Pega ladrão! Roubaram as atribuições do IBAMA, artigo de Sérgio de Oliveira Netto
[Jus Navigandi] Pelo projeto de lei aprovado, se o IBAMA, no ato de fiscalização encontrar atividade que for licenciada ou autorizada pelo órgão ambiental do Estado ou do Município ou do Distrito Federal deve, simplesmente, comunicar ao órgão ambiental respectivo.
Como se não bastassem os problemas gerados pela aprovação, agora no primeiro semestre de 2011, na Câmara dos Deputados, do texto do Novo Código Florestal (que agora está sendo apreciado pelo Senado), outra notícia estarrecedora veio dar conta de que mais uma medida flagrantemente contrária ao meio ambiente foi tomada pelo Parlamento Federal.
No caso, a aprovação pelo Senado do PLC n° 01/2010. Por este projeto de lei complementar (que teve sua origem na Câmara dos Deputados), pretendeu-se regulamentar o art. 23, III, VI e VII e parágrafo único, da Constituição Federal, instituindo um sistema de cooperação entre os entes federados para a o exercício das atribuições de controle e proteção ao ambiente ecologicamente equilibrado.
Até aqui tudo bem, posto que, pela EC n° 53/06, foi conferida nova redação ao art. 23, parágrafo único, da Constituição Federal, determinando que lei complementar delineasse essas regras de cooperação. O problema foi a forma pela qual esta parceria foi alinhavada.
Pela redação aprovada, e que foi encaminhada para sanção presidencial, o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA), autarquia pública federal, foi praticamente colocado de fora do combate ao desmatamento e licenciamentos ilegais.
O problema central (mas não o único) é o art. 17 do Projeto aprovado que agora segue para a Presidenta Dilma – que pode vetar o artigo, mas o Congresso Nacional ainda pode, depois, derrubar o veto e manter o texto deste art. 17.
Por esse art. 17, somente o órgão ambiental que licencia ou autoriza a intervenção em áreas de proteção ambiental é que pode fiscalizar. Ilustrativamente, se o IBAMA, no ato de fiscalização encontrar atividade que for licenciada ou autorizada pelo órgão ambiental do Estado ou do Município ou do Distrito Federal deve, simplesmente, comunicar ao órgão ambiental respectivo. Para que o próprio órgão licenciador/autorizador adote as medidas que reputar cabíveis. Mas o IBAMA não poderá realizar nenhuma providência mais enérgica, tais quais embargar, multar etc. Posto que estará desprovido do poder de polícia administrativa para tanto. Eis o texto do dispositivo em comento:
“Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§ 1º Qualquer pessoa legalmente identificada, aoconstatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia.
§ 2º Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.
§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, sendo nulo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que não detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.”
A questão é que, pelo texto aprovado neste PLC 01/2010, pelo Código Florestal e demais normas pertinentes (Resoluções do CONAMA etc), em regra, as autorizações para realizar a supressão de vegetação em áreas de preservação permanente (APP), intervenções nos biomas e demais licenciamentos, são todas concedidas pelos órgãos ambientais estaduais ou municipais.
Mas, até então, pelo arcabouço legislativo atual, o IBAMA permanecia com sua atribuição para fiscalizar procedimentos de licenciamento concedidos por outros entes federados. Ante a expressa previsão legal autorizadora destas providências. Em especial a Lei n° 9.605/98, que assegura a todos os integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) a incumbência de zelar pelo meio ambiente, fazendo uso do poder de polícia administrativa, nos seguintes termos:
“Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
…
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.
§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.”
