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Trabalho infantil artístico: As crianças que trabalham bem diante do seu nariz

 

“Se o trabalho infantil é proibido, porque ele é permitido na televisão e demais segmentos artísticos?”, questiona livro de mestranda da Faculdade de Saúde Pública

Por Isabela Morais

Crianças sob as luzes das artes encantam gerações de adultos há décadas. Em 1921, Jackie Coogan no filme O garoto, de Charles Chaplin, foi um dos primeiros dessas pequenas estrelas do mundo artístico. Mais recentes são Macaulay Culkin, de Esqueceram de mim e Haley Joel Osment, de O sexto sentido e AI – inteligência artificial. Mas a advogada trabalhista Sandra Regina Cavalcante, mestranda em saúde do trabalhador pela Faculdade de Saúde Pública (FSP), não consegue mais se fascinar com essas apresentações artísticas de crianças.

Sandra é autora do recém-lançado livro Trabalho infantil artístico: do deslumbramento à ilegalidade, fruto de sua monografia desenvolvida no curso de especialização em Direito do Trabalho da Escola Superior de Advocacia (OAB-SP). Agora, a autora pretende continuar o estudo do tema em seu mestrado na USP. “A sociedade fica deslumbrada com as crianças atuando. Mas até que ponto essa atividade é legal e saudável para elas?”, Sandra questiona.

Para a mestranda, é fundamental que haja o contato das crianças com a arte, mas fazê-las participar de um processo em que são apenas uma matéria-prima de um produto comercialmente construído é prejudicial. Ela completa, “o talento em si não gera problemas. O problema acontece no tipo de vida que aquela criança ou adolescente vai ter. Para quem assiste, é lazer, mas para quem está ali, sob as luzes, é trabalho, e trabalho duro: a bailarina, linda, leve e solta é cheia de calos nos pés. Quando o pianista toca, seus ombros latejam de dor”.

Sandra Regina Cavalcante

A pesquisa questiona o comportamento social que, ao mesmo tempo em que reprova o trabalho infantil na agricultura, em carvoarias ou em ambientes domésticos, aplaude e admira os pequenos artistas, seja em novelas, campanhas publicitárias, desfiles de moda, musicais ou espetáculos teatrais. “A sociedade brasileira se curva deslumbrada ao glamour de quem se expõe à carreira artística”, escreve Sandra.

E esse glamour seduz tanto adultos quanto crianças. A pesquisa Ibope Mídia, de 2009, apontou que as crianças de 4 a 11 anos passam cerca de cinco horas em frente ao televisor. De acordo com a mestranda, as profissões mais expostas nessa mídia não são a do artista plástico ou a do cientista, mas sim a da modelo, a do cantor e a da atriz. Essa influência gera um consumo exagerado de modismos, incentivando o trabalho infantil nas artes. De suas experiências, ela relata o deslumbramento entre os responsáveis: “As mães ficam contentes, ligam para as amigas e avisam que o filho vai aparecer na televisão”.

Grande parte dos pais não está preparada para dizer não aos convites e estabelecer limites para que seus filhos possam viver uma rotina de criança, afirma. Após ter ouvido frases como “essas crianças têm pai e mãe pra cuidar delas, a justiça deve se preocupar com quem é órfão ou com as crianças abandonadas na rua”, Sandra questiona: “Será que não há várias coisas em comum entre a criança que está vendendo bala no farol e aquela que está ali num estúdio querendo fazer outra coisa?”

A lei brasileira proíbe o trabalho de menores de quatorze anos. A única exceção ocorre para o trabalho de adolescentes de 14 a 16 anos na condição de aprendiz. Trabalhos noturnos, perigosos ou insalubres não podem ser realizados até 18 anos. Sandra, porém, diz que “embora haja essa proibição, o Brasil ratificou uma convenção internacional e por isso, ela também faz lei em nosso país. Nessa convenção há uma brecha para participações artísticas de crianças”.

A convenção em questão é a número 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelece que o trabalho artístico infantil pode ser autorizado, excepcionalmente, com um alvará judicial. “Espera-se que nessa autorização o juiz exija a frequência na escola, um acompanhamento psicológico, definição de horários de trabalho e horários de lazer. Uma criança tem que ter tempo para não fazer nada, para brincar. O alvará deve considerar tudo isso”, ela explica.

No meio artístico, porém, Sandra afirma que a emissão de alvarás acontece, em geral, apenas para papéis fixos numa novela, ou para apresentadores mirins de programas de tevê. “Em outros casos, como a figuração e a publicidade, é mais comum que exista apenas um termo de cessão de uso imagem, assinado pelos pais. Se não há um alvará, a atividade é ilegal”.

Sua mais recente preocupação é o Projeto de Lei 83/2006 que está em tramitação no senado. O documento prevê deixar a cargo dos pais a autorização para que crianças e adolescentes atuem como artistas em espetáculos comerciais. “Temos esperança de que este projeto seja vetado”. Segundo a mestranda, o projeto de lei é prejudicial, pois são justamente os responsáveis legais pela criança que se beneficiam dos frutos do trabalho. Sandra conclui: “Ao meu ver, tanto Estado, quanto sociedade e família estão falhando ao zelar e garantir o pleno acesso à formação, à educação e ao lazer às crianças que estão atuando no mercado artístico”.

O espaço Aberto é uma publicação mensal da Universidade de São Paulo e produzida pela Coordenadoria de comunicação Social

Reportagem da Revista Espaço Aberto n. 131, EcoDebate, 14/09/2011

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