas, e não soubéssemos que as escolhas feitas para ofertar energia elétrica, através das usinas nucleares, termoelétricas a combustíveis fósseis e as mega-hidrelétricas na região Amazônica foram escolhas nada republicanas, e sim motivadas essencialmente pelos “negócios”.
O que não presta no Brasil, meu caro Ivo, são pessoas, personagens de nossa história, alguns, imbuídos do voto popular que (des)governam este país há anos. Em particular na área energética onde persiste uma dinastia que manda e desmanda, usufruindo e beneficiando poucos, devido principalmente a completa ausência de instâncias democráticas, onde mais representantes da sociedade brasileira possam discutir e participar diretamente das tomadas de decisão nesta área tão estratégica e envolvida com o desenvolvimento nacional.
Hoje as políticas públicas na área energética são decididas pelo Conselho Nacional de Política Energética (criado pela lei 9.478 de 06/08/1997), órgão de assessoramento direto da Presidência da República, composto por 10 membros: sete ministros, um representante dos Estados e do distrito Federal, um cidadão brasileiro especialista em energia, indicado pelo Ministério das Minas e Energia e designado pela presidenta da Republica, e um representante das universidades brasileiras. Como se pode observar é uma instanciam decisiva e influente nas suas atribuições, mas nada democrática na sua composição. Portanto a conclusão que chego é que o setor energético necessita urgentemente de mais democracia e de uma limpeza ética, para ontem.
Energia elétrica produzida por painéis fotovoltaicos instalados nas residências (sistema descentralizado).
1. Gerador fotovoltaico (vários módulos fotovoltaicos dispostos em série e em paralelo, com estruturas de suporte e de montagem),
2. Caixa de junção (equipada com dispositivos de proteção e interruptor de corte principal DC),
3. Cabos AC-DC,
4. Inversor,
5. Mecanismo de proteção e instrumentação.
Heitor Scalambrini Costa, colaborador do EcoDebate, é Professor da Universidade Federal de Pernambuco
EcoDebate, 10/01/2012
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