‘É preciso aliar a ousadia do desenvolvimento com a prudência da precaução’. O caso Chevron. Entrevista especial com David Zee
Monitorar vazamentos de petróleo no mar é como “analisar outro planeta”, afirma David Zee, perito responsável por averiguar o vazamento de petróleo no Campo de Frade, a 150 km da costa do Espírito Santo. De acordo com ele, ainda é impossível saber quanto óleo vazou no mar e, portanto, quais serão os danos para o meio ambiente. Zee explica que, 48 horas depois do acidente, “um grande número de embarcações deveria cercar o óleo para retirá-lo do mar. Mas isso não aconteceu”.
Enquanto acompanhava as investigações, o oceanógrafo conversou com a IHU On-Line por telefone e disse que a Chevron não seguiu os quatro itens do plano de estratégia e emergência individual, fundamental para todas as empresas que exploram petróleo em águas brasileiras. “Em vez de a empresa seguir a sequência [dos quatro itens de segurança], ela pulou imediatamente para o último deles, e passou a dispersar o óleo no mar”, informa. David Zee esclarece que crime ambiental é inafiançável e a possível multa de 150 milhões que a Chevron terá de pagar aos órgãos ambientais brasileiros tem, para a companhia, o mesmo valor que “dois reais para nós”. E enfatiza: “Para se ter uma ideia, 150 milhões representa 50 minutos de faturamento da empresa, ou seja, representa 1% dos investimentos que ela fez para a produção de petróleo na Bacia do Frade”.
David Zee é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Oceanografia pela Universidade da Flórida e doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a extensão do vazamento de petróleo da Chevron? Quanto petróleo já vazou no oceano?
David Zee – Monitorar o vazamento de petróleo a 1200 metros de profundidade do mar é quase que analisar outro planeta. Era preciso que houvesse um sistema de resposta e de monitoramento para averiguar acidentes como esse. Não sabemos direito quanto petróleo realmente vazou para o mar. O que podemos fazer é uma avaliação através do óleo que chega à superfície, o que não quer dizer que este é o óleo que vazou porque existe uma coluna d’água de 1200 metros, que eventualmente já tenha absorvido uma parte do óleo antes de ele chegar à superfície.
IHU On-Line – Como classifica o vazamento de petróleo na Bacia de Campos? Foi um acidente, trata-se de imprudência da companhia Chevron? Algumas notícias informam que o delegado Fábio Scliar trabalha com a hipótese de a empresa ter perfurado além dos limites permitidos.
David Zee – Toda a atividade realizada em alto mar, especialmente a exploração de petróleo, é uma atividade de risco e passível de acontecer acidentes. No caso específico do Campo do Frade, percebo que efetivamente houve um acidente. Agora, se houve também um descuido ou falha humana, não é possível saber, visto que a Chevron ainda está levantando essas informações, de tal forma que não tenho condições de afirmar o que aconteceu. O que posso dizer é que a atividade de exploração de petróleo em mar profundo é suscetível a gerar acidentes.
IHU On-Line – O ex-presidente da Associação Brasileira dos Geólogos de Petróleo, Nilo Azambuja, disse que se a Chevron estivesse tentando alcançar o pré-sal, isso não seria ilegal, pois “a área é dela, se quiser pode ir ao Japão”. Como o senhor vê essa declaração e quais são os limites para a exploração de petróleo? Que normas o contrato de concessão de exploração de petróleo e a legislação brasileira preveem em relação à exploração de petróleo?
David Zee – Todos têm liberdade e direito de explorar o pré-sal, mas é preciso fazer isso com segurança. Quem determina que companhia é ou não capaz de explorar petróleo com segurança é a legislação brasileira. Então, nesse quesito, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama têm uma grande responsabilidade porque eles ditam as regras. Se a Chevron está explorando em oceanos brasileiros, ela recebeu autorização para isso. Agora, como a exploração está sendo feita em um ambiente muito mais ousado, em fronteiras onde o homem nunca havia atingido e agora está atingindo, sem dúvida nenhuma as normas e regras de exploração precisam ser implementadas. Então, esse acidente vem corroborar ainda mais a ideia de que é preciso desenvolver novas tecnologias, aperfeiçoar a segurança e, principalmente, investir recursos na manutenção, prevenção e compra de equipamentos e treinamento de pessoal para saber agir nesses momentos de acidente.
IHU On-Line – Mesmo assim, é possível evitar os riscos?
David Zee – Para evitar os riscos, é preciso investir em tecnologia, equipamentos, inovação. Quanto mais investimentos forem feitos, menores serão os riscos. Entretanto, jamais poderemos dizer que será possível zerar o risco porque, a cada dia, avança-se mais na exploração de petróleo no fundo do mar. Antes, perfurava-se a 1000 metros de profundidade e se pensava que perfurar a 1200 metros era algo fenomenal. Entretanto, hoje já estão perfurando a 2000 metros de profundidade. Então, o homem é muito ousado e está em constante avanço. É preciso aliar a ousadia do desenvolvimento com a prudência da precaução.
IHU On-Line – Como é feito o controle e que cuidados são tomados durante a exploração de petróleo para que o produto não vaze para o oceano?
