Ser Pará, não separar… artigo de Nelson Tembra
[EcoDebate] Em aproximadamente três meses, a população do Pará deverá ir às urnas para opinar sobre a criação de mais dois Estados na região norte do Brasil: Tapajós e Carajás. A idéia é que o Estado do Pará seja dividido em três.
Frente aos conflitos das elites locais e acusações de interesses políticos pela criação de cargos e amplas divergências sobre como combater as desigualdades sociais e trazer desenvolvimento, resta perguntar quem iria se beneficiar com a nova divisão do Pará? Qual o interesse político em relação a esse projeto? Qual é a principal finalidade da divisão? Seria a grande maioria da sociedade contemplada com políticas públicas eficientes? Devemos perguntar quais conseqüências esse desmembramento causaria para o Estado do Pará e tentar identificar os reais interesses dessa ação.
Territorialmente, com a divisão, Tapajós ficaria com 27 municípios localizados na parte oeste do Pará, onde vivem aproximadamente um milhão e setecentos mil habitantes. Tapajós corresponderia a cerca de metade do atual território paraense. Carajás, por sua vez, reuniria 39 municípios ao sul e sudeste com cerca de um milhão e meio de pessoas e abrigaria exclusivamente uma das maiores províncias minerais do planeta.
E o que restaria ao novo Estado do Pará? Ficaria com 78 municípios e dois milhões e novecentos mil habitantes, só que desprovidos dos ativos de estoques ambientais representados pelos recursos naturais renováveis e não renováveis concentrados nas regiões oeste, sul e sudeste do Estado. Ou seja, o Pará apenas entregaria “de mão beijada” a “alienígenas” suas principais riquezas minerais, os recursos hídricos e a biodiversidade, fazendo uma espécie de “loteamento” desses recursos, possivelmente para o benefício orquestrado de interesses ocultos de políticos a serviço de poderosos e de grandes grupos econômicos, e só multiplicaria ainda mais a pobreza. É grande a ambição sobre os royalties da mineração, dos recursos hídricos e de outras riquezas. E ao que tudo indica o grande interesse nessa divisão seria definir quem iria ficar com esses royalties, numa divisão em que parece esquecer ou manter excluida a população que deveria ser beneficiada.
Outro aspecto importante já levantado por especialistas é que o Pará possui dezessete deputados federais e pela Constituição cada estado deve eleger oito deputados federais. Então, basta fazer os cálculos imaginando que o Estado do Pará seja dividido em três. Cada um desses novos estados terá que eleger oito deputados federais. Três vezes oito é igual a vinte e quatro novos deputados federais, ou seja, teríamos que aumentar de 17 para 24. Se hoje temos 513 deputados na Câmara dos Deputados, teríamos que aumentar para 520. Imagine quem vai querer em sã consciência sustentar mais 7 além dos 513 deputados federais já existentes, o que já é um número absurdo e que deveria no mínimo ser enxugado para a metade?
Cada deputado gasta a média de R$ 27 milhões em quatro anos de mandato. Os sete novos deputados federais custariam mais de R$ 190 milhões ao erário, sem contar as emendas parlamentares, a construção de anexos, a construção de novos gabinetes para acomodá-los, e que teríamos mais seis novos senadores, quarenta e oito novos deputados estaduais, duas novas Assembléias Legislativas, dois novos Governos Estaduais, Secretarias, Tribunais de Justiça, enfim, milhares de funcionários públicos para serem sustentados “nas tetas” dessa máquina. Até parece que o dinheiro está sobrando no Pará, e que em muitas de nossas escolas públicas o teto não está desabando na cabeça dos alunos, que os sanitários dessas escolas são “um brinco” de funcionalidade e higiene, que estamos todos muito bem servidos em termos de saúde, segurança pública, etc, enfim, que não existem outras prioridades urgentíssimas em nosso estado.
O IPEA já calculou o custo de manutenção desses novos estados, sendo R$ 2,2 bilhões para o Tapajós, e R$ 2,9 bilhões para Carajás. O problema é que a arrecadação não cobriria esses volumes e haveria um déficit de R$ 2,16 bilhões que seria necessariamente coberto pelo governo federal custeados com o nosso já sacrificado dinheirinho.
O fato é que dentre os grandes interessados na divisão do Pará estão os pretendentes a cargos políticos, que querem ser governador, deputado estadual, funcionário público, deputado federal, que, de certo modo, poderão ter grande poder de decisão na viabilização dos projetos de interesses privados principalmente os de exploração dos ricos recursos minerais e da biodiversidade.