Corrente de pensamento que vem sendo sufragada pelas Cortes de Justiça. Como pode ser citado, à guisa de exemplo, o aresto proferido pelo STJ. Que traçou refinada distinção entre aquilo que é atribuição para licenciar e para fiscalizar. Concluindo que, por mais que o IBAMA não tenha, em princípio, competência ampla para emitir licenças ambientais (pois estas, em regra, ficam a cargo dos Órgãos Ambientais Estaduais e Municipais), possui plenos poderes para realizar a fiscalização sobre estes próprios empreendimentos licenciados pelos demais órgãos, in verbis:
“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – MULTA – CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES COMUNS – OMISSÃO DE ÓRGÃO ESTADUAL – POTENCIALIDADE DE DANO AMBIENTAL A BEM DA UNIÃO – FISCALIZAÇÃO DO IBAMA – POSSIBILIDADE. 1. Havendo omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, pode o IBAMA exercer o seu poder de polícia administrativa, pois não há confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar. 2. A contrariedade à norma pode ser anterior ou superveniente à outorga da licença, portanto a aplicação da sanção não está necessariamente vinculada à esfera do ente federal que a outorgou. 3. O pacto federativo atribuiu competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente através da fiscalização. 4. A competência constitucional para fiscalizar é comum aos órgãos do meio ambiente das diversas esferas da federação, inclusive o art. 76 da Lei Federal n. 9.605⁄98 prevê a possibilidade de atuação concomitante dos integrantes do SISNAMA. 5. Atividade desenvolvida com risco de dano ambiental a bem da União pode ser fiscalizada pelo IBAMA, ainda que a competência para licenciar seja de outro ente federado. Agravo regimental provido. DJe: 15/05/2009” (grifei)
Noutras palavras, o legislador federal não apenas não ouviu os clamores de importantes setores da sociedade (como ambientalistas) e da comunidade científica (dentre as quais a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, e Academia Brasileira de Ciências – ABC). Mas ainda parece que está fazendo pouco caso das preocupações daqueles que se voltam contra as modificações que estão sendo implementas na legislação, e que flexibilizam o sistema de proteção ambiental.
A toda evidência, a manutenção do texto do PLC n° 01/2010, notadamente do seu art. 17, implica em flagrante ofensa às normas constitucionais e subconstitucionais regradoras da matéria. E pior, na prática, mutila a atuação do IBAMA, inviabilizando que promova uma rigorosa repressão contra as ilegalidades que venham a ser perpetradas contra o meio ambiente.
Por tal razão, é absolutamente imprescindível que pelo menos este art. 17 seja suprimido do texto pelo veto presidencial. Todavia, se este veto não vier a ocorrer, ou se porventura vier a ser derrubado no Congresso Nacional, certamente os Tribunais da Nação não permitirão que este malsinado dispositivo tenha eficácia, posto que a ele será reservada a mesma sorte dos demais preceptivos considerados ilegais ou inconstitucionais.
Não há dúvidas de que existem muitos órgãos ambientais estaduais e municipais que cumprem com afinco sua missão de proteção ambiental. A realidade também demonstra, infelizmente, que muitos desses órgãos acabam sendo politizados, e atuando coniventemente com os degradadores do ambiente.
Não se pode permitir que o IBAMA venha a ser impedido de promover a fiscalização do cumprimento das normas ambientais, escudado pelo poder de polícia administrativa, para tomar as providências que julgar convenientes.
Artigo originalmente publicado no site Jus Navigandi.
Artigo enviado por Ruben Siqueira (Comissão Pastoral da Terra / Bahia – Articulação Popular São Francisco Vivo) para o EcoDebate, 10/11/2011
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Nossa quanto mais passa mais eles surpreendem com essas palhaçadas!!! Onde já se viu esse nova lei!!! Nós ja sabemos muito bem porque dessa atitude repugnante!!!
Só quem não tem acompanhado, não tem notado o complô seqüencial para o total esvaziamento do IBAMA. Como o artigo acima afirma, existem orgãos Estaduais e Municipais sérios, mas são poucos, 90% ou mais são politizados. Em poucos anos estaremos chorando este desmonte sórdido propiciado pelo nosso não menos sórdido legislativo.
Nossa…. Agora sim. Podem fazer o que bem quiser, e o IBAMA nada poderá fazer. É o caso de grandes invasões em beira de praia, derrubando a mata atlantica e construindo casas, hotéis,spa e etc…. o município autoriza e pronto. Vai ter muita propina correndo à solta sem que o órgão federal possa fazer nada. É um absurdo. Pega Ladrão!
O autor está desatualizado: a redação do § 3º do art. 17 aprovada no Senado não é essa. Pela atual redação, os autos de infração lavrados pelo órgão que não seja o licenciador não será mais nulo, mas em caso de bis in idem, prevalece aquele lavrado pelo órgão licenciador.