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Os indignados do clima: Eles não têm nada a perder, porque o caos climático está tirando tudo deles

 

Eles têm nomes exóticos, muitas vezes são apenas pontos perdidos nos mapas. Mas a sua sobrevivência já está suspensa por um fio. E justamente enquanto, em Durban, os “grandes” falam sobre o clima, eles lançam um grito de alerta: “Salvem-nos”. A única defesa são os seawalls, barreiras improvisadas com a lataria de carros e pedras. Nas Maldivas, o governo se reuniu debaixo d’água: ministros com roupa de mergulho e bombas de oxigênio.

A reportagem é de Antonio Cianciullo, publicada no jornal La Repubblica, 05-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

São os indignados do clima, os pescadores que se encontram com as redes vazias, os jovens que sobem nos telhados de suas casas quando as ondas invadem o vilarejo, as mulheres que não encontram mais água para cozinhar. Nas suas ilhas, fazem o possível para se defender da maré em alta do oceano: constroem seawalls, barreiras improvisadas com a lataria de carros, destroços, pedras. Mas são medidas paliativas, que devem ser reconstruídas ano após ano, recuando todas as vezes a pressão cada vez mais ameaçadora do mar.

E então decidiram ir a Durban, para a conferência da ONU em que grandes poluidores querem adiar o compromisso pela defesa da atmosfera, e ameaçam impedir os trabalhos.

Eles não têm nada a perder, porque o caos climático está tirando tudo deles. As terras são corroídas pela elevação dos mares. As fontes de água doce são poluídas pelo aumento da cunha salina. Os corais embranquecem e morrem. As casas são abandonados, porque são varridas pelos furacões e pelas tempestades tropicais. Para os habitantes de 40 Estados reunidos no grupo Aosis (Alliance of Small Islands), a falência climática está logo depois da esquina: não é só o salário que está em risco. Em jogo, estão a terra em que nasceram e a sobrevivência física.

Abdullahi Majeed, meteorologista que estuda o impacto das mudanças climáticas dos Estados na orla marítima, que correm o risco de desaparecer do mapa, relata como a vida diária de centenas de milhares de pessoas já mudou: hábitos consolidados ao longo dos séculos e paisagens que pareciam imutáveis foram postos em crise em poucos anos. A barreira dos manguezais foi devorada pelas ondas, a água se tornou escassa, os vilarejos são periodicamente inundados.

As primeiras ilhas começaram a se render. Nas Carteret, perto de Papua Nova Guiné, depois de anos de batalha contra as ondas cada vez mais altas que acabaram engolindo palmeiras e casas, 2 mil pessoas decidiram abandonar a sua terra, aumentando a lista dos ecorrefugiados.

Em Tuvalu, um minúsculo arquipélago da Polinésia, o processo de apagamento do Estado já começou. A king tide, uma supermaré que se cria no início do ano e que está ampliando o seu período de ação, inunda os vilarejos e submerge as praias de areia branca. O mar continua subindo a uma velocidade que já chegou a seis milímetros por ano. Os furacões estão se tornando cada vez mais frequentes. Os recifes de corais estão embranquecendo, e a economia local, que depende do turismo e da pesca, está de joelhos.

Um drama que envolve a todos: 10 mil dos 11 mil habitantes vivem a uma altitude inferior a dois metros acima do nível do mar, e, mesmo que quisessem se deslocar, não teriam muita escolha, porque nenhum ponto das ilhas e dos atóis supera os 4,5 metros.

“A sobrevivência do nosso povo está suspensa por um fio: não assumam a responsabilidade de cortá-lo”, disse Ieiemia Apisai, ex-primeiro-ministro de Tuvalu, há dois anos, na Cúpula de Copenhague sobre o clima. Acrescentando que as emissões de gases do efeito estufa são como bombas de altitude: o piloto se limita a pressionar um botão sem ver as consequências daquilo que acontece longe dele, mas as consequências são devastadoras.

Na cúpula da Dinamarca, esse apelo caiu no vazio. Mas agora, na conferência da ONU sobre o clima, que iniciou em Durban, com Washington e Pequim prontos para jogar a toalha da estabilização da atmosfera, o grupo dos indignados poderia se revelar como a verdadeira surpresa, o elemento perturbador capaz de despedaçar o mecanismo do descompromisso programado, que, desde segunda-feira passada, parece manter como reféns os 15 mil delegados de 180 países.

