MPF/MG quer agilizar criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela
E pede que a Justiça obrigue o ICMBio a realizar as consultas públicas previstas em lei
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para obrigar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) a realizar, até o final do primeiro semestre do ano que vem, consultas públicas para a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela.
As consultas públicas, previstas pela Lei 9.985/2000, devem obrigatoriamente preceder a criação das unidades de conservação. Elas funcionam como um instrumento de participação popular na discussão das questões ambientais, que, por sua natureza, envolvem múltiplos interesses, privados e coletivos.
No caso do Parque Nacional da Serra do Gandarela, esses interesses são acentuadamente conflituosos, porque a unidade deverá ser criada em pleno Quadrilátero Ferrífero, uma das mais importantes províncias minerais do mundo. O Brasil é o segundo maior produtor mundial de ferro e cerca de 75% desse minério é extraído nessa região, que também produz ouro, alumínio e manganês. Situado na região central do Estado de Minas Gerais, o local conta com mais de 50 minas a céu aberto.
A proposta de criação do parque nasceu de um documento produzido pelo Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A partir dele, o ICMBio realizou estudos técnicos que apontaram a necessidade de criação de uma unidade de conservação de proteção integral para a área e definiram sua localização, dimensões e limites.
Riquezas – A Serra do Gandarela está localizada a sudeste da capital mineira, na Área de Proteção Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, e, segundo estudiosos, é a última área ainda bem preservada de toda a região do Quadrilátero Ferrífero. A proposta, apresentada pelo ICMBio em 2010, abrangia parte dos municípios de Caeté, Nova Lima, Raposos, Rio Acima, Barão de Cocais, Itabirito, Ouro Preto e Santa Bárbara.
Os estudos ressaltaram que, apesar de localizada em área próxima a grandes concentrações demográficas, a região apresenta baixa ocupação humana, com extensos e diversos ambientes naturais muito bem preservados, e apresentando feições de relevo de excepcional beleza, notáveis também sob o ponto de vista geomorfológico.
Algumas das espécies, vegetais e animais, encontradas no local são endêmicas; outras estão ameaçadas de extinção.
A região possui também sítios arqueológicos e várias cavidades naturais – 74 já foram identificadas e pelo menos quatro delas foram consideradas de relevância máxima. A Bacia do Gandarela possui fósseis de até 40 milhões de anos.
A serra é também a mais importante área de recarga de aquíferos do Quadrilátero Ferrífero. Estima-se que 60% da água consumida em Belo Horizonte e 43% da água que abastece os municípios da região metropolitana provêm da Gandarela.
Áreas de cangas – Mas a sua principal característica está no fato de estar inserida na zona de transição de dois dos mais importantes biomas brasileiros, ambos ameaçados de extinção: a Mata Atlântica e o Cerrado. Estudiosos consideram-na uma área de importância biológica especial, única no Estado, porque ali podem ser encontrados os chamados campos rupestres ferruginosos, conhecidos também como vegetação de canga, um dos ecossistemas mais ameaçados e menos estudados do país.
“A formação de cangas é encontrada apenas em terrenos onde há afloramento de minério de ferro e boa parte das espécies vegetais e animais ali existentes ainda não foram estudadas pelos cientistas, o que, por si só, demanda maior atenção ao bioma”, afirma a procuradora da República Zani Cajueiro.
Ela lembra que a fauna e a flora locais são compostas por animais e vegetais com características especiais, visto que a área possui condições únicas, como por exemplo ambientes com ausência de luz e alta concentração de metais pesados no solo, deficiência de água e grandes variações de temperatura.
“A importância de se preservar essas espécies está no fato de que elas possibilitam a realização de estudos sobre a capacidade de adaptação a condições adversas como solos com altas concentrações de metais pesados ou a capacidade de resistir a ciclos de dessecação e reidratação. A perda dessa riqueza constitui uma das maiores ameaças à biodiversidade mundial, porque impede a própria obtenção do conhecimento”, sustenta a procuradora da República.
Além disso, a região de cangas armazena 4 dos 5 bilhões de metros cúbicos de água existentes no Quadrilátero Ferrífero. No estudo feito pelo ICMBio, foram encontradas mais de mil nascentes na área em que se pretende criar o Parque Nacional. Essas nascentes formam o Rio das Velhas e o Rio Conceição, que deságuam, respectivamente, no Rio São Francisco e no Rio Doce.
Para o MPF, “a criação do parque, como instrumento imprescindível para a preservação da Serra do Gandarela, interessa à sociedade como um todo, presentes e futuras gerações, ainda mais por estarem as cangas criticamente ameaçadas devido à sua associação com as jazidas de minério de ferro”.
Degradação – A atividade desenvolvida pelas mineradoras é o principal fator de degradação ambiental na região. O próprio Zoneamento Ecológico-Econômico, realizado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) em parceria com o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e com a Universidade Federal de Lavras (UFLA), apontou a vulnerabilidade da serra e sugeriu a criação de um parque nacional.
“Após a realização dos estudos técnicos preliminares, o ICMBio finalizou a proposta de criação da unidade de conservação, e, por lei, poderia ter baixado limitações administrativas impedindo o licenciamento de empreendimentos na área. Mas não o fez”, relata Zani Cajueiro.
Diante do fato de que a instalação de qualquer empreendimento na área é extremamente prejudicial ao ecossistema da região e incompatível com a possível criação de um Parque Nacional, o MPF e o Ministério Público Estadual expediram recomendações à SEMAD e ao Iphan pedindo a suspensão de licenciamentos e de pesquisas e resgates arqueológicos na área. As recomendações foram acatadas e as limitações administrativas vigoram desde então.
“Mas é óbvio que essa paralisação é temporária e necessita de definição por parte do ICMBio acerca da efetiva criação do parque. Em maio deste ano, o presidente da autarquia oficiou ao MPF que as consultas públicas seriam realizadas no terceiro trimestre de 2011, o que acabou não acontecendo”, diz a procuradora.
Ao invés disso, o ICMBio formou um grupo interno de trabalho com a SEMAD, algumas poucas ONGs e dois representantes de uma grande mineradora para discutir uma proposta de consenso para a conservação da serra e apresentar uma nova proposta para criação do parque.
Segundo o MPF, a proposta original estava fundamentada em aspectos técnicos e qualquer alteração da mesma deve ser levada a público para ampla discussão. “Não é razoável que um grupo de trabalho composto sem efetiva representação da sociedade formule uma nova proposta, com base em informações restritas, restringindo-se indevidamente a participação popular no processo de criação do parque. Essa situação afigura-se ainda mais grave diante dos evidentes e milionários interesses econômicos que envolvem a região”, lembra a procuradora da República.
Pedidos – Na ação, o MPF pede que o ICMBio apresente, no prazo de 30 dias, cronograma com as datas e locais das consultas públicas, que deverão ser realizadas até o fim do primeiro semestre de 2012.
Pede ainda que, terminadas as consultas públicas, o ICMBio encaminhe, no prazo de 60 dias, a proposta final de criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela à Presidência da República.
Fonte: Ministério Público Federal em Minas Gerais
EcoDebate, 17/11/2011
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