COP17, em Bonn, não prevê progresso real nas negociações do clima, artigo de Sérgio Abranches
[Ecopolítica] Última etapa das negociações preparatórias para COP17 em Bonn revela mais problemas que soluções. A Secretária Executiva da Convenção do Clima, Christiana Figueres, em meio a alertas sobre o perigo da inação, já reconhece que haverá pouco a decidir em Durban, na África do Sul. Finalmente admite o que todos já sabiam: o período de compromissos do Protocolo de Quioto se esgotará em 2012, sem ter um segundo termo para substituí-lo. A incerteza regulatória para o mercado de carbono é inevitável.
Os alertas da principal executiva da Convenção do Clima são de praxe. Seu antecessor, Yvo de Boer, costumava fazer o mesmo. Também faz parte do script, na rodada final de negociações preparatórias para a Convenção como esta que acontece em Bonn, declarações mais realistas, para tentar ajustar as expectativas ao que é possível esperar. Em Copenhague, a inflação de expectativas foi um dos problemas, que tornaram a reunião praticamente inadministrável.
Figueres disse que “estamos nos colocando em um cenário no qual teremos que desenvolver tecnologias mais poderosas para capturar emissões da atmosfera. Estamos entrando em um território de muito risco”.
Ela também fez um agrado aos países menos desenvolvidos e mais vulneráveis, ao dizer que a meta estabelecida em Copenhague e confirmada em Cancún de limitar o aquecimento a 2C é insustentável. Apoiou a tese dos países menos desenvolvidos e dos “estados-ilha”, de que é preciso mirar em 1,5C.
“No meu manual, não há maneira de nos apegarmos a essa meta [2C] que sabemos ser completamente inaceitável para os países mais estáveis”.
Mas, ao fazer isso, certamente contribui para estimular esses países a fazer essa demanda, o que certamente levará a um impasse polarizado com as principais potências climáticas: EUA, China, Índia e Brasil. Talvez só a União Européia demonstre alguma simpatia por esse pleito, porém dificilmente votaria nele sem a concordância da totalidade dos países desenvolvidos e das potências emergentes.
No bloco das afirmações de realismo, Figueres reconheceu, finalmente, que mesmo que os países conseguissem concordar sobre o texto legal de um segundo período de compromissos para o Protocolo de Quioto, em Durban, o vazio regulatório pós-2012 já é inevitável. É algo que já se sabia. Como ela explicou, o segundo período de compromissos corresponderia a uma emenda ao Protocolo, que teria que ser ratificada pelos parlamentos de pelo menos 3/4 dos signatários. Não haveria como assegurar essa ratificação entre a COP17, em Durban, dezembro próximo, e o fim da validade do primeiro termo de compromissos, em dezembro de 2012. Isso significa que o mercado de carbono, regulado pelo Protocolo de Quioto, terá que passar inevitavelmente por um período de vazio regulatório. Isso afetará muito esse mercado, já bastante abalado por várias crises recentes.
Mas, faltou Figueres admitir que a ratificação não é suficiente para que um segundo termo de compromissos passasse a valer, muito menos para que tenha algum significado real para o esforço de redução de emissões. Seria preciso que ele incluísse os maiores emissores do mundo, com metas quantificadas e compulsórias, alterando o atual “Anexo I”, onde estão apenas os países desenvolvidos.
Isso não vai acontecer. O EUA nunca esteve no Protocolo e seu negociador oficial, Todd Stern, não se cansa de repetir que jamais estará. China, Índia e Brasil, também estão de fora e não aceitariam ser incluídos. Na última reunião do G8, algumas semanas atrás, na França, Japão, Canadá e Rússia disseram que não assinarão o segundo termo de compromissos. Durban deve dar a pá de cal no Protocolo de Quioto, um morto-vivo que não deixará saudades.
