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Nogueira Neto, decano dos ecólogos, teme pelo futuro da Serra do Mar

 

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Rodrigo do Carmo

nogueira_ativo_290x255_1112.jpgBastaram vinte minutos de conversa para Paulo Nogueira Neto demonstrar lucidez e modéstia. Um andar calmo, porém dificultado pelos 89 anos de idade, deixa ainda evidente o perfil de um ambientalista de discurso bastante moderado. Não é por menos: em plena ditadura militar – governo que incentivou fortemente a agricultura e indústria – ele conseguiu criar as bases para o que se pode chamar de uma política nacional de defesa do meio ambiente.

Em 1973 – então naturalista e barachel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) – Nogueira Neto foi convidado pelo governo militar de Ernesto Geisel para criar e dirigir, em Brasília, a Secretaria Especial do Meio Ambiente, hoje embrião do Ministério de Meio Ambiente. Por lá ficou 12 anos. “Os ministros hoje me consideram ministro honoris causa porque nas fotografias na parede do ministério a minha aparece em primeiro. Mas na realidade eu nunca fui ministro”, supõe.

Em uma época em que pessoas preocupadas com o meio ambiente “enchiam uma Kombi”, como brinca, ele conseguiu criar quase 5 milhões de hectares de reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental. Também ajudou a formar o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e foi responsável pela elaboração das primeiras legislações ambientais do país: as Leis 6.902 e 6.938, de 1981.  “Nós conseguimos elaborar a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que está em vigor até hoje. Fizemos com que ela fosse unanimemente aprovada pelo governo e oposição. Inclusive, tem até um detalhe curioso: a minha mulher era uma das maiores amigas da esposa do Ulysses Guimarães, que era um dos líderes da oposição. Por isso eu frequentava a casa do líder da oposição, mesmo sendo do governo. E essa lei foi feita com a colaboração de governo e oposição – coisa rara naquele período”, orgulha-se.

Nogueira Neto esteve na Unicamp na tarde de segunda-feira (19), a convite do Programa de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto de Biologia (IB). Ele participou da banca examinadora do doutorando Carlos Barros de Araújo, que pesquisou os psitacídeos do cerrado. “Os psitacídeos são os papagaios, araras e periquitos. A livre-docência do doutor Paulo Nogueira foi sobre psitacídeos. Historicamente no Brasil há muito pouca gente trabalhando com esses bichos”, justificou Carlos de Araújo, que já foi aluno do ornitólogo Jacques Vielliard, falecido no final de 2009. O trabalho foi orientado e co-orientado, respectivamente, pelos professores Luiz Octavio Marcondes Machado e Gabriel Correia Costa. Também participaram da banca, os docentes Wesley Rodrigues Silva, José Augusto Mannis e Carlos da Cruz Bianchi.

Na entrevista, concedida minutos antes da defesa da tese, Nogueira Neto falou sobre os desafios do período em que esteve à frente do principal órgão ambiental do país. Também tratou de questões atuais, como as propostas de mudanças no Código Florestal, a instalação da Usina de Belo Monte e a Conferência do Clima em Durban, na África do Sul. Defendeu uma compensação ambiental para o carbono gerado pela exploração do pré-sal. E ainda alertou para o fato de que a Serra do Mar poderá se tornar “uma grande ocupação porque o pré-sal está em frente”. A população que vai trabalhar na extração do pré-sal poderá morar junto à Serra do Mar numa espécie de invasão a um dos maiores patrimônios do país. “Ou nos organizamos ou então as pessoas vão invadir a Serra do Mar”, prevê.

Ainda ativo, toda semana ele vai a Brasília cuidar dos assuntos ambientais, garante. Membro do Conama, presidente emérito da W.W.F Brasil, Nogueira Neto continua fazendo palestras e escrevendo artigos sobre meio ambiente e a criação de abelhas indígenas sem ferrão, uma paixão que mantém por toda a vida.

Portal Unicamp – A sua trajetória é marcada desde a década de 50 pela defesa das questões ambientais. Como avalia, de lá pra cá, esse movimento em defesa do meio ambiente?
Paulo Nogueira Neto – A avaliação pode ser marcada pelo seguinte fato: quando me convidaram para ser secretário de meio ambiente, para cuidar do meio ambiente do Brasil todo, eles me deram três salas e cinco funcionários. Isso foi em 1973. As pessoas preocupadas com o meio ambiente cabiam em uma Kombi. Era um pequeno grupo no Rio de Janeiro… No Nordeste as pessoas cabiam em meia Kombi (risos), no Sul tinha mais gente, já eram necessárias, talvez, duas kombis… Enfim era nada.

