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Do Holoceno ao Antropoceno. Por outra forma de organização de vida. Entrevista com Wagner Costa Ribeiro

 

As mudanças climáticas e o aquecimento da Terra indicam que estamos vivendo uma nova era glacial denominada de Antropoceno. A ação do homem na natureza está “promovendo alterações de grande escala na superfície terrestre há pelo menos um século” e, portanto, não é mais possível dizer que a geologia se modifica apenas em função de eventos naturais, explica Wagner Costa Ribeiro.

A ação humana acelerou o aquecimento global e, para conter os danos ambientais causados pelas mudanças climáticas, é fundamental repensar o atual modelo econômico. “Infelizmente, há uma geração bastante numerosa que acredita que a essência da vida é comprar o último eletrônico, o carro novo, a roupa nova, sendo que o telefone utilizado continua em plena condição de uso, o carro e a roupa também”, constata.

Na entrevista que se segue, concedida à IHU On-Line por telefone, Ribeiro fala das expectativas em relação a Rio+20 e enfatiza que “a crise econômica nos países centrais desestimula bastante a ousadia necessária para pensarmos um mundo organizado em outras medidas” e a possibilidade de investir em uma economia verde como alternativa para acabar com a pobreza global.

Wagner Costa Ribeiro é doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo – USP, onde leciona no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental. É autor de A ordem ambiental internacional e de Geografia política da água.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Pode explicar a diferença entre o Holoceno e o Antropoceno? Desde quando a Terra vive essa nova era geológica chamada de Antropoceno?

Wagner Costa Ribeiro – O Holoceno começou há cerca 10 mil anos e é marcado a partir da última glaciação que tivemos. Já o Antropoceno é uma proposta do Prêmio Nobel de Química de 1995, Paul Crutzen, pesquisador de origem holandesa. Ele diz que a intervenção humana no planeta é de tal ordem e importância que já é possível marcar um novo período geológico. Para ele, o ser humano já realizou tantas transformações na superfície terrestre e complicações na atmosfera, que isso já caracterizaria um novo período: o Antropoceno.

Não há consenso em relação ao uso desse termo: a Sociedade Geológica dos Estados Unidos já assume essa nomenclatura, mas a sociedade de Geologia do Reino Unido ainda não. No próximo ano, o tema será discutido em um encontro na Austrália para avaliar se assimilam ou não esta ideia de um novo período geológico. De todo modo, apesar da polêmica, é crescente a clareza de que a ação humana impacta no ambiente. Os estudos indicam que, pelo menos a partir do século XVIII, este processo se caracterizou bastante. Outros dizem que este processo começou com a revolução agrícola e, portanto, corresponde ao final da glaciação, há 10 mil anos, quando o homem se fixa no campo, introduzindo a agricultura em pequena escala.

De qualquer modo, acredito que estamos em um momento em que a espécie humana é determinante. Precisamos regular e garantir que as nossas ações não acelerem processos naturais de maior duração.

IHU On-Line – O que muda nos estudos geológicos a partir da passagem da era Holoceno para a era Antropoceno?

Wagner Costa Ribeiro – A geologia está organizada em função de eventos naturais, glaciação, aquecimento e resfriamento da natureza. Pela primeira vez nós estamos criando uma era geológica que tem como força motriz a ação humana. Isso é extraordinário e muito diferente – diria que é mais adequado ao século XXI, porque não há dúvidas de que, com exceção do mar, nós estamos promovendo alterações de grande escala na superfície terrestre há pelo menos um século.

IHU On-Line – Como são mensurados os períodos de cada era geológica? Quais são os critérios para dizer que vivemos em determinado período?

Wagner Costa Ribeiro – Os critérios eram baseados em eventos de ordem natural. O resfriamento e o aquecimento do planeta Terra, por exemplo, a formação de grandes montanhas: estes eram os critérios clássicos. Com a ação do homem, estamos tendo uma nova medida do tempo geológico. Se você pensar a escala geológica, 10 mil anos corresponderiam a um segundo de um dia. Portanto, veja a capacidade de alteração que a espécie humana conseguiu gerar na escala geológica, algo equivalente a um segundo, causando enormes transformações. Quando se pensa, por exemplo, na enorme quantidade de material que é removido pelo desmatamento para a introdução da agricultura, e que parte deste solo é perdido através da erosão em função da ação humana, começamos a ter a dimensão de como alteramos de forma expressiva a superfície terrestre.

