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Amazônia: Devastação florestal para construir barragens amplia o raio de ação de mosquitos vetores

Males emergentes podem mudar o mapa epidemiológico da Amazônia

As mudanças ambientais, entre elas o progresso que leva à urbanização, Ao desmatamento e ao aquecimento global vêm alterando o cenário de algumas doenças que antes se encontravam restritas a determinadas regiões. Sem planejamento ambiental, o desenvolvimento invade ecossistemas e modifica a vida de animais vetores de doenças. É nesse contexto que um grupo de pesquisadores brasileiros está estudando as alterações do mapa epidemiológico de duas doenças infecciosas emergentes na Amazônia Ocidental: a bartonelose — causada pela bactéria Bartonella bacilliformis; e a leishmaniose, provocada por protozoários do gênero Leishmania. Reportagem de Silvia Pacheco, do Correio Braziliense.

As duas doenças avançam perigosamente através da tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru. O estudo, que faz parte do Projeto Temático de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), está em fase inicial e deve ser concluído em 2014 (veja arte). Na pesquisa, os cientistas pretendem desenvolver um sistema de alerta precoce para as doenças, viabilizando a adaptação aos impactos negativos das mudanças ambientais sobre a saúde humana. “Será uma modelagem, integrando dados regionais epidemiológicos de clima, migração e uso da terra, que apresente diferentes cenários futuros de transmissão das duas doenças”, explica Manuel João Cesario, professor do programa de mestrado em Promoção de Saúde da Universidade de Franca (Unifran-SP) e coordenador do estudo.

Com essa ferramenta em mãos, a equipe acredita que possa oferecer conhecimento científico para alimentar políticas públicas sustentáveis. “Os serviços locais e regionais de saúde poderão se preparar antecipadamente para surtos e epidemias. Além disso, a população poderá conhecer melhor os riscos à saúde que determinados comportamentos oferecem”, acrescenta Cesario. “No Peru, entre 1% e 17% dos pacientes, morrem. Isso depende do grau de pobreza local”, afirma o médico.

Alto risco
De acordo com o pesquisador, a construção de estradas, hidrelétricas e a expansão da agropecuária extensiva impulsionam o desmatamento, as queimadas e migrações e contribuem para aumentar a ocorrência de doenças. “Essa tendência tem sido observada, por exemplo, com relação à malária, mas poderia ser ainda mais grave no caso da bartonelose, dada a falta de experiência com a doença no Brasil”, acrescenta Cesario.

A bartonelose, em tese, ainda não chegou ao Brasil. Sua prevalência é no Peru, porém Cesario observa que a doença vem avançando para o leste. “Houve um crescimento importante da bartonelose entre 2004 e 2005 e especula-se que isso teve relação com o fenômeno El Niño, que muda o regime de chuvas e de temperatura na região durante alguns meses do ano. Essa mudança pode ter algum impacto na reprodução dos vetores e, com mais mosquitos, a transmissão é facilitada e a doença aumenta. Entretanto, ainda não temos certeza se a doença avançou — porque os vetores mudaram de lugar — ou se apareceram novos vetores”, explica.

Já a leishmaniose cutânea, abundante em regiões mais próximas da costa brasileira, ainda não chegou à região estudada, mas está avançando para o Oeste. Segundo o pesquisador, a área de transmissão tem aumentado no Brasil, em parte, porque o vetor — os mosquitos flebotomíneos do gênero Lutzomyia, o mesmo da bartonelose — se adapta a novas condições ambientais.

O Ministério da Saúde considera que há “altíssima transmissão” quando existem mais de 71 casos para cada 100 mil habitantes numa determinada área. Segundo Cesario, a média de casos de leishmaniose entre 2000 e 2007, no município de Assis Brasil, no Acre, foi de 1.232 casos para 100 mil habitantes. “Considerando que a Organização Pan-Americana de Saúde estima cinco casos não notificados, para cada caso notificado, a situação da leishmaniose cutânea na tríplice fronteira (Brasil, Peru e Bolívia) é, no mínimo, alarmante”, considera o pesquisador.

O fato é que a Amazônia Sul-Ocidental brasileira reúne muitas das condições necessárias para que a bartonelose e a leishmaniose passem a engrossar a lista das enfermidades endêmicas na região, incluindo o mosquito vetor. Esses insetos são os mesmos que transmitem de 26 mil a 38 mil casos de leishmaniose tegumentar por ano.

Os mosquitos podem mudar de hábitat e, provavelmente, passar a transmitir mais de uma doença. “Já estamos observando mudanças ambientais e fluxos migratórios na região, e os profissionais de saúde do Brasil não estão treinados para fazer frente à bartonelose”, observa Cesario.

Estudos na África e na Amazônia já mostraram que o maior dano à saúde das pessoas e aos ecossistemas acontece ao longo das estradas, principalmente daquelas recentemente asfaltadas. A região que a equipe de Cesario concentrou os estudos tem sofrido mudanças socioeconômicas consideráveis, com a construção das estradas BR-364 e BR-317 e de duas hidrelétricas — Jirau e Santo Antônio — que levaram para Rondônia mais de 100 mil pessoas nos últimos três anos. “Por conta dessas duas grandes obras, a população do município de Porto Velho, que era de 500 mil pessoas, aumentou cerca de 20% nesse período”, disse Cesario.

Alexandre Cunha, pesquisador de doenças tropicais e infectologista do Laboratório Sabin, faz coro com Cesario e reforça que as doenças tropicais se expandem com as mudanças climáticas, com o manejo do solo e a entrada do homem no hábitat silvestre. “Tudo isso tem grande contribuição para o aumento do número de casos. As migrações tendem a favorecer a rápida disseminação de doenças, como ocorre com a gripe no caso de pandegais.”

Segundo Alexandre, a leishmaniose já é um mal preocupante no Brasil, podendo tornar-se um epidemia. “Cada vez mais vemos casos em ambiente urbano. Isso demonstra o crescimento da doença.” Cunha também demonstra preocupação quanto a qualificação de profissionais de saúde para identificar essas doenças emergentes. “Por serem enfermidades originalmente restritas a algumas áreas de fronteira, muitos profissionais que atuam em outras regiões não têm experiência clínica no diagnóstico e tratamento destas doenças”, aponta.

Veja infográfico

EcoDebate, 13/07/2011

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