A minha entrada para a política de meio ambiente aconteceu de maneira muito curiosa: pediram para eu fazer uma crítica ao decreto que tinha saído criando a Sema – Secretaria Especial de Meio Ambiente. E eu lasquei o decreto, critiquei muito, disse que era muito fraco… Quando eu acabei de criticar o decreto me perguntaram se eu concordaria em ser o secretário. Aí eu disse pra eles (risos): se minha mulher concordar, eu aceito. Porque minha mulher tinha uma vida familiar muito intensa. Para mudar para Brasília seria um sacrifício muito grande pra ela. Mas ela concordou e nós fomos para lá.  E eu fiquei em Brasília pelo curto prazo de 14 anos, 12 anos e meio na área federal e um ano e meio criando a organização ambiental do Distrito Federal, a Sematec – Secretaria do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia. Então, eu vi nascer esse movimento todo, que hoje é o Ministério. Inclusive, os ministros hoje me consideram ministro honoris causa porque nas fotografias na parede do ministério a minha aparece em primeiro. Mas na realidade eu nunca fui ministro.

Agora, a avaliação atual que podemos fazer é utilizando o exemplo da última eleição para presidente, pelo voto do povo. A Marina Silva, em uma semana de campanha ambiental intensa, praticamente dobrou os votos e teve cerca de 19 milhões de votos. Isso mostra que o meio ambiente mexe com todo mundo, que a população está de acordo e que tem uma repercussão muito ampla. A própria Dilma sempre deu importância ao tema, eu mesmo já conversei algumas vezes com ela.

No momento, o meio ambiente está servindo para criar uma nova ideologia: ideologia política, no sentido de governo, de governança. Não é no sentido de partido político. Por uma boa qualidade de vida, as pessoas não podem dispensar os brados ambientais, juntamente com educação de um lado e saúde do outro. São coisas básicas para o bem-estar da população. Eu até digo: essa nova ideologia foi criada há dois mil anos, quando Cristo instituiu o mandamento do amor a Deus e do amor ao próximo.

nogueira_montagem_290x1092_.jpgPortal Unicamp – O senhor acha que a situação mundial é crítica em relação às questões ambientais, principalmente com o aquecimento global?
Paulo Nogueira Neto – Ou o mundo toma medidas fortes para combater o aquecimento climático ou nós vamos ter um aumento da temperatura média superior a dois graus. E isso vai ser um desastre completo. No Brasil, o aquecimento climático já é um grande desastre que passa despercebido por muita gente. Por exemplo: no estado do Rio de Janeiro, no ano passado, na época de chuva, morreram duas mil pessoas. Duas mil pessoas é o número de mortos que teve a revolução constitucionalista de 1932, em São Paulo. Não é pouca coisa. Temos que tomar medidas sérias para dar condições de habitação e também para melhorar o nível de vida de toda a população.

Portal Unicamp – O senhor concorda que os recentes vazamentos de petróleo na costa brasileira evidenciam a questão da fiscalização como um dos grandes problemas ao meio ambiente do Brasil?
Paulo Nogueira Neto – Eu concordo que os desastres no Caribe e esse mais recente aqui no país mostram que cuidados especiais precisam ser tomados. Quem vai buscar petróleo a sete ou oito quilômetros de profundidade tem que tomar todos os cuidados porque os perigos e riscos são muitos.

E aqui no Estado de São Paulo eu digo mais: numa certa ocasião eu tive a oportunidade de dizer isso para o governador, quando ele me concedeu um prêmio de meio ambiente no mês passado. Eu disse: ‘olhe, nós aqui temos que evitar que a Serra do Mar se torne uma grande ocupação porque o pré-sal está em frente. E a população que vai trabalhar na extração do pré-sal poderá morar junto a Serra do Mar’. Ou nós organizamos ou então as pessoas vão invadir a Serra do Mar… Numa noite o sujeito faz um rancho… Aqui já houve isso na Via Anchieta. Temos que imediatamente tomarmos medidas para que a exploração do pré-sal seja feita com todo cuidado.

É preciso levar em conta o carbono que o pré-sal vai trazer para a superfície. Isso precisa ser combatido e só se faz somente de um jeito: protegendo as florestas existentes e plantando mais florestas. O dinheiro do pré-sal deve ser usado para compensar a emissão deste carbono.

