Código Florestal: CNBB, ambientalistas, indígenas e camponeses pedem mudanças no projeto
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras entidades que integram o Comitê Brasil em Defesa das Florestas apresentaram aos senadores, nesta segunda-feira (31), sugestões ao projeto de reforma do Código Florestal (PLC 30/11), para restringir atividades em Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e de reserva legal.
A principal modificação sugerida diz respeito a artigo do projeto que autoriza a manutenção de atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e de turismo rural existentes em APPs até 22 de junho de 2008 – data da edição do Decreto 6.514/2008, que determina punições para crimes contra o meio ambiente.
Para Raul do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), a data é “inconcebível”, uma vez que a última modificação na delimitação de APPs foi em 1986. Ele sugeriu que, pelo menos, seja acolhida emenda do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), apresentada quando da tramitação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), estabelecendo como marco temporal o dia 24 de agosto de 2001, data da edição da Medida Provisória 2.166-67, que alterou regras para áreas protegidas.
A emenda foi rejeitada pelo relator na CCJ, Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC). Atualmente, o projeto tramita nas comissões de Ciência e Tecnologia (CCT) e Agricultura (CRA), onde também é relatado por Luiz Henrique. Na semana passada, o senador apresentou seu substitutivo nessas comissões e manteve 2008 como marco temporal para a regularização de atividades em APPs.
Segundo Raul do Valle, sob argumentos em defesa de cultivos históricos, como de café, em Minas Gerais, e de uva, no sul do país, poderão ser consolidadas atividades insustentáveis, como as pastagens nas margens dos rios e nos morros.
O dirigente do ISA também rebateu argumento relacionado ao custo da recuperação das áreas de preservação, citando pesquisas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), as quais indicam práticas simples de recuperação da vegetação, a partir do isolamento da área desmatada.
Desastres naturais
No debate, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília, Dom Leonardo Steiner, ponderou que a preservação de APPs também é essencial para reduzir consequências de desastres climáticos e mesmo para evitar enchentes e deslizamentos de terras.
Ele disse esperar que, na construção do novo código, a agenda econômica não fique acima da agenda ambiental.
– A natureza tem reclamado muito desse modo de exploração. Não é por nada que temos tido no Brasil tantas enchentes, inundações e encostas descendo - disse o bispo, ao defender que o novo código tenha uma preocupação ética, que garanta o futuro do país.
Comitês de bacias
Representante da SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani defendeu a participação dos comitês de bacias hidrográficas nas discussões sobre o Código Florestal. Segundo ele, esses comitês não vêm sendo ouvidos. Compostos por membros do governo e da sociedade civil, os comitês de bacias hidrográficas fazem parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Mantovani argumentou que não se deve regularizar a ocupação de margens de rios quando ainda for possível recuperar esses locais. E afirmou que “as conquistas da Lei da Mata Atlântica [Lei 11.428, de 22 de dezembro de 2006] deveriam ser levadas para o Código Florestal”. Essa lei trata da utilização e da proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica.
Comunidades indígenas
Representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Rosane de Matos disse que os indígenas também precisam ser ouvidos, para que não se faça com pressa “uma lei que deixe de fora populações que parecem estar invisíveis ao Estado”.
No debate, o senador Vicentinho Alves (PR-TO) observou que grupos indígenas do seu estado estão “bem antenados” e acompanham a discussão em torno da nova lei florestal. O parlamentar relatou preocupação das comunidades indígenas cujas áreas são cortadas pelo rio Xingu, uma vez que as nascentes ficam fora da reserva.
O representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Busato, denunciou a invasão por madeireiros, no Maranhão, das terras onde vivem os índios Awá Guajá, que estariam isolados e “sendo caçados”.
– Essas terras estão sendo invadidas e desmatadas ilegalmente. O Código Florestal não pode legitimar crimes e ilegalidade – disse Busato.
Agricultura familiar
O tratamento diferenciado para a agricultura familiar no novo Código Florestal foi defendido por todos os convidados. No início da audiência pública, Dom Leonardo Steiner lembrou preocupação da CNBB com esse segmento, “que vive da terra” e nem sempre consegue atender às exigências da legislação ambiental.
No mesmo sentido, José Batista de Oliveira, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina, enfatizou que a preservação de florestas não pode ser vista como conflitante com a produção de alimentos. Ele defendeu mudanças no modelo agrícola do país, para que seja mais sustentável e menos excludente.
No debate, o senador Blairo Maggi (PR-MT) reafirmou sua posição de defesa dos pequenos produtores e da manutenção das atividades desenvolvidas nessas propriedades, mesmo que em áreas de preservação. Ao comentar o assunto, Raul do Valle disse considerar que o tratamento diferenciado deveria ficar restrito aos agricultores familiares, em vez de ser concedido a todas as propriedades com até quatro módulos fiscais, como previsto no projeto.
Matéria de Iara Guimarães Altafin / Agência Senado, publicada pelo EcoDebate, 01/11/2011
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