IHU On-Line – Até que ponto as mudanças climáticas são uma consequência natural e não da ação humana?

Wagner Costa Ribeiro – Houve uma época em que se questionava o aquecimento global. Agora, não há mais dúvidas de que ele existe: as mínimas estão maiores, os invernos estão mais rigorosos, os verões estão mais quentes e as chuvas, mais intensas.

Alguns pesquisadores acreditam que a mudança climática tem razões estritamente naturais, e é um processo de aquecimento gerado em uma escala de tempo. Outros, no entanto, dizem que, apesar desta escala de tempo ser importante, a ação humana – o Antropoceno – estaria acelerando este processo natural. Há também um grupo mais radical que diz que a ação humana gerou o aquecimento global e outros pesquisadores defendem que não existe aquecimento global. Então, o debate está posicionado em quatro visões.

IHU On-Line – Como as ações humanas impactam no clima da Terra e transformam o meio ambiente? Quais são, na sua avaliação, as ações humanas que geraram mais impactos?

Wagner Costa Ribeiro – Entre as ações que geram mais impacto está o desmatamento, que libera muito carbono para a atmosfera. Além disso, o uso intensivo de combustíveis fósseis, de carvão e petróleo agrava a situação climática. O carbono, que estava fixado como carvão natural no interior da Terra, o petróleo e o carvão foram retirados do interior da Terra e jogados na atmosfera. Isso alterou bastante o equilíbrio de oferta de carbono na atmosfera.

É importante dizer que o efeito estufa é fundamental para a sobrevivência humana. Sem o efeito estufa, as temperaturas seriam muito baixas e teríamos outro planeta. O que incomoda é o aquecimento do efeito estufa: é como se estivéssemos colocando um cobertor a mais e, sentindo, portanto, o calor aumentar. É exatamente isto que está ocorrendo: essa camada de gases está impedindo que o calor volte para o espaço e, assim, ele fica retido na Terra. Em função disso, começam a surgir problemas como o degelo dos Andes, que impacta diretamente no Brasil, pois é de lá que se originam parte das águas do rio Amazonas que se evaporam e são transportadas para o sul e sudeste, resultando em chuvas nessas regiões do país.

IHU On-Line – Que avaliação faz do modo como a humanidade está se organizando? É possível, a partir do desenvolvimento atual, vislumbrar quais serão as consequências da interferência humana no meio ambiente e como será a próxima era geológica?

Wagner Costa Ribeiro – Não há consenso acerca do Antropoceno e, portanto, seria precipitado sugerir outra classificação geológica. Por enquanto, sabemos que é preciso mudar alguns hábitos porque, do contrário, enfrentaremos dificuldades sérias nos próximos anos.

O modelo econômico atual, baseado na produção de mercadorias de consumo e descarte quase que imediato, é algo a ser revisto. Costumo dizer para meus alunos que a vida não consiste apenas em nascer, concluir a faculdade, arrumar um emprego, casar e consumir. Existem outras variáveis que devem ser ponderadas naquilo que dá sentido à vida. Infelizmente, há uma geração bastante numerosa que acredita que a essência da vida é comprar o último eletrônico, o carro novo, a roupa nova, sendo que o telefone utilizado continua em plena condição de uso, o carro e a roupa também.

Precisamos reavaliar este modelo de vida baseado no consumo, porque ele não é necessário. Estamos gerando um mundo muito desigual: estudos indicam claramente que a globalização dos últimos 20 anos acelerou e agravou a desigualdade social no mundo, não por acaso consistindo movimentações importantes da juventude, e isto é bastante expressivo, por exemplo, na Espanha, na Inglaterra, no Reino Unido.

No Brasil, estamos um pouco à margem disto, porque conjunturalmente a nossa economia vai bem. Mas a preocupação fica sempre no ar: até quando? Dado que hoje o sistema produtivo é articulado e não há dúvida de que a oscilação no centro de consumo vai também trazer consequências para nós. É importante destacar que este modelo de consumismo é muito novo: surgiu no século XX e ganhou impulso nos últimos 60 anos, ou seja, a vida não foi sempre assim. Portanto é possível, sim, pensarmos alternativas para vivermos de outro modo.

Enquanto gastarmos enormes quantidades de dinheiro, de energia, de capacitação para produzirmos coisas que duram dois meses, não vamos avançar. Precisamos pensar outra forma de organização de vida. Este é um desafio para a geração do século XXI.