Em vez de se concentrar esforços na raiz do problema, que é a péssima administração pública, a proposta de divisão do estado do Pará representa mais uma solução mirabolante, portanto, devemos pedir a todos habitantes do Pará que votem NÂO nas duas perguntas do Plebiscito, e que convençam todas as pessoas que puderem a também votar NÃO. Afinal, não será inchando a máquina pública e com o loteamento dos nossos recursos naturais que o problema será resolvido. Devemos resolver os problemas, e não multiplicá-los.
Abraço do Nelson Tembra
* Nelson Tembra, Belém/Pa, Eng. Agrônomo, é colaborador do EcoDebate.
EcoDebate, 20/09/2011
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Gostei do artigo pois argumentou com dados porque querem criar mais 2 estados no Pará e porque vale a pena não separar as 3 grandes regiões, diferentes mas que se complemetam se juntas. Grandes interesses políticos e economicos e total desconsideração com a realidade da população paraense que mais do que nunca clama por distribuição de renda e por politicas públicas (saude, educação, fiscalização do trabalho escravo e violencia). Se fosse paraense, votaria contra separar e continuaria sendo PARAENSE com esse imenso território, rico e diversificado com tantas riquezas naturais que, se exploradas de forma sustentável, podem sim melhorar as condições de vida da população.
Não vamos criar empregos para corruptos, ótma postagem e tenho certeza que isso é puro interesse!
55 neles!
Além dos aspectos assinalados por Nelson Tembra, há que salientar outros pontos importantes. O Senado, que teoricamente representa os Estados da Federação, conta com 81 senadores (3 senadores por Estado, inclusive o Distrito Federal). Com a divisão do Pará, haverá 87 senadores. O que é demais. Ora, atualmente, 25% das cadeiras senatoriais pertencem a região Norte, ou seja, um quarto do Senado Federal. No entanto, a região conta 15,8 milhões de habitantes, ou seja, 8% da população total do país (190,7 milhões).É uma das razões que explica, em parte, a existência, a sobrevivência e o poder de senadores como José Ribamar de Araujo Costa, mais conhecido como Zé Sarney, ou Romero Jucá, entre muitas outras espressões daquilo que Sérgio Buarque de Holanda intitulou de “homem cordial”. Eles são eleitos com 100 mil votos e têm um peso desmedido no espectro político brasileiro. A somatória dos sufrágios alcançados pelos dois acima nomeados é inferior ao número de votos do quarto colocado para o Senado em Pernambuco. Ao criar mais estados haverá um desequilíbrio ainda maior na representatividade parlamentar. Ela somente seria aceitável se o estado de Minas Gerais fosse dividido em 4 outros estados, o de São Paulo em 6, o da Bahia em 3, e assim por diante. Sem falar no numero de deputados, que deverá aumentar, favorecendo ainda mais a desigualdade da representação. Ao invés de aproximarmos de uma situação onde “um cidadão é igual um voto”, o que seria ideal, estaríamos nos distanciando disto. Mesmo aceitando a tese da necessidade de se repartir a representatividade de maneira a não gerar uma região hegemônica com um peso muito grande na federação.
Outro problema é o Fundo de Participação dos Estados (FPE). Ele é formado por 21,5% do total da arrecadação do IPI e do Imposto de Renda. O Pará recebe R$ 2,98 bilhões anuais de FPE, para uma arrecadação própria (ICMS) da ordem de R$ 4,29 bilhões. Mas no caso dos últimos estados criados, eles são completamente tributários do FPE. A relação entre o imposto estadual (ICMS) e o FPE dos estados do Acre, Roraima, Tocantins, Amapá corresponde respectivamente aos índices 0,27; 0,2; 0,42 e 0,22. O índice 1 indicaria que a arrecadação de ICMS seria igual ao FPE. Como ficaria esta repartição com os novos estados?
Outro problema é a criação de mais um Judiciário, um Ministério Público, um Legislativo e um Tribunal de Contas, além do executivo com Governador, Secretarias, e tutti quanti. Ainda mais quando sabemos que em muitos estados, o custo do Judiciário, Ministério Público, Legislativo e Tribunal de Contas, destas quatro entidades, correspondem a aproximadamente 20% da receita total (FPE e ICMS).
Este debate deve ser levado adiante.
Sou contra a divisão do Pará, mas não concordo com os argumento usados, pois quando o Nelson diz que “… o Pará entregaria “de mão beijada” a “alienígenas” suas principais riquezas minerais, os recursos hídricos e a biodiversidade, fazendo uma espécie de “loteamento” desses recursos, possivelmente para o benefício orquestrado de interesses ocultos de políticos a serviço de poderosos e de grandes grupos econômicos…” O Pará já faz isso hoje, sem o Tapajós e o Carajás. Basta ver o que temos por aqui.
Outra: quem conhece as regiões sabe muito bem do total abandono que elas estão relegadas. Hoje o Pará é a Região metropolitana de Belém, o resto é resto.
Muito esclarecedor…não a divisão.