1ª Oficina de informação e sensibilização sobre povos isolados na TI Mamoadate, região de fronteira, no Alto Acre
“A importância dos mapas que trabalhamos durante a oficina realizada sobre os índios isolados no Mamoadate na aldeia extrema, foi muito valioso de identificar, localizar os pontos de acesso de pessoas com o tráfico de droga, rota dos isolados e a distância de aldeia para outras aldeias, e conhecemos a terra Indígena Mamoadate que está tão pequena para nós com a proximidade de parente isolados perto da aldeia. O mapa também é uma arma para a vigilância e fiscalização dos Manchineri”. Lucas Artur Manchineri
A declaração de Lucas chama a atenção para um problema importante na região de fronteira, no Alto Acre: a do deslocamento e mudança das rotas de movimento dos índios isolados vindos do Peru. Em uma experiência única, ao participar da viagem à terra indígena Mamoadate, visitei o local onde os vestígios dos chamados “Brabos” estavam. Neste momento, onde trabalhei como geógrafo da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC), acompanhei de perto os trabalhos dos indígenas Manchineri da área em associação com a Frente de Proteção Etnoambiental do Rio Envira FPERE/FUNAI. A viagem foi feita entre os dias 04 e 13 de julho e envolveu também a Federación Nativa de Madre de Diós y Afluentes (FENAMAD), do Peru, e representantes do povo Manchineri. Dentro de uma idéia de intercâmbio binacional para a questão, encontramos novos vestígios de indígenas isolados na Terra Indígena Mamoadate, no município de Assis Brasil. Nesta frente de trabalho integrado, fotografamos acampamentos já abandonados, onde analisamos as construções, a dieta alimentar, o tipo de ferramentas utilizadas pelo grupo. Com isso, refletimos e mapeamos em conjunto novas hipóteses sobre quais caminhos estes indígenas percorrem ao longo das estações do ano.
A importância desse trabalho esteve na localização dos vestígios dos isolados e em sua associação com a identificação de novas rotas de tráfico de drogas e de madeira ilegal na região. Os vestígios estavam muito perto da Aldeia Extrema, na TI Mamoadate, as pegadas eram muitas, tapiris ainda estavam na forma em que eles deixaram. Por causa disso, chegamos à conclusão de que a Aldeia Extrema tem que ser um local para a se acompanhar de perto. Entre os principais motivos para este deslocamento dos isolados, estão algumas questões transfronteiriças sobre as quais a CPI/AC tem se debruçado em seu componente de políticas públicas e articulação regional na esfera indigenista nos últimos anos. Problemas relacionados ao narcotráfico e à exploração de madeira ilegal, potencializados pela construção de grandes obras de infraestrutura regional, vêm afetando o dia-a-dia de comunidades e terras indígenas nas fronteiras no Acre. Segundo os Manchineri, estas ameaças pareceram estar mais próximas dias antes de nossa viagem, já que barulhos de motosserra puderam ser ouvidos a três horas de barco.
A participação ativa dos indígenas nessas discussões e na elaboração de ações localizadas para lidar com tais ameaças é fundamental. Não é por acaso que a CPI vem desde há muito tempo ouvindo e trabalhando com as populações de fronteira para identificar quais são estes problemas para que as críticas e incidência em políticas públicas regionais possam beneficiar os indígenas, isolados ou não, afetados pelo problema. A cooperação entre eles e outras instituições envolvidas, faz-se essencial neste sentido. Lucas Manchineri, vice-coordenador da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) e da Associação Manchineri do Rio Iaco (MAPKHA),deixa isto bem claro quando relata não só suas experiências nesta viagem com a FPERE e com a Federación Nativa de Madre de Díos y Afluentes (FENAMAD), mas também quando fala dos dilemas diários vividos em sua comunidade. Na declaração de Lucas no início deste Papo, ele toma a terra indígena Mamoadate como base para explicar como os isolados, recentemente, estão avançando o limite da Aldeia Extrema. Neste local, os Manchineri e Jaminawa definiram um limite geográfico para a circulação dos “brabos”, como são chamados os isolados pelos parentes. Lucas ressaltou que por parte da comunidade sempre houve o respeito de não ultrapassar este limite, o que mostra a importância de o próprio indígena definir tais linhas, cuidando do seu território. Parcerias podem existir nesta vigilância, mas é fundamental que os indígenas das comunidades envolvidas participem e sejam protagonistas destas práticas. Sendo assim, o líder Manchineri frisou a importância da viagem feita com a FPERE, FENAMAD e CPI, onde foi possível trocar experiências sobre como lidar com os isolados em sua terra.
