Novo Código Florestal: um retrocesso. Entrevista com Valério Pillar, UFRGS
O texto do novo Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados prejudica “o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil até 2020: reduzir em 38% suas emissões de gases do efeito estufa”, menciona Pillar à IHU On-Line. Apesar de o Código vigente ser “bastante avançado” em relação à proteção da biodiversidade em propriedades rurais e urbanas, as leis não são cumpridas. “Se o Código Florestal vigente fosse cumprido, não teríamos situações como a que se observa no Planalto Médio do Rio Grande do Sul, onde grandes áreas contínuas originalmente cobertas com campos nativos foram convertidas em lavouras de soja”, explica.
Em entrevista concedida por e-mail, Pillar argumenta que faltam políticas públicas de incentivo à “diversificação dos sistemas de produção agrícola e o cumprimento da legislação ambiental, evitando que extensas áreas sejam ocupadas pela mesma cultura”.
Valério Pillar é professor e vice-diretor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria, mestrado em Zootecnia pela UFRGS e doutorado em Plant Sciences pela University of Western Ontário.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por que, em sua opinião, o novo texto do Código Florestal exclui os apontamentos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC?
Valério Pillar – Provavelmente porque o documento da SBPC e a Academia Brasileira de Ciência – ABC é crítico a respeito da decisão que a Câmara de Deputados veio a tomar depois, qual seja, a de aprovar alterações no Código Florestal sem uma discussão mais adequada das suas consequências. A discussão prévia promovida pela comissão especial da Câmara de Deputados não incluiu a participação de cientistas brasileiros com experiência nas áreas de ecologia e biodiversidade. O documento da SBPC e ABC aponta equívocos nas alterações que foram depois aprovadas pela Câmara Federal, as quais prejudicam, por exemplo, o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil de até 2020: reduzir em 38% suas emissões de gases do efeito estufa, pois isso exigiria o cumprimento da legislação ambiental e o resgate do passivo ambiental rural e urbano.
IHU On-Line – Quais são os principais problemas do Código Florestal vigente?
Valério Pillar – O Código Florestal vigente é bastante avançado na proteção da biodiversidade nas propriedades rurais e urbanas e dos processos e serviços ecossistêmicos a ela relacionados, os quais são essenciais para a manutenção de uma produção agropecuária sustentável e do bem-estar de toda a sociedade. O Código Florestal vigente é de 1965 (lei n. 4771) e, desde então, foi modificado no sentido de ampliar a proteção a determinados ecossistemas, por exemplo, aumentando as áreas de Reserva Legal na Amazônia e incluindo no conceito de Reserva Legal os ecossistemas não florestais como os Campos Sulinos. Algumas dessas alterações foram realizadas por meio de Medidas Provisórias que, apesar de terem força de lei, precisariam ser consolidadas no Código. Além disso, apesar de ser “florestal” no título, protege todas as demais formas de vegetação, inclusive com Reserva Legal, o que muitas vezes não é percebido e resulta em graves equívocos na sua aplicação. Mas esses são problemas menores e que não justificariam tanta discussão.
O principal problema é que o Código Florestal vigente não tem sido cumprido pela grande maioria dos proprietários. Quando medidas passaram a ser tomadas pelo governo federal, tais como o Decreto 6514, prevendo sanções àqueles proprietários que, por exemplo, não averbassem as áreas de Reserva Legal, a Câmara Federal decidiu criar uma Comissão Especial para discutir propostas de mudança no Código Florestal. Ou seja, em vez de criar as condições para que a lei vigente fosse cumprida, por exemplo, definindo políticas públicas de incentivo, o legislador decidiu alterar a lei e anistiar aqueles que a descumpriram. Várias mudanças já aprovadas pela Câmara Federal, e em discussão no Senado, implicam em grave retrocesso.
IHU On-Line – Que aspectos ambientais e científicos o novo Código Florestal deveria considerar para beneficiar a agricultura familiar?
Valério Pillar – O Código Florestal vigente já trata de maneira diferenciada a agricultura familiar, por exemplo, ao permitir que Áreas de Preservação Permanente – APPs sejam computadas na Reserva Legal ou que sejam utilizadas em condições de manejo sustentável, e também ao permitir que sejam computados como Reserva Legal os plantios de árvores frutíferas intercalados com espécies nativas. Portanto, não se justifica alterar o atual Código no pretexto de beneficiar a agricultura familiar.