Portal Unicamp – O senhor tocou na questão da ocupação, um dos pontos discutidos pelo Código Florestal. Qual sua opinião sobre as propostas de mudanças?
Paulo Nogueira Neto – As propostas de mudança do Código desagradaram a todos os ambientalistas, embora achássemos que ele poderia ser modificado para melhor. Mas o Senado melhorou, saiu do Senado bem melhor do que entrou. Vamos ver se a Câmara vai aprovar ou não. Agora, os ambientalistas de um modo geral não estão satisfeitos porque muita coisa poderia ser melhorada. E os ruralistas também não estão satisfeitos porque eles gostariam de aumentar ainda mais suas plantações. Eu também acho que podem aumentar a plantação, desde que isso seja feito respeitando o meio ambiente, dentro do que seja admissível. Temos esperança de que a nova legislação vai contribuir de certo modo para que o meio ambiente seja respeitado, principalmente face ao aquecimento climático.

Portal Unicamp – Outra polêmica é a implantação da Usina de Belo Monte. Como avalia o debate sobre este tema no país?

Paulo Nogueira Neto – A Usina de Belo Monte recebeu tantos estudos contrários que por medida de prudência deveríamos substituir Belo Monte por outras formas de energia. A minha esperança pelas experiências que vem sendo feitas em vários países – inclusive a USP tem um núcleo trabalhando nisso – é a fusão nuclear, que é a energia que provém do sol. A fusão é muito pouco poluente e produziria eletricidade em grande quantidade a partir do teste com dois isótopos de hidrogênio. Teríamos que ter uma discussão sobre isso a longo prazo, para os próximos 20 anos.

Portal Unicamp – O senhor acompanhou as discussões sobre a Conferência do Clima em Durban?
Paulo Nogueira Neto – Estou acompanhado de longe… Na reunião anterior, há muitos anos, eu estive lá. Esta última conferência teve um resultado muito bom: China e EUA concordam que não basta o falatório, que é preciso agir. Só isso já valeu a reunião, embora não tenha sido o ideal, porque não houve assinatura do projeto detalhado. Mas já foi dito que estes países estarão de acordo em colaborar para as medidas necessárias para evitar que mais carbono seja jogado na atmosfera.

Portal Unicamp – Como acadêmico e cientista, gostaria que analisasse o papel das universidades e a da própria ciência para as questões relacionadas à preservação ambiental?
Paulo Nogueira Neto – É fundamental e básico. Tudo que se possa fazer e que tenha um grande impacto na humanidade tem que ser feito de uma maneira cientificamente aceitável. E a base é a universidade. O papel da universidade sempre foi e sempre será absolutamente essencial. E inclusive a minha vida foi toda essa: junto com a universidade, dentro da universidade e com apoio da universidade é que eu pude fazer alguma coisa em favor do meio ambiente pelo país. E continuo fazendo porque ainda sou membro do Conselho Federal de Meio Ambiente. Toda semana eu passo em Brasília para cuidar dos assuntos ambientais.

Portal Unicamp – O senhor é autor, entre outros, de o Diário de Paulo Nogueira-Neto – Uma trajetória ambientalista. Neste seu diário, a sua trajetória profissional é relatada em detalhes. Que fato de sua vida profissional em defesa do meio ambiente lhe marcou e que é relatada em seu livro?

São muitas estórias. Mas tem uma que foi decisiva para o meio ambiente e que é pouco conhecida. Nós conseguimos elaborar a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que está em vigor até hoje. Conseguimos fazer com que ela fosse unanimemente aprovada pelo governo e pela oposição. Inclusive, tem até um detalhe curioso: a minha mulher era uma das maiores amigas da esposa do Ulysses Guimarães, que era um dos líderes da oposição. Por isso eu frequentava a casa do líder da oposição, mesmo sendo do governo. E essa lei foi feita com a colaboração de governo e oposição – coisa rara naquele período. E saiu a Lei e uma parte da indústria pediu ao Figueiredo que vetasse 13 artigos – a Lei tinha 26. Aí eu escrevi para o Figueiredo: ‘ou nós aprovamos esta Lei de verdade ou não poderemos ter um bom meio ambiente’. E entre a minha opinião e a opinião da indústria, ele seguiu exatamente a minha opinião. Então foi a nossa primeira grande vitória.

Entrevista socializada pelo Portal Unicamp e publicada pelo EcoDebate, 04/01/2012

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