Ao olhar para falas como a de Lucas, a CPI/AC reforça seu entendimento de que a articulação da sociedade civil organizada, através de organizações não-governamentais e de organizações indígenas e comunitárias, com os órgãos governamentais peruanos, no governo de Ucayali e Madre de Dios, e brasileiros, no governo do Acre, é de fundamental importância para um processo eficaz de proteção aos povos em isolamento voluntário. Este tipo de entendimento se reforça desde nas Oficinas de Informação e Sensibilização sobre Povos Isolados e em viagens de campo como esta em que identificamos e mapeamos os vestígios. Todas estas atividades fazem parte de um processo mais amplo e consistente de articulação contínua entre sociedade civil e poder público nas esferas nacional,estadual e regional, que estabeleceu uma agenda comum para o Brasil e o Peru.É importante lembrar que tal articulação começou na Oficina Binacional, realizada em maio de 2011, no Centro de Formação Povos da Florestada CPI/AC, em Rio Branco. A atividade traduziu os esforços conjuntos de mais de 30 anos, investidos nas diretrizes e atividades da instituição. Como lembrado por Malu Ochoa, coordenadora executiva da CPI, a proteção aos índios isolados é uma tarefa de todos em defesa dos direitos humanos universais. Na viagem à terra indígena Mamoadate, em parceria com a FENAMAD, a FPERE e os Manchineri fizemos o mapeamento de novas rotas destas populações no entorno da TI para que os direitos destes povos e dos Manchineri e Jaminawa já vivendo na terra sejam respeitados.
A partir do mapeamento feito com a ajuda dos Manchineri, pudemos entender que os isolados, possivelmente da etnia Mascho Piro, vêm do Peru pelo rio Madre de Dios. Pelo próprio mapa, os Manchineri nos mostraram que este trânsito é indicativo daquelas ameaças sobre as quais falei no início, entre as quais o tráfico de drogas. Sobre isso, os Manchineri nos contaram que já capturaram 25 suspeitos, próximo ao igarapé Paulo Ramos, e os entregaram a Polícia Federal. Estas ameaças trazem na comunidade a reivindicação de que os órgãos fiscalizadores precisam estar no local, além de trabalhar em associação com eles. Ainda mais agora, que a lei de concessões florestais no Peru sofreu modificações e a legislação brasileira caminha para a flexibilização de normas ambientais com concomitante acirramento de políticas de fiscalização de fronteira, esta parceria torna-se urgente.
A importância dos Mapas
O SEGEO (Setor de Geoprocessamento da CPI-AC) organiza e gerencia um sistema de informações geográficas, para aperfeiçoamento das ações de gestão ambiental e territorial das terras indígenas. Com isso, espera-se, atender as demandas comunitárias por informações geográficas de parceiros institucionais, tal como fizemos na TI Mamoadate. A importância do papel dos indígenas ao oferecer a informação para a elaboração dos mapas é central nesses trabalhos. Sendo assim, as informações pertinentes aos resultados de oficinas como a que realizamos em Mamoadate oferecem suporte à elaboração de mapas temáticos referentes à presença de índios isolados em terras já mapeadas pelo projeto de Gestão Territorial e Ambiental. Em parceria com a FPERE/FUNAI, informações georreferenciadas coletadas durante oficinas de sensibilização deram suporte à elaboração de mapas temáticos referentes à presença de índios isolados nos altos rios Iboiaçu, Humaitá, Muru, Tarauacá, Jordão e Envira, todas regiões localizadas na fronteira do estado do Acre com o Peru. Especificamente, na oficina realizada no Mamoadate, outra fonte de preocupação mapeada foi a construção do trecho de estrada que será construído de Puerto Esperanza, no Peru, até Assis Brasil, no Brasil. Segundo Lucas, a estrada e seus impactos cortarão a terra indígena, prejudicando a segurança da população e do território, bem como a gestão de recursos naturais na comunidade. Pelos mapas que desenhamos, Lucas nos mostrou que as ameaças podem desetabilizar a relação de respeito que construíram com os brabos.
Como geógrafo, observo a importância dessas parcerias de âmbito de fronteira, visto que há mapas para os órgãos e instituições que trabalham na área ambiental e territorial. Estes mapas, principalmente no que se referem às fronteiras, servem para contribuir e incentivar novos caminhos de reflexão, ainda que indiretamente, estimulando uma necessária revisão de concepções relativas à fronteira. Tal revisão seria importante para trazer modificações em ações governamentais no contexto amazônico, as quais quase sempre se baseiam em definições descontextualizadas sobre a fronteira e sua influência no cotidiano das comunidades. Neste sentido, as parcerias são importantes para repensar os conceitos e responder às pressões impostas pelo desenvolvimento regional. A mudança é também importante para responder às pressões internacionais sobre o meio ambiente, que crescem com a globalização do comércio de recursos naturais, as chamadas commodities, esvaziando o sentido social destas fronteiras.
Por Billyshelby Fequis
Colaboração de Lígia Apel, da Comissão Pró-Índio do Acre, para o EcoDebate, 04/08/2011
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