Loucura geral, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] “Deprimido não, triste”, respondeu o cantor Roberto Carlos quando ficou viúvo há alguns anos, o que levou o pediatra Renato Termignoni a citá-lo em suas palestras como exemplo de “resistência” ao modismo dos diagnósticos. Professor de Pediatria na UFRGS, Termignoni está vendo crianças medicadas cada vez mais precocemente e um fenômeno de “hiperdiagnóstico” de hiperatividade e bipolaridade, entre outros. Machado de Assis profetizou em “O Alienista” essa generalização dos diagnósticos psiquiátricos, um século antes do “boom” da indústria farmacêutica. Quer dizer, não é uma questão só econômica, de propaganda dos remédios, há uma reação humana instintiva contra quem nos causa “desconforto”, do tipo “se você pensa assim, é porque você é doente”. Machado conheceu bem esse tipo de preconceito, pois era epilético.
Livros de Pediatria advertiam que as crianças não deveriam receber medicação psiquiátrica sem psicoterapia, um espaço que possibilita descobrir os conflitos dos pais inclusive, mas esse preceito não é seguido na prática. Pesquisas médicas comprovam que há “subdiagnóstico” de algumas doenças, como o alcoolismo, escondido dos médicos pela vergonha que acarreta para pacientes e mesmo para familiares.
Mas não há notícias de pesquisas sobre o excesso de diagnósticos de outros tipos. Rotular é confortável, das mais diversas formas, como observou o psicólogo Carl Rogers “se eu digo que alguém tem um transtorno não preciso pensar mais nele como pessoa, o transtorno explica tudo”. É uma arma que serve para todas as situações competitivas, nas corporações se disputam cargos de acordo com quem é mais ou menos “produtivo”, na política sempre foi usada para invalidar argumentos ao se acusar o outro de ser “de direita” ou “esquerdista”, dependendo do grupo onde ocorrer a discussão.
Também é moda agora criminalizar os políticos, como desabafou o deputado Reguffe, de Brasília (reconhecido pelos jornalistas da Cãmara por sua atuação, junto com Chico Alencar e Jean Wyllys), contando que foi barrado quando tentou participar da marcha anti-corrupção, porque era “político”. Reguffe, Jean Wyllys e outra jovem revelação, o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), participaram de reunião “por uma nova política” essa semana junto com outros de longo currículo na nossa história democrática, como Suplicy e Marina, num debate sobre alternativas de resgate da prática política.
Há muito a fazer porque a “democracia” , afinal, é um princípio e não um fim em si mesmo. Há notícias de que os Talibãs podem ganhar a guerra e ganhariam eleições no Afeganistão, com todas as atrocidades que cometem contra as mulheres. Hitler, antes de se tornar ditador, havia sido eleito. E a democracia nos países árabes, que ainda não existe apesar das “revoluções”, quando se concretizar também será muito diferente das ocidentais. Democracia, enfim, depende do tipo de cultura prevalente em cada sociedade. Não basta lutar para “aprofundar a democracia”, é preciso saber em que cultura vivemos, afinal.
Crianças que incomodam seus pais, saibam que serão diagnosticadas e medicadas cada vez mais cedo. Não existe nenhuma entidade, no momento, que esteja questionando essa forma de “resolução de problemas”. Atribuir “loucuras” a quem não se comporta como “deveria”, afinal, está sendo “democratizado” para atingir a todos, como previu nosso genial e epilético Machado.
Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 16/09/2011
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