Contaminantes (metais pesados, organoclorados e pesticidas clorados) afetam moradores do estuário de Santos
Alto nível de mercúrio e de alterações em enzimas hepáticas sugerem a existência de uma rota de contaminação
Os moradores de alguns bairros do estuário de Santos, no litoral paulista, apresentam elevada taxa de alteração em enzimas do fígado e do nível de mercúrio no organismo. De acordo com um estudo da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), a região pode ser uma rota de exposição a contaminantes, como metais pesados, substâncias organocloradas e pesticidas clorados.
Segundo a bióloga Daniele Fernandes Pena Carvalho, não é possível determinar as origens dos contaminantes presentes nesta rota. Entretanto, o fato de 60% dos 310 moradores analisados terem no organismo níveis intoleráveis de mercúrio (acima de 3 microgramas por decilitro de sangue) e 11% apresentar alteração nos níveis de enzimas hepáticas, deve ser considerado como um alerta para os serviços de saúde prestarem atenção nesta população.
Na década de 1980, a região sofreu com problemas ligados a contaminação ambiental e descarte inadequado de produtos contaminantes em decorrência das atividades de algumas indústrias. “Queríamos saber se essa poluição ainda poderia ter efeitos sobre a saúde das pessoas e o que poderia estar causando no organismo”, explica. Os dados estão descritos na tese de doutorado Estudo epidemiológico na população residente na Baixada Santista – Estuário de Santos: avaliação de indicadores de efeito e de exposição a contaminantes ambientais com enfoque em doenças hepáticas, apresentada em março de 2011 na FMUSP, sob a orientação do professor Alfésio Luís Ferreira Braga.
“Níveis elevados de enzimas hepáticas sinalizam que há algum problema no fígado. Já o mercúrio pode interferir no funcionamento deste e de outros órgãos, podendo levar a diversos problemas de saúde”, informa a pesquisadora. Um nível de até 0,8 microgramas de mercúrio por decilitro de sangue é considerado normal. O limite de tolerância fica entre 0,8 e 3 microgramas e, acima disso, intolerável.
A pesquisa de Daniele faz parte do projeto Estudo epidemiológico na população residente na Baixada Santista – Estuário de Santos: avaliação de indicadores de efeito e de exposição a contaminantes ambientais, coordenado pelo professor Alfésio Braga e que contou com a participação de diversos pesquisadores. Foram avaliados 15.690 moradores, distribuídos em 3.920 famílias. Os enfoques envolveram, além das doenças hepáticas, doenças do sangue, do coração, baixo peso ao nascer, rotas de exposição a contaminantes em relação a origem dos alimentos, utilização dos serviços de saúde, avaliação cognitiva das crianças e adolescentes, qualidade de vida e níveis de metais nos dentes, entre outros.
Participaram do projeto moradores dos seguintes bairros de Cubatão: Pilões e Água-Fria (por estarem próximos ao lixão de Pilões), e Centro (pela proximidade com o pólo industrial); na área continental do município de São Vicente, nos bairros de Quarentenário, Rio Branco, Humaitá e Parque das Bandeiras Glebas I e II (local onde há o depósito irregular de substâncias contaminantes); e no Guarujá, nos bairros Sítio Conceiçãozinho e Pae Cará (pela proximidade com o Porto de Santos, com a linha férrea e local com grande fluxo de caminhões que transportam contêiners do porto). Como comparativo, foi analisada uma população de Bertioga, cidade ao norte da Baixada Santista sem histórico de contaminação ambiental, e que fica a 30 quilômetros de distância do Guarujá.
Os 15.690 moradores responderam a um questionário com informações como tipo de moradia, bairro, comércio local, rede de água e esgoto, hábitos alimentares, doenças já diagnosticadas, exposição ocupacional prévia e atual, etc. Numa segunda etapa, foram selecionadas famílias em que alguém tenha mencionado apresentar algum tipo de problema hepático e excluídas as pessoas que relataram alcoolismo e exposição ocupacional prévio e/ou atual, pois poderiam interferir nos resultados. Foram selecionados, para esta etapa, 310 moradores para a realização de exames clínicos.
Resultados
Os resultados indicaram que não havia uma alta prevalência de doenças no fígado, nem de hepatites virais (B e C) — apesar de esta doença ter sido a mais mencionada entre os participantes. Pessoas que relataram comer alimentos produzidos na própria região, como leite e frutas, ou beber água de fontes locais, apresentaram mais chances de ter algum tipo de problema hepático. Já os níveis de chumbo — outro metal pesado pesquisado — não foram elevados.
Segundo a bióloga, desde a década de 1980, várias iniciativas foram tomadas para mitigar e minimizar a contaminação ambiental na região. “Houve uma exposição muito grande do ambiente a substâncias contaminantes, mas não é possível dizer, com exatidão, qual a situação atual da contaminação do ambiente. O que sabemos é que existe uma rota de exposição a contaminantes que pode afetar a saúde dos moradores. Não podemos afirmar se esta exposição se deve apenas à contaminação anterior ou também à contaminação atual do ambiente”, pondera.
Para saber com detalhes qual é a origem dessa rota de contaminação, Daniele aponta para a necessidade de realizar exames clínicos mais detalhados nos moradores e análises ambientais que possam confirmar essa ideia. “No caso de fornecimento de água da região, por exemplo, a tubulação passa em solo contaminado. Substâncias contaminantes poderiam ultrapassar a tubulação e contaminar a água. Mas é preciso realizar outras pesquisas para confirmar isso”, esclarece.
Imagens cedidas pela pesquisadora
Mais informações: email daniele.pena@gmail.com, com a bióloga Daniele Pena
Reportagem de Valéria Dias, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 03/08/2011
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