Diante de uma rendição já escrita, a raiva dos países que correm o risco de desaparecer, engolidos pelo mar, pode se tornar difícil de sustentar. E a China, líder histórico dos países em desenvolvimento, poderia se encontrar, de repente, em um papel incômodo, o de maior poluidor do mundo, no centro das críticas dos seus ex-aliados, assim como dos europeus que defendem o Protocolo de Kyoto e as medidas contra os gases do efeito estufa.

“As emissões de gases do efeito estufa continuam crescendo em ritmos recordes. Recém acabou a década mais quente da história, e encontramo-nos diante da tentativa dos países responsáveis pela maior parte da poluição de adiar os atos concretos que são necessários para defender os nossos países”, acusa Dessima Williams, representante de Granada, em nome da Aosis. “Postergar o acordo sobre a redução das emissões de gases do efeito estufa para 2017 significaria renunciar a qualquer esperança de manter o crescimento da temperatura dentro dos dois graus, nível acima do qual o cenário torna-se catastrófico”.

A confirmação vem das Kiribati: nesse arquipélago entre o Havaí e o Taiti, o êxodo já começou. Os primeiros milhares de habitantes pediram aos governos da Austrália e da Nova Zelândia para que possam capaz se mudar, porque as suas casas não são mais habitáveis e a sua terra está desaparecendo. Para motivar o pedido, recorreram a uma definição que, na linguagem dos tratados internacionais, não existe, porque a situação não tem precedentes: “refugiado climático”. E o governo da Nova Zelândia aceitou estabelecer um programa para governar a chegada dos refugiados climáticos.

Uma chegada que corre o risco de se transformar em uma avalanche, se, nessa conta, também forem levados em consideração os habitantes dos países costeiros que correm o risco de perder boa parte das suas planícies férteis. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados estima que até 2050 se chegará a 200-250 milhões de refugiados ambientais: quem irá pagar o custo mais alto do desastre climático serão os países que têm a menor responsabilidade, porque são aqueles que, tendo chegado por último à industrialização, consumiram menos combustíveis fósseis, os principais culpados pelo aumento do efeito estufa. Segundo a ONU, das 262 milhões de pessoas atingidas por desastres climáticos entre 2000 e 2004 tanto, 98% viviam em um país em desenvolvimento.

As estimativas sobre a aceleração do caos climático ainda têm uma margem de incerteza, mas, para os habitantes das pequenas ilhas, o cenário da elevação dos mares, que, segundo Lester Brown, presidente do Earth Policy Institute, poderia chegar perto dos dois metros até a metade do século, não é um exercício acadêmico. Para protestar contra o boicote das medidas antigases do efeito estufa, nas Maldivas, ocorreu uma reunião do governo debaixo d’água: 14 ministros com roupas de mergulho e bombas de oxigênio se reuniram a uma profundidade de três metros para simular o futuro na ausência de ações corretivas.

A batalha dos indignados do clima poderia parecer uma batalha perdida, com os primeiros atóis sendo abandonados, enquanto os mais ricos estão defendidos levando toneladas de areia retiradas dos atóis abandonados à sua sorte. E alguns já planejam a construção de ilhas artificiais flutuantes para hospedar os refugiados ambientais.

Mas muitos não se rendem. Em Durban, o grupo das ilhas que ainda são o paraíso das férias está decidido a lutar para defender a esperança. “Baseando-nos no que afirmam climatologistas do peso de James Hansen, acreditamos que o aumento da temperatura deve ser mantido dentro de 1,5 grau, o dobro do crescimento que foi registrado no século XX”, explica Phillip Henry Muller, que representa as ilhas Marshall. “É necessário um acordo que comprometa todos os países a reduzir as emissões de gases do efeito estufa, produzidos pela queima de petróleo e de carvão e pelo desmatamento, porque não é justo que países como os nossos, que deram uma contribuição irrelevante à poluição, paguem o preço mais alto”.

É improvável que, em Durban, o impulso dos indignados chegue a subverter os prognósticos, a ponto de chegar a um tratado vinculante imediato. Mas se poderia delinear um período-ponte para prolongar os compromissos existentes, para chegar, depois, a definir um acordo mais amplo no arco de poucos anos. Um pacto que seria facilitado por um fundo de 100 bilhões de dólares por ano para as ajudas ao desenvolvimento sustentável.

(Ecodebate, 08/12/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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