O Protocolo de Kyoto e a COP17, em Durban. Desafios e perspectivas em vista da Rio+20. Entrevista com Marcelo Montenegro
A preservação das florestas sempre foi um dos temas centrais das conferências climáticas, mas, desde a COP-16, em Cancún, a agricultura começou a ganhar espaço nas discussões do clima. Na avaliação de Marcelo Montenegro, o tema ganha espaço nos debates porque a 17ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-17) será realizada em Durban, na África do Sul, onde a “agricultura é a principal atividade desenvolvida”. A proposta da FAO de pensar uma agricultura resiliente, sustentável, e a iniciativa do Banco Mundial, de criar um mercado de carbono para o setor favorecem também o debate. “A lógica de se discutir essa questão no contexto climático tem a ver com o potencial de reduzir emissão através da agricultura, por causa do solo e das práticas agrícolas. Além disso, a agricultura é um setores que mais emitem carbono. Para reverter essa situação, propõe-se uma adaptação dos agricultores a práticas mais resilientes, adaptáveis às condições climáticas e menos impactantes ao meio ambiente”, explica, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
Montenegro apoia a iniciativa de investir em um novo modelo agrícola que leve em conta a sustentabilidade e a soberania dos povos, mas critica a proposta do Banco Mundial e a condução do tema entre os países desenvolvidos. “Um estudo que realizamos recentemente demonstrou que essa proposta de mercado de carbono seria muito prejudicial para os agricultores familiares, porque eles receberiam poucos recursos, algo em torno de um dólar por ano para capturar carbono. (…) Outra preocupação que temos é em relação ao destino do dinheiro capturado através deste mercado de carbono. Certamente ele não será enviado para os países mais pobres, pelo contrário, continuará nos países industrializados porque são eles que compram e vendem crédito”, assinala.
Na entrevista a seguir, Montenegro também comenta a expectativa para a Rio+20 e avalia a eficácia da Eco 92 e do Protocolo de Kyoto, ratificado em 1999. “Tanto Kyoto quanto as negociações climáticas deram aos países vulneráveis a oportunidade de atuarem com força em relação aos acordos climáticos. Países das ilhas do Pacífico, Bolívia, Haiti estão participando das negociações e apontando os possíveis impactos das mudanças climáticas”, avalia.
Marcelo Montenegro é formado em Direito pela Universidade Candido Mendes. Atualmente é assessor do programa de Direito e Alimentação da Actionaid Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que avaliação faz da última rodada de negociações pré-COP-17, no Panamá?
Marcelo Montenegro – Meu sentimento em relação a esse encontro foi de frustração porque houve pouco avanço na discussão principal: a renovação do Protocolo de Kyoto. Os negociadores também avançaram pouco na questão financeira. Há um comprometimento de os países investirem 100 bilhões de reais para a questão climática, mas não se sabe de onde virá esse dinheiro. Portanto, as discussões avançaram pouco e muitos assuntos foram remanejados para serem discutidos em Durban, na COP-17. Acredito que a primeira semana da negociação em Durban será bastante complicada e dificilmente será definido um documento final. Em relação ao Protocolo de Kyoto, posso dizer que houve um retrocesso, já que vários países se posicionaram contrariamente à renovação.
IHU On-Line – Em relação aos temas abordados no Panamá, os países chegaram a algum consenso?
Marcelo Montenegro – Os negociadores discutiram algumas questões que, talvez, serão acordadas em Durban. Discutiu-se, por exemplo, o Fundo Climático Verde, que foi aprovado em Cancún. Criou-se um comitê transitório com os 40 países para construir a estrutura desse fundo, que está com as regras e estrutura praticamente definidas.
A ideia de construir um centro de cooperação tecnológica também avançou. Existe uma negociação na área de transferência de tecnologia dentro das discussões climáticas, em que esse centro seria uma forma de países desenvolvidos e emergentes trocarem tecnologia. Existe um escopo desse centro, e espera-se que em Durban saia um acordo sobre ele.
IHU On-Line – As negociações sobre as mudanças climáticas estão sendo feitas em duas linhas: LCA e KP. Em que consistem essas duas visões?
Marcelo Montenegro – Desde que foi assinado o Protocolo de Kyoto, vários temas foram postos sob acordo, constituindo a linha KP, chamada de linha do Protocolo de Kyoto.
