Comunidades ribeirinhas do Alto Solimões resgatam raiz indígena para lutar contra abandono
Estudo com comunidades ribeirinhas do Alto Solimões, região do estado do Amazonas, revelou que a construção das identidades coletivas das comunidades está diretamente vinculada com a carência de serviços sociais básicos. A pesquisa do psicólogo Marcelo Gustavo Aguilar Calegare revela que muitas comunidades ribeirinhas do município de Tabatinga (AM) estão resgatando e reconstruindo suas identidades indígenas na tentativa de suprir o abandono do poder público local.
A pesquisa de doutorado Contribuições da Psicologia Social ao estudo de uma comunidade ribeirinha no Alto Solimões: redes comunitárias e identidades coletivas foi realizada no Instituto de Psicologia (IP) da USP, com orientação do professor Nelson da Silva Junior. Segundo Calegare, as comunidades ribeirinhas dificilmente recebem investimentos de melhoria de serviços sociais nas áreas de saúde, educação e infraestrutura. “A administração pública julga que estas populações moram em locais inadequados. Por isso, as ignora no intuito de forçar a saída destes moradores”, relata.
Em reação a este tipo de ‘política pública’, as comunidades ribeirinhas se organizam e recorrem às raízes indígenas para usufruírem de benefícios assegurados pela Constituição aos índios, como forma de luta pelos seus direitos e barganha política. “A identidade coletiva destes grupos é construída a partir de suas lutas políticas e em função do abandono do Estado. Tanto é que não há nenhuma reconstrução do ‘ser indígena’, é apenas a forma que encontraram de lutar por seus direitos em um Estado negligente”, ressalta Calegare.
Na contramão da sustentabilidade
De acordo com o estudo, ações executadas pelo poder público local vão no sentido contrário ao discurso de desenvolvimento sustentável idealizado por diversos governos para a Amazônia. “As autoridades locais renegam as comunidades que vivem às margens do Rio Solimões e que dependem e usufruem dos recursos naturais de maneira harmônica”, relata o psicólogo que durante quatro anos, de 2006 a 2009, viajou para analisar o modo de vida dessas comunidades.
Calegare cita o exemplo de Tauaru, comunidade que recebeu do Estado a proposta de se deslocar das margens do Solimões. “Foi feita a proposta para que os moradores se mudassem para uma área de terra firme. Contudo, a grande maioria dos tauarenses recusou a oferta.”
Família e religião
A forma como as comunidades em questão se organizam no processo de construção de suas identidades e da luta por seus direitos perpassam duas grandes instituições sociais: a família e a Igreja. “Quase todas as comunidades seguem uma religião, o que determina a maneira delas se organizarem e sua conduta. A religião está muito presente nestas áreas”, afirma o pesquisador. Além disso, a organização dos grupos é dependente dos laços de parentesco da comunidade e do nicho de atuação (como pesca, extrativismo e agricultura) determinado pelas famílias dominantes.
Para Calegare, os mecanismos que conduzem à organização coletiva passam pelas relações de parentesco. As famílias se unem, formam associações e depois deliberam os rumos de suas ações, elaboram abaixo-assinados, dirigem-se às autoridades responsáveis e reivindicam suas necessidades.
“O elemento central da organização destas comunidades são os laços de parentesco. Por isso, o processo de resgate da identidade indígena, que visava benefícios sociais, durou de 2002 a 2011. Este tempo foi necessário para que houvesse consenso entre as famílias de toda a comunidade”, conclui.
Mais informações: mgacalegare@gmail.com
Reportagem de Marcelo Pellegrini, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 20/09/2011
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