David Zee – No que se refere à exploração e perfuração do solo, percebo que os investimentos para tal atividade foram ampliados. Entretanto, o grande X da questão é: será que estão investindo o mesmo percentual de dinheiro para a prevenção e precaução de acidentes? Quando acontece um acidente, somos capazes de administrar as crises? Esse acidente da Chevron tem demonstrado que não, que que os investimentos em segurança e precaução ainda são precários, haja vista que existe um plano de estratégia e emergência individual, o qual não foi cumprido.
No plano dizia que a empresa exploradora de petróleo teria de ser capaz de monitorar qualquer tipo de vazamento. Quem descobriu o vazamento não foi a empresa, mas sim a Petrobras. O segundo item do plano de estratégia e emergência diz que a empresa tem que ser capaz de monitorar quanto óleo está sendo despejado no mar e até hoje nós não sabemos esse percentual. O terceiro item menciona que a empresa tem que ser capaz de remover o máximo possível de óleo que esteja contaminando o meio marinho. No entanto, não houve barreiras de contenção do óleo e muito menos barcos para retirá-lo do mar. O quarto item fala na dispersão do óleo residual que não se consegue retirar. Portanto, o plano está escrito no papel, mas não funciona. Em vez de a empresa seguir a sequência desses quatro itens, ela pulou imediatamente para o último deles e passou a dispersar o óleo no mar.
Em função disso, não será possível retirar o óleo do mar porque não houve investimentos, nem regras e legislações que estimulassem essa prática. Infelizmente, o homem só coloca o cadeado depois que tem a casa arrombada. Esse é o ditado mais correto que existe.
IHU On-Line – Não foi retirada nenhuma quantidade de óleo do mar?
David Zee – Foi retirada uma quantidade ínfima. 48 horas depois do acidente, um grande número de embarcações deveria cercar o óleo para retirá-lo do mar. Mas isso não aconteceu.
IHU On-Line – Como se estanca um vazamento como esse e como tal processo está sendo feito no caso da Chevron?
David Zee – O vazamento é oriundo de algum vazamento no poço. Então, para estancá-lo é preciso concretar e impermeabilizar suas paredes.
IHU On-Line – É possível vislumbrar qual será o prejuízo ambiental do vazamento? A informação divulgada é que o óleo se espalhou para Abrolhos, na Bahia. Quais os impactos para as espécies que vivem nessa região?
David Zee – É muito difícil codificar os danos, uma vez que não temos noção da quantidade de óleo que extravasou.
IHU On-Line – Qual é a punição para esse tipo de crime ambiental? Muitos ambientalistas criticam a multa estimada em 150 milhões que a companhia Chevron terá de pagar. O passivo ambiental é pago com 150 milhões?
David Zee – A punição de crime ambiental é inafiançável e a pessoa responsável pode pegar quatro ou cinco anos de prisão, sem falar nas multas. Para a Chevron, esse valor de 150 milhões é como dois reais para nós: quase nada. Para se ter uma ideia, 150 milhões representa 50 minutos de faturamento da empresa. 50 minutos. Ou seja, representa 1% dos investimentos que ela fez para a produção de petróleo na Bacia do Frade.
IHU On-Line – A Polícia Federal também investiga a suspeita de que a Chevron empregue estrangeiros em situação irregular no país. O senhor sabe qual o andamento das investigações?
David Zee – Não. não posso dar declarações sobre as investigações.
IHU On-Line – Como foi sua conversa com o delegado Fábio Scliar nesta manhã (22-11-2011). Como estão as investigações da Polícia Federal em relação ao vazamento?
David Zee – Estamos passando por um processo de aprendizado. O acidente da Chevron é um cartão amarelo, uma sinalização muito explícita e evidente. Agora todos estão avisados de que a exploração do pré-sal e em águas oceânicas brasileiras precisa ser feita com mais cuidado do que em relação a como vem sendo conduzida. Uma mudança radical precisa ser feita, e a sociedade precisa cobrar isso.
IHU On-Line O senhor defende uma mudança nos paradigmas da exploração de petróleo no Brasil. Em que consiste essa mudança?
David Zee – Uma das minhas propostas é que se leve em consideração, antes de conceder licença para a exploração de petróleo, o passado das empresas. Na hora em que acontece um acidente, a primeira coisa a ser feita é uma auditoria nas contas da empresa para saber quanto ela investiu, nos últimos cinco anos, em prevenção e em segurança em defesa do meio ambiente. Se ela investiu muito, então ela tem uma atenuante na multa e nas sanções. Se ela investiu pouco, quase nada, terá um agravante, podendo multiplicar a multa e as sanções.
Medidas como essas podem estimular as empresas sérias a investirem em segurança, porque ninguém está livre de acidentes. Pelo simples fato de ocorrer uma fatalidade, não quer dizer que a empresa age de má fé. De modo geral, as empresas seguem muito bem as regras estabelecidas pelo país e, se os acidentes acontecem, é porque as regras não estão bem explicitadas. Portanto, é preciso fazer um reajuste nas leis e nas regras.
IHU On-Line – Como avalia a atuação dos órgãos ambientais brasileiros no caso desse acidente?
David Zee – Dentro das possibilidades, os órgãos estão atuando e todos estamos aprendendo com os erros.
(Por Patricia Fachin e Rafaela Kley)
(Ecodebate, 25/11/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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