Água para todos, menos para o Xingu, artigo de Mauricio Santos Matos
[EcoDebate] Em 27/07/2011 foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto nº7535, instituindo o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Água, denominado “Água Para Todos”.
Dentre suas diretrizes estão a “priorização da população em situação de extrema pobreza” e o “fomento à implementação de infraestrutura e equipamentos de captação, reservação, tratamento e distribuição de água, oriunda de corpos d’água, poços ou nascentes e otimização de seu uso”. Tudo isso articulado com os órgãos responsáveis pela segurança alimentar e nutricional e pela saúde e meio ambiente, dentre outros.
Não há como deixar de notar a enorme incoerência, mesclada com pitadas de demagogia e sadismo, por parte do Governo Federal.
Ao mesmo tempo em que edita uma medida de vital importância para qualquer ser humano, o acesso à água potável, reconhecido em julho/2010 pela Assembléia Geral da ONU como um direito universal, Dilma, Lobão e companhia, continuam com a insanidade de construir Belo Monte.
Quando se fala em hidrelétrica, a correlação natural que qualquer cidadão faz é com inundação, causando o deslocamento de famílias e a perda de biodiversidade, com a morte de vários espécimes animais e vegetais. O projeto de barramento do Xingu consegue a proeza de juntar duas catástrofes ambientais: o alagamento de 500 km², parte deles com floresta nativa, e o ressecamento de 100 km de um dos maiores rios do mundo.
O discurso do Governo Federal e do consórcio Norte Energia – NESA é tão cínico que afirma que “nenhuma área indígena será inundada, o que garantirá a permanência das comunidades indígenas em suas terras”.
A afirmação não é totalmente mentirosa, pois, de fato a inundação para a formação do lago da UHE Belo Monte não atingirá terras indígenas, a princípio. O cinismo está no fato de, tanto a NESA, quanto o governo Dilma, incluindo o presidente do IBAMA, saberem que o problema (um deles) para as Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande será a redução de 80% do volume de água do rio Xingu, no trecho em que passa no meio das duas áreas indígenas.
Assim, a permanência dos índios em suas terras está ameaçada, não pelo aumento na quantidade de água, mas por sua falta. Além de cínico é um discurso sádico, pois sabem, também, que os peixes do Xingu representam 80% da fonte de proteína das comunidades nativas.
Dilma, Curt Trennenpohl, Edson Lobão, o governador Jatene, NESA e demais defensores de Belo Monte estão autorizando medidas que, se não forem evitadas, serão responsáveis pelo extermínio das últimas populações indígenas da região de Altamira, contribuindo com a invasão de suas terras, assassinatos, perda da identidade cultural, desnutrição e danos irreparáveis na saúde e bem estar das aldeias.
E o governo brasileiro vem falar de “acesso universal à água”, “segurança alimentar e nutricional”, “saúde e meio ambiente”? Qual o objetivo? Fazer “média” com a ONU e a OEA? Faça-me o favor, Dona Dilma…
O programa deveria ser rebatizado: “Água Para Todos, Menos Para a Volta Grande do Xingu”. Soaria menos hipócrita.
Mauricio Santos Matos, servidor público estadual, membro do Comitê Metropolitano Xingu Vivo Para Sempre.
EcoDebate, 03/08/2011
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