Julgamento no TRF1 pode definir procedimentos para hidrelétricas na Amazônia
Confirmar o direito de povos indígenas à consulta prévia pode determinar mudanças em vários empreendimentos que o governo federal projeta na região
O julgamento da próxima segunda-feira, 17 de outubro, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, pode determinar mudanças em várias usinas hidrelétricas que o governo brasileiro projeta para os rios da Amazônia. Será julgado o pedido do Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) para que povos indígenas afetados sejam consultados antes da autorização legislativa prevista na Constituição para esse tipo de empreendimento.
O caso em questão é o da usina de Belo Monte, mas para o MPF/PA uma decisão favorável ao texto constitucional protegerá o exercício do direito à consulta prévia em outras usinas projetadas para rios da região, que afetam terras indígenas. Existem usinas planejadas para os rios Tapajós, Teles Pires, Tocantins e Araguaia, para citar apenas bacias hidrográficas que banham o território paraense.
“A questão da consulta é fundamental em vários projetos de infraestrutura que vêm ocasionando conflitos não só na Amazônia brasileira como nas porções amazônicas de países vizinhos. É também um dos motivos pelos quais o Brasil foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A justiça brasileira tem que garantir o efetivo respeito a esse direito dos povos indígenas porque está em jogo a integridade de seus territórios e, portanto, de sua sobrevivência física e cultural”, explica o procurador da República Bruno Gütschow, que atua no caso.
A consulta prévia está prevista como condição para a autorização legislativa no artigo 231 da Constituição brasileira. Mas também é direito garantido aos povos indígenas e tribais pela comunidade internacional por meio da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, à qual o Brasil aderiu em 2002.
“Queremos apenas que a Constituição brasileira seja cumprida, no caso de Belo Monte e em todos os outros. O sentido do artigo 231 é de garantir o direito dos povos indígenas a uma consulta política, deliberativa, em que eles sejam respeitados em seu direito de existência pelo Estado brasileiro. A carta magna prevê essa garantia, junto com uma série de outras, para evitar as arbitrariedades do passado, inclusive em projetos de infraestrutura, que deslocaram e até exterminaram populações indígenas”, afirma o procurador Felício Pontes Jr, que deverá acompanhar o julgamento em Brasília.
Até o ano passado, a principal argumentação da Advocacia Geral da União (AGU), que representa o governo federal no processo judicial sobre Belo Monte, era que a consulta não precisava ser prévia e poderia ser realizada durante o licenciamento por funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai). Esse argumento foi derrubado em 2006 pelo próprio TRF1.
“A Funai, os índios, ribeirinhos, comunidades urbanas, ambientalistas, religiosos etc., todos podem ser ouvidos em audiência pública inserida no procedimento de licenciamento ambiental. Tal audiência realizada pelo Ibama para colher subsídios tem natureza técnica. A consulta realizada pelo Congresso às comunidades afetadas por obras em suas terras tem por objetivo subsidiar a decisão política”. O texto é do acórdão aprovado por unanimidade, em caráter liminar, na mesma quinta turma do Tribunal que vai apreciar o mérito do caso na semana que vem.
Mudança – No ano passado, às vésperas do julgamento de mérito, que havia sido marcado para 22 de novembro, a AGU pediu adiamento para apresentar argumentação diferente no processo. O governo passou a sustentar então, que não só a consulta como o próprio decreto legislativo são desnecessários para Belo Monte, porque a usina não fica “em terras indígenas”, mas sim contígua às reservas Arara da Volta Grande e Paquiçamba.
O procurador regional da República Odim Brandão Ferreira, que também atua no caso, respondeu à AGU em parecer: “Toda a construção dos réus assenta-se no pressuposto linguístico não demonstrado de que alocução em terras indígenas teria como único equivalente semântico a expressão no interior de terras indígenas”.
O parecer cita textos de linguistas para mostrar a impropriedade da interpretação restrita do texto constitucional: “Celso Cunha e Luís Cintra atribuem à partícula em díspares sentidos espaciais. ‘Posição no interior de, dentro dos limites de, em contato com, em cima de’”. E lembra o poeta Carlos Drummond de Andrade, que de acordo com o procurador, “aniquila a pretensão unívoca dos réus: um gato vive um pouco nas poltronas, no cimento ao sol, no telhado sob a lua”.
Para o MPF, “algo semelhante ocorre com as terras indígenas contíguas ao rio em causa [o Xingu], com a agravante de que suas águas são cruciais para a sobrevivência biológica e cultural das comunidades indígenas”.
Em análise final, o que o MPF sustenta é que a razão da existência do artigo 231 na Constituição brasileira é que “qualquer proteção aos índios não passará de mera retórica se não se lhes assegurarem suas terras com seus atributos naturais”.
Para os procuradores da República que atuam no caso, “em radical diferença com a sociedade ocidental que a utiliza até como objeto de especulação, a terra é condição de possibilidade material de todos os demais direitos indígenas, desde o mais concreto, de sua sobrevivência biológica, até os mais abstratos, como o de preservação de sua identidade cultural”.
O processo 2006.39.03.000711-8 irá a julgamento na próxima segunda-feira, às 14 horas, na 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.
Fonte: Ministério Público Federal no Pará
EcoDebate, 17/10/2011
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