IHU On-Line – Que políticas públicas faltam para a agricultura?
Valério Pillar – Políticas públicas que incentivem a diversificação dos sistemas de produção agrícola e o cumprimento da legislação ambiental, evitando que extensas áreas sejam ocupadas pela mesma cultura. Se o Código Florestal vigente fosse cumprido, não teríamos situações como a que se observa no Planalto Médio do Rio Grande do Sul, onde grandes áreas contínuas originalmente cobertas com campos nativos foram convertidas em lavouras de soja. Hoje, restam poucos remanescentes de vegetação campestre nativa naquela região. Há evidências de que a conversão de ecosssistemas naturais em cultivados e a sua consequente fragmentação são as principais causas das extinções de espécies que têm ocorrido nas últimas décadas.
IHU On-Line – Quais são suas críticas em relação à proposta de reservas legais apresentadas pelo novo Código Florestal? Como a nova proposta impacta na preservação dos biomas?
Valério Pillar – O novo Código Florestal, se aprovado pelo Senado, define como “área rural consolidada” as áreas naturais convertidas ilegalmente até julho de 2008. As principais críticas são: (1) a isenção de restauração (recomposição ou recuperação) dessas áreas consolidadas e que deveriam ser Reserva Legal nas propriedades com até quatro módulos fiscais; e (2) a possibilidade de compensação no mesmo bioma.
Quanto à isenção, segundo estimativas do Ipea, o passivo total isento de ser recuperado seria aproximadamente de 30 milhões de hectares se a isenção para propriedades com até quatro módulos for aprovada no novo Código Florestal; e se a isenção for ampliada para a fração de até quatro módulos em todas as propriedades, então o passivo isento de restauração seria de cerca de 48 milhões de hectares.
Quanto à compensação, o atual Código Florestal permite compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, ou seja, garantiria o desenvolvimento de paisagens agrícolas mais diversificadas. A proposta que está em discussão no Senado permite a compensação em áreas do mesmo bioma, mesmo que estejam a milhares de quilômetros de distância. Com isso, se a nova legislação vier a ser aprovada e for cumprida, as áreas para compensação de Reserva Legal serão provavelmente adquiridas ou arrendadas pelos proprietários de regiões de agricultura intensiva nas regiões onde as terras são mais baratas e menos adequadas para a prática da agricultura intensiva. Com isso, os legisladores estarão abrindo mão de um importante instrumento legal que possibilitaria o desenvolvimento de paisagens agrícolas mais diversificadas, incluindo ecossistemas naturais ou restaurados, nas regiões de agricultura mais intensiva.
Além disso, o novo Código Florestal em discussão permitiria não só a manutenção das áreas consolidadas, mas a supressão de vegetação em APPs nas atividades agrossilvopastoris, assim definidas de forma genérica. Ou seja, quase tudo seria permitido.
IHU On-Line – O senhor concorda que, se aprovado, o novo Código Florestal pode gerar o êxodo rural?
Valério Pillar – A hipótese de que as alterações do Código Florestal gerariam mais êxodo rural advém possivelmente da possibilidade de compensação da Reserva Legal em áreas do mesmo bioma, com a compra de terras mais baratas e menos adequadas para a prática da agricultura intensiva, as quais são frequentemente ocupadas por pequenos proprietários. Se com isso esses pequenos proprietários venderem suas terras, haveria mais abandono do campo. Porém o êxodo rural tem sido causado pela combinação de vários fatores e não poderia ser atribuído a uma única causa.
IHU On-Line – Por que, em sua opinião, o novo Código Florestal deve ser submetido a um plebiscito?
Valério Pillar – Talvez seja a única maneira de abrir a discussão mais amplamente com a sociedade.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Valério Pillar – É importante destacar que, ao defender o atual Código “Florestal”, estamos defendendo não apenas a conservação das florestas, mas todas as demais formas de vegetação, incluindo os Campos Sulinos, que têm sido negligenciados, apesar da sua alta biodiversidade.
(Ecodebate, 02/09/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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