Pesquisa confirma danos causados pela exploração de urânio na Bahia
[Por Zoraide Vilasboas, para o EcoDebate] A série de apresentações do “Relatório da Missão Caetité: Violações de Direitos Humanos no Ciclo do Nuclear”, que expõe os danos causados pela exploração de urânio na Bahia, começou em Salvador, prosseguiu em Caetité, município situado a 750 Km da capital baiana, e culminou em Vitória da Conquista, onde novo estudo também evidenciou a gravidade dos prejuízos denunciados pela Plataforma Dhesca Brasil (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), autora da Missão Caetité.
O relatório foi apresentado em Salvador, no Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, pela socióloga da PUC-SP, Marijane Lisboa, relatora do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca, como atividade do projeto “Geografando nas Sextas: o Campo Baiano em Debate”. Pesquisadores, estudantes, docentes e ambientalistas debateram os prejuízos causados à saúde de trabalhadores, da população, ao meio ambiente e à economia local pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB) que, desde 2000, produz em Caetité o concentrado de urânio, principal matéria prima do fabrico do combustível para as usinas atômicas de Angra 1 e 2 (RJ).
Durante o evento, o setor nuclear brasileiro foi criticado, principalmente pelo desrespeito a direitos fundamentais, que caracteriza a atuação da empresa na Bahia, onde prevalece a desinformação da população sobre os riscos à saúde, associados à contaminação radioativa. Na controvérsia sobre a política nuclear, a maioria dos presentes se posicionou contra a exploração da tecnologia nuclear para fins de produção de energia elétrica e pelo fim do Programa Nuclear Brasileiro. O relatório Dhesca sustenta que todos os programas nucleares, apesar de declarados pacíficos, são biombos para programa nuclear militar e, como nos demais países, o programa do Brasil nasceu na caserna. Portanto, “considerando todos os riscos envolvidos, desde a mineração e o processamento de urânio na Bahia, até a insegurança das usinas, o governo deve abrir um amplo debate com a sociedade para decidir se deve insistir com o Programa Nuclear Brasileiro”, disse Marijane.
Em Caetité, a apresentação do relatório finalizou as atividades do Novembro Amarelo, promovido por entidades e movimentos sociais, com o fim de chamar a atenção da sociedade para os principais problemas sócio ambientais que vem afetando a região. Em ato público, populares, trabalhadores e estudantes marcharam do Cemitério à praça da Catedral, onde mais uma vez, houve críticas ao descaso da empresa e à falta de transparência da empresa. O presidente do Sindicato de Mineradores (Sindmine) José Santana declarou: “se não abrirmos os olhos para a INB, ela fechará os nossos. Não para dormir. Mas, para o sono eterno”. Em debate, na Rádio Educadora, Marijane ressaltou a importância do trabalho da Plataforma, que atua com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e cumpre importante papel no monitoramento, mediação e promoção de Direitos Humanos no Brasil.
AMEAÇA DE CONTAMINAÇÃO
O relatório da Missão Caetité foi divulgado durante o Seminário Regional em Saúde do Trabalhador, promovido pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Vitória da Conquista, onde a antropóloga Cláudia d’Arede apresentou o resultado parcial da investigação sobre “Percepções de risco relacionadas á exploração do urânio em Caetité e Lagoa Real”. O estudo demonstrou a falta de confiança de comunitários e trabalhadores nas informações prestadas pela INB sobre o risco de contaminação da mineração.
Segundo a pesquisa, os moradores apontam a falta de água nas nascentes, o aumento dos casos de câncer na população, de tumores nos animais e a desvalorização da terra como principais conseqüências da exploração do urânio. Já os trabalhadores consideram o treinamento em radioproteção insuficiente e apontam a ameaça de contaminação por radiação, como principal motivo de insegurança. Para eles, o maior risco sofrido no meio ambiente do trabalho ocorreu em maio deste ano, num episódio que ficou conhecido nacionalmente, quando uma revolta popular tentou impedir a entrada em Caetité de uma carga de material radioativo. O concentrado de urânio estava em tambores lacrados há 30 anos na Marinha, em São Paulo. Os trabalhadores da INB foram obrigados a trocar o produto para novos tambores, de forma improvisada e precária, sem a segurança necessária para quem trabalha com material radioativo. Eles consideram esta exposição à radiação como o maior risco de contaminação que sofreram, pois não foram treinados para a função.
Nos três eventos (25 a 28/11/11) trabalhadores e moradores vizinhos da mina criticaram a incompetência e irresponsabilidade dos dirigentes da INB. Em depoimentos contundentes, a presidenta da Associação da Comunidade de Riacho da Vaca Elenilde Cardoso, o Padre Osvaldino Barbosa, e o diretor do Sindmine, Francelino Cabeleiro, ressaltaram os problemas que enfrentam, exigindo urgente intervenção dos poderes públicos, em especial das áreas de saúde e trabalho. Declararam medo da água contaminada e do aumento de mortes por câncer. Revelaram que a água, controlada e consumida em grande quantidade pela INB, secou os poços na região, prejudicando aqueles que praticavam a agropecuária, e que vivem hoje de aposentadorias e benefícios sociais, porque sua vida econômica praticamente acabou. Afirmaram que enfrentam fatores de alto risco, desde respirar poeira radioativa, gás radônio, até tomar água contaminada, e que, apesar da empresa não dialogar com a sociedade, vão continuar buscando esclarecimentos e exigindo respeito aos seus direitos.
As duas pesquisas trazem recomendações importantes para os órgãos competentes buscarem resolver os problemas que afligem populações de Caetité, Lagoa Real e Livramento. Entre as principais recomendações da Dhesca Brasil estão: a) análise das águas por dois laboratórios (um credenciado pela CNEN e outro, independente, do exterior), a fim de comparar os resultados e tirar a dúvida sobre a contaminação; b) que os Ministérios da Ciência e Tecnologia, da Saúde e do Trabalho formem, de imediato, um grupo de especialistas de órgãos públicos, universidades federais e centros de pesquisa para elaborar um Plano de Monitoramento, Vigilância e Atenção à Saúde dos Trabalhadores e dos Moradores do entorno da mina e c) que seja feita uma auditoria independente e multidisciplinar para averiguar todos os aspectos referentes ao funcionamento da INB em Caetité.
** Colaboração de Zoraide Vilasboas, jornalista, da Coordenação de Comunicação, da ASSOCIAÇÃO MOVIMENTO PAULO JACKSON-Ética,Justiça,Cidadania, para o EcoDebate, 30/12/2011
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Impossível falar em Feliz 2012 para centenas de brasileiros abandonados. Não vejo o que festejar.