Ficou acordado que os países do anexo B – 37 países industrializados mais a União Europeia –, teriam metas obrigatórias de reduzir as emissões.
Na LCA foram abordadas outras questões para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Nessa linha foi criado, entre outros, o Reduções de Emissão do Desmatamento e da Degradação Florestal – REED, que é um mecanismo de controle de emissão por desmatamento e degradação.
Caso Kyoto seja aprovado, os países discutirão os princípios do protocolo, os quais foram criados para preservar os países em desenvolvimento, que tinham maior vulnerabilidade em relação aos países industrializados. Na época, criou-se o princípio chamado Responsabilidades iguais, porém diferenciadas, que determinava que os países desenvolvidos não poderiam ter o mesmo compromisso que os países mais vulneráveis. As nações industrializadas e desenvolvidas deveriam ter um compromisso maior com a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Entretanto, os países que ainda têm interesse em renovar o Protocolo de Kyoto argumentam que podem ratificar o acordo. Porém, para que isso seja feito, nações emergentes como Brasil, Índia, China e África do Sul devem aderir ao acordo vinculante e serem legalmente obrigados a reduzir as suas emissões. O dilema é que esses países não aceitam essa proposta e alegam que os países desenvolvidos são os causadores históricos das emissões de gases de efeito estufa.
IHU On-Line – Qual foi a eficácia de Kyoto desde que o acordo foi assinado? Como você vê essa incerteza em relação a um novo acordo climático e a continuidade do protocolo?
Marcelo Montenegro – Tanto Kyoto quanto as negociações climáticas deram aos países vulneráveis a oportunidade de atuarem com força em relação aos acordos climáticos. Países das ilhas do Pacífico, Bolívia, Haiti estão participando das negociações e apontando os possíveis impactos das mudanças climáticas.
O Protocolo de Kyoto trouxe conscientização e conseguiu abrir a discussão climática para um âmbito maior. Há, por exemplo, a discussão de se construir planos nacionais de adaptação e mitigação. Ou seja, cada país iria elaborar um plano mostrando como conseguiria reduzir as emissões e como conseguiria apoiar as comunidades que são mais vulneráveis a se adaptarem. Vários países já começaram a implementar isso. A grande frustração é que, ao participar das negociações, percebe-se claramente o desinteresse dos países industrializados, principalmente Estados Unidos, Canadá e Japão de continuarem nesse processo.
IHU On-Line – Entre as perspectivas para Durban, está o estabelecimento de um programa de trabalho na agricultura. Em que consiste este programa?
Marcelo Montenegro – É interessante dizer que a agricultura nunca esteve dentro das discussões climáticas. Esse tema apareceu com um pouco de força em Cancún e está sendo discutido dentro de uma área chamada abordagem setorial. A questão da agricultura começou a ganhar força porque a COP-17 será realizada em Durban e a agricultura é a principal atividade desenvolvida no continente africano. Outro motivo que tem favorecido a discussão é o fato de que o Banco Mundial e a FAO começaram a discutir a agricultura resiliente.
A lógica de se discutir essa questão no contexto climático tem a ver com o potencial de reduzir emissão através da agricultura por causa do solo e das práticas agrícolas. Além disso, a agricultura é um setores que mais emitem carbono. Para reverter essa situação, propõe-se uma adaptação dos agricultores a práticas mais resilientes, adaptáveis às condições climáticas e menos impactantes ao meio ambiente.
Nas negociações sobre esse tema percebe-se uma clara vontade de os países industrializados discutirem essa questão sem levar em consideração, por exemplo, as responsabilidades comuns, porém diferenciadas, ou seja, eles não querem seguir os princípios do Protocolo de Kyoto. Isso seria preocupante, principalmente porque a agricultura está sendo desenvolvida nos países em desenvolvimento.