IHU On-Line – Quais são hoje as áreas mais fragilizadas por causa das mudanças climáticas?

Wagner Costa Ribeiro – Os países europeus foram os que mais levaram a sério a redução de metas. Em Sevilha, os pesquisadores mapearam todas as possíveis consequências que podem vir a ocorrer no litoral e na zona costeira. Independentemente da altura que o mar aumentar, as consequências serão difíceis de serem administradas, porque existem enormes concentrações urbanas em áreas consideradas planas, como em Florianópolis, por exemplo, que é uma ilha irregular, em Santos, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, e cidades como Cairo. Estudos indicam que estas metrópoles a beira mar serão gravemente afetadas e, portanto, terá que existir uma reorganização da vida em função da elevação do nível do mar – vários esgotos e avenidas são construídos a beira mar, sem falar na habitação localizada nesta área. Outra fonte de preocupação é a possibilidade de agravar ainda mais as áreas de risco diante das chuvas intensas. Os estudos apontam uma ocorrência, com maior frequência e intensidade, de chuvas fortes, como aconteceu nos estados de Santa Catarina e Rio de Janeiro.

IHU On-Line – Como avalia o Plano Nacional de Mudanças Climáticas brasileiro? Ele tem sido efetivo na prática? Quais os limites?

Wagner Costa Ribeiro – É importante para o Brasil ter um Plano de Mudanças Climáticas. Entretanto, ele está muito focado na diminuição da emissão dos gases de efeito estufa, quando sabemos que o principal problema que teremos de enfrentar no país é a adaptação das mudanças do clima. Enquanto não tratarmos a adaptação de maneira mais séria, continuaremos assistindo cenas tristes, como as de Santa Catarina e Rio de Janeiro. Essa é uma tarefa difícil, porque estamos falando de milhões de pessoas que precisam ser melhor acomodadas, inclusive pessoas de alta renda, como no caso do Rio de Janeiro. Este é um ponto fraco do Plano.

IHU On-Line – O que falta para que haja uma conscientização pública sobre os efeitos das mudanças climáticas?

Wagner Costa Ribeiro – Este é um ponto crucial. Precisamos ter melhor capacidade de comunicação dos eventos climáticos e de como eles irão afetar as gerações no futuro. Uma das dificuldades é o fato de que os piores cenários irão ocorrem daqui cem anos e, portanto, as pessoas não se preocupam.

Temos de pensar que planeta deixaremos para as próximas gerações e em que condições. As pessoas estão preocupadas apenas com o dia de amanhã, em pagar a conta do mês seguinte. Mas temos de mudar a maneira de pensar, analisar o que representa utilizar um determinado automóvel, o que representa trocar de bens sem necessidade, que impacto isso tem para o ambiente no futuro. Se nós pensamos que a reprodução da vida é fundamental, não faz sentido vivermos se não para reproduzirmos a vida também. Então, realmente a perspectiva pode ser sombria.

IHU On-Line – Qual sua expectativa em relação a Rio+20, que pretende discutir a economia verde como alternativa para acabar com a pobreza?

Wagner Costa Ribeiro – Há uma polêmica muito grande em torno da economia verde. Em linhas gerais, ela consiste em pensar uma maneira de produzir nossas necessidades básicas considerando o tempo da natureza e a capacidade de reposição das bases materiais que utilizamos para produzir estes elementos. Pensar isto de forma que se possa garantir a inclusão social, dado que a globalização está acentuando as diferenças sociais, é um enorme desafio. Temos de pensar em sistemas de geração de energia que possam empregar mão de obra.

A Rio+20 pode tocar nestes assuntos, mas, pelo andar do cenário, não vejo muitas possibilidades de mudanças profundas, porque a crise econômica nos países centrais desestimula bastante a ousadia necessária para pensarmos um mundo organizado em outras medidas.

Por outro lado, pesquisadores importantes já estão falando em decrescimento econômico, em geração de empregos verdes. Essa pode ser uma alternativa interessante para gerar empregos que não tenham como objetivo a produção de novos bens, mas a recuperação ambiental. Não por acaso os cursos de Geografia estão tendo um afluxo de estudantes; não por acaso estão sendo criados cursos de Gestão ambiental. A juventude, de alguma maneira, começa a perceber essas questões como uma importante fonte de trabalho. Isso nos deixa mais otimistas. O cenário não é muito bom, e não tenho clareza de que iremos extrair metas e resultados concretos.

(Ecodebate, 01/09/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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