O aquecimento global já afeta o litoral norte de São Paulo
Mudanças no clima já afetam litoral norte de SP – Além da elevação da maré, inundações e deslizamentos de terra devem ocorrer com maior frequência, aumentando áreas de risco, dizem cientistas
Além de elevar a maré, o fenômeno torna mais comuns eventos climáticos extremos. Catástrofes como deslizamentos e inundações deverão ocorrer com mais frequência na região. O alerta foi dado pela Rede Litoral, grupo que integra cientistas de diversas instituições no Estado e em Minas. Reportagem de Alexandre Gonçalves, em O Estado de S.Paulo.
Paolo Alfredini, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), analisou dados registrados desde 1944 nos marégrafos do litoral norte. Descobriu que a maré baixa tem crescido sete centímetros por década. Ele não tem dúvidas quanto ao papel desempenhado pelo aquecimento global nas transformações. E prevê, para o próximo século, uma taxa de elevação da maré de um centímetro por ano.
A frequência de chuvas torrenciais também preocupa. A pesquisadora Graziela Balda Scofield, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec-Inpe), reuniu os dados de 1970 a 1999 de sete pluviômetros distribuídos na região costeira do litoral norte.
Graziela criou um modelo computacional para analisar a evolução das chuvas e identificou um provável aumento no número de fenômenos de maior intensidade na região.
A pesquisadora afirma que não é possível atribuir, de forma inequívoca, a mudança ao aquecimento global, embora a hipótese seja plausível.
Há fortes indícios de uma intensificação dos fenômenos climáticos. Em Caraguatatuba, o modelo apontou uma diminuição no número de dias com chuvas no ano, mas a precipitação total permaneceu estável. Na prática, ocorreram mais eventos com chuva intensa no ano. Resultados semelhantes foram obtidos para as demais cidades: São Sebastião, Ubatuba e Ilha Bela.
Desastre. Os municípios do litoral norte estão prensados em uma faixa estreita de terra entre a Serra do Mar e o Oceano Atlântico, descreve Marcos Eduardo Cordeiro Bernardes, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei). “A elevação do nível do mar e a intensificação das chuvas, que fazem transbordar os rios que descem a serra, tornam as cidades vulneráveis”, diz.
Ele está estudando o impacto dos eventos climáticos na dinâmica da água e dos sedimentos levados pela correnteza ou pela maré. Sua pesquisa tentará responder, por exemplo, o impacto das mudanças em um possível assoreamento do Rio Juqueriquerê, único navegável na região.
Apenas 5% das regiões costeiras no litoral norte não apresentam risco algum de desastre natural. O porcentual constitui uma primeira aproximação, fruto dos cálculos de estudiosos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O pesquisador do ITA, Wilson Cabral de Souza Junior, pretende agora estimar a vulnerabilidade específica – que pode variar de baixa a alta – nas regiões onde há algum risco (ou seja, 95% do território).
Souza Junior coordena um grupo que tenta estimar os custos financeiros e humanos dos eventos climáticos extremos. Outra equipe do instituto procura identificar como os materiais e estruturas utilizados em obras de engenharia na região reagem às intempéries decorrentes do aquecimento global.
Propostas. “Há também um terceiro grupo que pretende formular propostas e políticas que possam ser aplicadas na região para minimizar o risco”, explica Wilson, que também atua como coordenador geral da rede. “Mas o trabalho ainda é incipiente.”
Bernardes não tem dúvida de que a rede só se justifica se produzir conhecimento capaz de ser traduzido em políticas públicas. “Estamos tentando estabelecer uma colaboração com as prefeituras do local”, afirma.
Emilia Arasaki, da Poli-USP, também considera importante o diálogo com as autoridades locais. “Mas é um enorme desafio para os políticos: algumas decisões necessárias não são populares, como remover moradores de uma área de risco.”
O grupo já realizou três workshops. Dois deles dentro das instituições de pesquisa que apoiam a rede e um, em Caraguatatuba. O próximo, que ocorrerá nos dias 24 e 25 de novembro, será em São Sebastião (SP). A ideia é atrair para o debate gestores públicos e associações da sociedade civil.
‘A questão é quando vai acontecer algo ruim’
A aposentada Maria José da Silva, de 65 anos, mudou-se há 26 anos para Caraguatatuba, no litoral norte paulista. Queria tratar achaques do coração e dos ossos. Seu trabalho é sentar sob um toldo na calçada e vigia carros de médicos, dentistas e enfermeiros no posto de saúde do bairro Casa Branca. Sua casa está no sopé de um morro que técnicos consideram área de risco, mas garante que não tem medo: “Não vai acontecer nada não.”
Emanoel Gomes de Carvalho discorda. Ele já trabalhou na Defesa Civil do município e hoje atua no Grupo de Auxílio Civil (GAC), organização que colabora com as autoridades locais em situações de emergência. Ele acredita que o futuro reserva desastres graves. “Áreas de risco são assim. A questão não é se vai acontecer algo ruim, mas quando algo ruim vai acontecer”, afirma. Emanoel conhece bem a região e guiou cientistas da Rede Litoral que queriam conhecer áreas vulneráveis da cidade.
Ele aponta que quase todas as pessoas que vivem em áreas consideradas de risco convencem-se de que não há problema algum. A emprega doméstica Valdineia Anerth, de 36 anos, é vizinha de Maria José. Quando começa a chover à noite, recebe sempre uma ligação da sogra: “Vem dormir aqui em casa com as crianças. Tenho medo que a casa de vocês caia.” Mas ela nunca vai. “Não tenho medo”, diz.
Mas o pesquisador Paolo Alfredini, da Escola Politécnica da USP (Poli-USP), teme o que pode acontecer. Ele recorda a tragédia de 1967, quando um deslizamento em Caraguatatuba deixou 436 mortos e cerca de 3 mil desabrigados. “Isso ocorreu quando Caraguatatuba tinha 15 mil habitantes”, recorda. “Hoje a cidade tem 100 mil, grande parte vivendo em áreas de risco.”
Ele espera que os estudos da Rede Litoral sirvam para evitar tragédias semelhantes ou de ainda maiores proporções. / A.G.
Caraguatatuba foi em boa parte destruída por uma catástrofe causada pelas chuvas em 1967. Mais de 40 anos depois, áreas de risco afetadas na época estão novamente ocupadas por invasões. São os casos do Bairro do Rio do Ouro, Caputera e Benfica.
EcoDebate, 25/10/2011
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