A Actionaid tem analisado esse tema com bastante atenção, porque trabalhamos em vários países da África e da Ásia e sabemos da importância que a agricultura tem para as populações mais pobres. Apesar disso, o Banco Mundial está propondo a construção de um mercado de carbono para trabalhar com a agricultura. Entretanto, um estudo que realizamos recentemente demonstrou que essa proposta de mercado de carbono seria muito prejudicial para os agricultores familiares, porque eles receberiam poucos recursos, algo em torno de um dólar por ano para capturar carbono. Esse processo ainda é muito inicial e não se consegue medir quanto carbono será capturado. Além disso, qualquer atividade extrema, como uma seca ou uma inundação pode acabar com todo esse processo de captura de carbono. Outra preocupação que temos é em relação ao destino do dinheiro capturado através desse mercado de carbono. Certamente ele não será enviado para os países mais pobres, pelo contrário, continuará nos países industrializados porque são eles que compram e vendem crédito.
IHU On-Line – Um dos principais temas a ser discutido na Rio+20 é a economia verde como alternativa para o desenvolvimento sustentável e eliminação da pobreza. Quais são os limites desta “economia verde”? Em que medida ela é sustentável?
Marcelo Montenegro – A Rio+20 discute o desenvolvimento sustentável, e a questão climática é apenas um dos temas dessa discussão mais ampla. Quando se fala em economia verde, temos de levar em conta o modelo de produção, portanto, a forma de produzir e consumir precisa ser reavaliada, porque o capitalismo está insustentável. A agricultura é um eixo central na discussão de um novo modelo de produção, pois, a partir dela, podemos dar início a uma produção mais sustentável, como a agroecologia.
Nós produzimos um documento para a Rio+20 em que explicitamos questões que deveriam ser debatidas no encontro. Mencionamos a preocupação com os transgênicos, com a nanotecnologia e com a necessidade de haver uma análise cuidadosa dos impactos que estas questões trarão para o meio ambiente.
IHU On-Line – Houve avanços socioeconômicos desde a Eco 92?
Marcelo Montenegro – Houve avanços na questão da proteção da biodiversidade e acesso a recursos naturais, mas ainda falta muito. Estamos um momento-chave para encontrar uma solução. Entretanto, não podemos olhar todas as soluções e acreditar que elas são reais. O mercado de carbono de solo, por exemplo, pode parecer uma solução interessante, mas é uma falsa solução. Precisamos buscar soluções que tragam um benefício para as populações atingidas pelas mudanças climáticas.
IHU On-Line – Como o Brasil deve se posicionar na Rio+20? O que podemos esperar desse encontro?
Marcelo Montenegro – O Brasil, como acolhedor dessa conferência, tem uma função central no debate. Ele tem que tomar a liderança e mostrar um papel progressista, incentivar os países mais vulneráveis e integrá-los. O grupo chamado G77 mais a China terá grande potencial nas negociações, pois conta com a participação de mais de 130 países, praticamente todos em desenvolvimento. Tomara que eles consigam se articular para ganhar força e estabelecer um acordo eficiente.
A Colômbia está propondo uma atualização dos objetivos do desenvolvimento do milênio, com enfoque na sustentabilidade e o Brasil apoia essa ideia. O Brasil, ao mesmo tempo que tem objetivos de desenvolvimento sustentável, também pensa em programas globais socioambientais como uma forma de elaborar políticas e programas que realmente combatam a pobreza extrema. Nesse sentido, o país tem que conduzir essas discussões, dialogar com as demais nações e a União Europeia, que será um ator fundamental para se chegar a um acordo. Há a possibilidade de se chegar a um acordo que seja bom para todos.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Marcelo Montenegro – A Actionaid tem acompanhado as questões climáticas e na segunda quinzena de novembro vamos disponibilizar em nosso site um documento sobre a questão do mercado de carbono de solo, o qual explica por que é importante dizer não a essa iniciativa. Fizemos um estudo sobre os projetos-pilotos que estão sendo elaborados na África e vamos mostrar como eles não têm alcançado o objetivo. Também vamos participar da COP-17 e atualizaremos nosso blog diariamente com informações e negociações da conferência.
(Ecodebate, 10/11/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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Muito diplomática a posição de Montenegro, tanto que nem mesmo se posicionou em relação a economia verde, sabido todo o desgaste do tema, principalmente agora que é enfoque da Rio+20.
Além disso a frase “O capitalismo está insustentável” prevê que o capitalismo possa ser sustentável?
Caso o autor da entrevista ou até mesmo Montenegro tenham acesso e queiram responder aos comentários, gostaria de saber em que medidas e de que forma o capitalismo possa ser sustentável, sabendo de toda a abrangência que o tema concorda, no ambito social, econômico e político.