MPF e MP/MG pedem proteção para patrimônio espeleológico mineiro
Ibama e ICMBio, especializados no assunto, foram substituídos por órgãos licenciadores estaduais na análise dos empreendimentos a serem instalados em áreas de ocorrência de cavernas e outros sítios
O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) e o Ministério Público Estadual ajuizaram ação civil pública perante a Justiça Federal para impedir que o Estado de Minas Gerais, sem a prévia anuência dos órgãos ambientais federais, conceda licenças ou autorizações ambientais para empreendimentos que tenham potencial de causar impacto ao patrimônio espeleológico mineiro.
Em Minas Gerais, existem 2.284 sítios espeleológicos cadastrados, o que corresponde a aproximadamente 1/3 do total brasileiro.
Esse patrimônio, constituído pelo conjunto de ocorrências geológicas que formam as cavidades naturais no solo conhecidas como grutas, cavernas e lapas, é considerado bem da União e mereceu proteção especial pela própria Constituição de 1988.
A importância do patrimônio espeleológico está relacionada à preservação do meio ambiente natural e cultural. As cavernas, por exemplo, exercem importante papel no armazenamento estratégico de água, com a carga e recarga dos aquíferos. Elas também protegem e conservam minerais raros, formações geológicas e informações sobre antigas formas de vida, além de constituírem eficiente abrigo para a conservação de habitats de espécies da fauna e flora endêmicas e ameaçadas de extinção.
De acordo com a ação, “a proteção desses locais é de fundamental importância porque, neles, os arqueólogos e paleontólogos encontram elementos para a melhor compreensão do passado da vida sobre a terra, que envolvem desde a ação de bactérias até registros sedimentares únicos das variações ambientais ocorridas durante as últimas dezenas de milhares de anos, incluindo restos de animais extintos ou vestígios de ocupações pré-históricas”.
Destruição – Mas toda essa riqueza está sob grave ameaça desde a edição do Decreto n. 6.640/2008, que facilitou o licenciamento ambiental das grandes empresas – em especial mineradoras e geradoras de energia elétrica – nas áreas em que se situam nossas cavernas.
Para os autores da ação, o Decreto 6.640/2008 é uma “aberração jurídica” que pode levar à destruição de cerca de 70% do patrimônio espeleológico nacional. “O que se vê claramente é que a legislação ambiental vem sendo revogada sem qualquer discussão técnica ou pública, tão somente para atender a interesses econômicos imediatos de grandes empreendedores”, diz a procuradora da República Mirian Moreira Lima.
O Decreto 6.640/2008 está sendo objeto de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo MPF perante o Supremo Tribunal Federal em 2009, mas até hoje o processo não foi levado a julgamento.
Ilógico e errôneo – Para piorar a situação, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), no final do ano passado, editou resolução (428/2010) revogando disposições anteriores que obrigavam a análise prévia, por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), das atividades realizadas em áreas de ocorrência de cavidades naturais subterrâneas relevantes ou em sua área de influência.
Os MPs Federal e Estadual consideram completamente ilógico e juridicamente errôneo que os Estados possam definir o destino de bens ambientais de propriedade da União – inclusive sua própria destruição – sem a anuência dos órgãos federais responsáveis, no caso, o Ibama, e quando esses bens estiverem localizados em unidades de conservação federais, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Deixar que os Estados definam o destino de bens de propriedade da União viola o princípio da indisponibilidade do interesse público federal e aniquila o poder de administração e fiscalização dos órgãos competentes”, dizem.
Eles defendem ainda que “entender que bens ambientais e culturais pertencentes à União podem sofrer intervenções danosas sem qualquer manifestação de órgãos federais, além de ofender até mesmo o bom senso jurídico, é, na prática, colocar o patrimônio espeleológico como o bem federal mais insignificante e desprotegido do ordenamento jurídico brasileiro”.
Para exemplificar, os autores elencam todos os casos em que intervenções em bens da União demandam manifestação de órgãos federais – patrimônio arquelológico, paleontológico, águas de rios federais, zona costeira, área de domínio de rodovias federais e de Mata Atlântica e unidades de conservação federais – com a única exceção sendo as intervenções efetuadas no patrimônio espeleológico.
Expertise – A ação também sustenta que “os órgãos ambientais federais são os únicos que detêm a expertise necessária para avaliar os impactos ao patrimônio espeleológico, pois são eles que atuam na área há mais de 20 anos e possuem corpo técnico especializado, o que não ocorre com os órgãos licenciadores estaduais, que nunca trabalharam com a temática”.
Além disso, lembram os autores, as atividades de fiscalização vêm sendo exercidas desde o ano de 1990 sem nunca terem comprometido o crescimento econômico do país e dentro das premissas postas pelo desenvolvimento sustentável.
“As mudanças introduzidas pelo Decreto 6.640 e pelo Resolução 428 do Conama demonstram que o Estado brasileiro está refém dos interesses econômicos das grandes empresas, e suas decisões constituem evidente retrocesso na proteção ambiental, o que é vedado pela Constituição brasileira”, lembra o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda.
Pedidos – Os representantes dos Ministérios Públicos Federal e Estadual pedem que a Justiça Federal conceda liminar determinando que, durante o trâmite da ação, o Estado de Minas Gerais não mais conceda licenças ou autorizações ambientais em áreas de ocorrência de patrimônio espeleológico sem a prévia anuência do Ibama ou do ICMBio.
Pede-se também que o Ibama e o ICMBio, de acordo com suas respectivas atribuições, sejam obrigados a analisar e a se manifestarem nos processos de licenciamento ou autorização ambiental em curso nos órgãos estaduais para atividades e empreendimentos potencialmente poluidores ou degradadores do patrimônio espeleológico.
Fonte: Ministério Público Federal em Minas Gerais
EcoDebate, 19/07/2011
[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Caros Colegas,
Realmente é preocupante os estragos causados pelas empresas mineradoras em Minas Gerais. Estaremos, pois, compartilhando este artigo na nossa edição noturna de “Insanidade Ambiental”.
Abraços,
Adilson