Muitos negociadores estão dizendo que há uma outra razão para não esperar muito da COP17, em Durban: a fraqueza até agora mostrada pela presidência, ocupada pela África do Sul. A África do Sul, até agora não teve nenhuma iniciativa de promover reuniões, consultas e negociações informais, que pudessem começar a desenhar uma agenda de decisões possíveis em Durban. Segundo Figueres a África do Sul “tem ouvido muito cuidadosamente, tentando entender onde há comunalidades e onde estão as fraquezas”. Mas não é suficiente. Precisava estar agindo política e diplomaticamente, para montar uma agenda viável.
Essas reuniões convocadas pela presidência foram decisivas para o resultado de Cancún. O México, na presidência, promoveu numerosos encontros, fez muitas consultas informais, sempre muito pluralistas e abertas, para criar confiança e obter um espírito cooperativo em torno de uma agenda mínima que resultaria nos “Acordos de Cancún”.
Em Copenhague, o maior problema foi a crise de confiança provocada pela atitude da presidência dinamarquesa, como conto em meu livro sobre a política climática global. O primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Rasmussen, temeroso de um fracasso, tentou fechar um acordo precoce em torno de uma agenda desenhada como “Plano B”, em consultas fechadas, com uma elite de países. Sua atitude foi vista como uma conspiração, perdeu-se a confiança no processo e instalou-se um clima de desconfiança recíproca entre os países, que azedou a reunião mais esperada da Convenção do Clima, desde a Rio 92.
A presidência é essencial para o sucesso das COPs. O outro fator crítico é o entendimento entre países com liderança nos vários grupos de países: BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China); AOSIS (pequenos estados-ilha); União Africana; Países menos Desenvolvidos. Além, é claro de EUA e União Européia. Só esse entendimento prévio em torno do que é negociável e do que pode ser admitido como decisão final, consegue evitar os vetos, que bloqueiam inteiramente o processo decisório na ONU. E isso não está acontecendo.
Esse clima pouco auspicioso tem feito muitos analistas defenderem o abandono da UNFCCC como principal fórum de decisões sobre a política global do clima. Uns defendem a criação de um novo organismo, similar à Organização Mundial do Comércio. Outros, preferem acordos setoriais, entendimentos bilaterais, até que se tenha massa crítica para fechar um acordo multilateral vinculante, no âmbito do G20.
Concordo que a UNFCCC jamais produzirá um bom acordo vinculante. O desafio da mudança climática demanda que se busque o máximo possível tecnológica e socialmente. As regras da ONU só permitem consenso em torno do mínimo aceitável. Mas esse fórum, não obstante sua ineficácia decisória, tem um papel importante de aprendizado da governança democrática global. Reúne negociadores oficiais, ONGs, cientistas, interesses empresariais, mídia, em torno dos mesmos temas. Cria conexões, pontes e possibilidades de que cada player nesse jogo complexo e decisivo seja exposto às visões e valores dos outros. É um exercício fundamental para o futuro da governança global sem um governo central. Mas não é mesmo o instrumento capaz de nos dar um marco legal forte para a ação global para mudança climática.
Sérgio Abranches, PhD, cientista político, é pesquisador independente sobre Ecopolítica, a relação entre o desenvolvimento econômico, o progresso social e o meio ambiente, com ênfase na mudança climática e na Amazônia. É comentarista da rádio CBN, onde mantém o boletim diário Ecopolítica. É co-fundador de O Eco, agência de notícias ambientais apoiada pelas fundações Avina e Hewlett, dedicada a ampliar a pauta ambiental na imprensa e treinar jovens jornalistas na cobertura sobre meio ambiente no Brasil. Manteve uma coluna sobre questões ambientais, segurança energética e mudança climática em O Eco por seis anos. É colaborador do blog The Great Energy Challenge, uma parceria entre o Planet Forward e a National Geographic. É autor de Copenhague: Antes e Depois, Civilização Brasileira, 2010, sobre a política global do clima. A matéria sobre os Muriquis da Reserva Montes Claros, Caratinga, MG, em co-autoria com a colunista de O Globo, Miriam Leitão, e publicado simultaneamente em O Globo e O Eco, recebeu o prêmio de jornalismo ambiental da SOS Mata Atlântica.
Artigo originalmente publicado no Blog Ecopolítica.
EcoDebate, 14/06/2011
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