RS: Entidades ambientalistas defendem plebiscito sobre Código Florestal
Um auditório lotado, na Faculdade de Direito da Ufrgs, reforçou na noite desta segunda-feira (15) a mobilização contra o novo Código Florestal, redigido pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Quatro defensores do atual Código Florestal participaram de debate em que defenderam que a agricultura familiar não tem sido prejudicada pelas regras vigentes, mas sim pela falta de políticas públicas que auxiliem os camponeses a trabalhar nas áreas de preservação e reservas legais. Eles defenderam, também, que as mudanças na legislação ambiental devem ser submetidas à consulta popular.
“Nem as Áreas de Preservação Permanente (APPs) nem as reservas legais são intocáveis”, explicou o advogado Marcelo Mosmann, do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá). Ele lembrou que nestas áreas pode ser feito o manejo florestal e outros usos sustentáveis da terra. Na mesma linha, o engenheiro agroflorestal Luis Zarref, da Via Campesina, mostrou exemplos de plantações de milho, feijão, arroz, entre outros alimentos em APPs e em reservas legais. “As reservas legais são áreas de uso sustentável”, destacou.
Seguundo Zarref, nunca houve uma política para estimular o agricultor a ter reserva legal e utilizá-la de forma adequada. O engenheiro lembrou que as regras estabelecidas pelo atual Código Florestal, de 1965, ficaram quase que sem fiscalização até a Rio-92. A partir dali, começou a haver apenas o aumento da repressão e da punição. “Isto colocou os pequenos agricultores do lado dos grandes”, disse.
Zarref contou que é comum ouvir pequenos agricultores chamarem suas reservas legais de “área do IBAMA”, tratando-as como algo que deve permanecer intocado. Isto porque não há um estímulo para o uso da área de floresta. “O camponês é alienado de sua relação com a floresta”. O engenheiro afirmou que a Via Campesina defende um “efetivo apoio” ao manejo florestal. Este apoio incluiria, por exemplo, a garantia da compra de produtos oriundos das florestas, como o governo federal faz com vários produtos agrícolas. “Sem nenhum apoio, o Brasil gerou R$ 3,9 bilhões com o manejo florestal. Imagina se tivéssemos o apoio técnico e financeiro que tem o agronegócio?”.
Críticas a anistia e flexibilização das reservas legais
Mais apoio do poder público aos agricultores também cobrou o professor de Biologia da Ufrgs, Valério Pillar, para restauração do bioma nativo nas propriedades rurais que já não possuem reserva legal, ao invés de anistiar o desmatamento como vem sendo posto pelo texto do novo Código Florestal em discussão no Senado. “Os proprietários têm que se adequar à lei, com um determinado prazo e apoio do Estado”, defendeu.
Na Amazônia, segundo Pillar, as propriedades que possuem até quatro módulos (o equivalente, em média, a 400 hectares) ficarão livres de ter reserva legal. Seu colega, também professor de Biologia da Ufrgs, Paulo Brack, ressaltou que desmatamento na Amazônia poderia até mesmo agravar as secas no Rio Grande do Sul. “A diminuição das reservas legais na Amazônia pode afetar o RS, porque um terço das chuvas que ocorrem no Estado provém de nuvens vindas de lá”.
Outra flexibilização bastante criticada por Valério Pillar diz respeito às reservas legais. A atual legislação diz que o proprietário de terra precisa ter reserva legal na mesma microbacia que sua propriedade. O novo código afirma que a reserva precisará estar apenas no mesmo bioma. Assim, um agricultor gaúcho, por exemplo, com propriedade em área de mata atlântica, poderá ter reserva legal na Bahia. Isto retira, segundo Pillar, a função da reserva legal de garantir que todas as regiões tenham várias pequenas áreas preservadas, permitindo a sobrevivência das espécies.
“Estamos perdendo a possibilidade de termos paisagens agrícolas mais biodiversas. A perda de habitat é a maior causa da extinção de espécies e é o que esta fragmentação das reservas legais causará”, disse.
O integrante da Via Campesina Luis Zarref prevê que esta mudança na legislação pode causar nova onda de êxodo rural. Isto porque se os grandes proprietários de terra não precisarem manter reservas legais em áreas próximas a sua propriedade, irão procurar terras baratas para estabelecer reservas, assediando indígenas e quilombolas, por exemplo. “Como um quilombola da Bahia vai resistir ao assédio de um latifundiário do Paraná?”, questiona.
Luis Zarref disse acreditar que a mudança no Código Florestal é apenas o começo de uma série de pautas da bancada ruralista. Para ele, a questão do código é um “tiro alto” dos ruralistas para marcar posição e ganhar força por mais mudanças. “Não está em disputa apenas o código. A bancada ruralista tem toda uma pauta de destruição da função social da terra”, disse. “Se eles conseguirem destruir o Código Florestal o que não podem fazer com o Estatuto da Terra ou a Lei de Terras Indígenas?”, completou.
Entidades defendem plebiscito
O professor de Biologia da Ufrgs, Paulo Brack, leu a chamada “Carta de Porto Alegre”, do Fórum Gaúcho em Defesa do Código Florestal, que aglutina entidades em torno deste objetivo e foi a entidade organizadora do debate junto com o Instituto de Biociências da Ufrgs. Na carta, as entidades signatárias apontam que o debate sobre o novo código florestal excluiu as posições da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e de várias outras instituições, além de ter utilizado agricultores familiares como “massa de manobra”.
As entidades afirmam no texto que aceitam aperfeiçoamentos no atual código para beneficiar a agricultura familiar ou para garantir a soberania alimentar, mas não o novo código, que consolida a degradação do meio-ambiente. A Carta de Porto Alegre defende ainda a realização de um plebiscito a respeito do Código Florestal. “A maior parte da população não quer as mudanças como estão sendo propostas. Plebiscito já”, declarou Brack.
Reportagem de Felipe Prestes, no Portal Sul21
Reportagem sugerida por Marcelo Bernardes, @celogb, para o EcoDebate, 17/08/2011
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