Considerada pelos países a principal causa do desmatamento, expansão agropecuária está fora das estratégias de REDD+
Pesquisa divulgada ontem (8/6) em Bonn alerta para a necessidade de incluir a expansão agropecuária nos debates sobre o mecanismo de REDD+ em discussão na ONU
A maioria dos países participantes em um esforço global para reduzir as emissões com efeito de estufa causados pela destruição das florestas cita a agricultura como a principal causa do desmatamento. Poucos, porém, fornecem detalhes sobre como abordar a conexão entre a agricultura e a silvicultura, de acordo com uma nova análise investigando o efeito das alterações climáticas na segurança alimentar.
Além disso, muitos desses países perseguem políticas públicas relacionadas à produção de alimentos, biocombustíveis e outros produtos destinados à comercialização e que têm o potencial de intensificar as pressões relacionadas à agricultura em áreas de floresta, oferecendo mais evidências da conexão entre a política agrícola e a política climática dentro do mecanismo do REDD+.
Atualmente, o desmatamento responde por cerca de 12 a 18 das emissões globais de gases de efeito estufa. E a maioria dessa perda ocorre quando as florestas são derrubadas para dar lugar à produção de alimentos e biocombustíveis.
“Não há como os governos terem estratégicas de REDD+ confiáveis a menos que sua prioridade seja direcionada à agricultura e segurança alimentar – Estes são os principais vetores da destruição florestal” disse Bruce Campbell, do Programa sobre Mudanças Climáticas e Segurança Alimentar (CCAFS, na sigla em inglês). “A necessidade de se fazer essa conexão é urgente porque as demandas comerciais, as questões de segurança alimentar e os mandatos dos governos na direção da expansão agrícola só irão aumentar”.
Esses são alguns apontamentos divulgados em Bonn nesta semana durante as negociações técnicas organizados pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e que fazem parte de uma análise das propostas de REDD+ apresentadas por 20 países da África, Ásia e América Latina para o Carbon Partnership Facility, do Banco Mundial (FCPF). O FCPF tem US$ 345 milhões para os países em desenvolvimento se prepararem no futuro onde pagamentos financeiros significativos poderão ser ligados à preservação do carbono florestal. A pesquisa do CCAFS foi feita em parceria com a consultoria Lexema com sede em Vancouver, Canadá.
Agricultura e desmatamento
Dezesseis dos 20 países estudados citam a agricultura como o principal vetor de desmatamento e degradação florestal. Os outros quatro citaram mineração e exploração madeireira como o principal fator, mas indicaram que a agricultura estava entre os três primeiros. O estudo também descobriu países que têm como metas a produção de alimentos e de biocombustíveis aparentemente estão em conflito direto com suas prioridades de preservação florestal de REDD+.
Por exemplo, enquanto a Argentina tomou medidas exemplares para proteger suas florestas – incluindo um imposto sobre as exportações agrícolas para combater o desmatamento –, em 2006 foi criada uma lei naquele país que possibilita a utilização de óleos vegetais e gorduras animais para os biocombustíveis, cana-de-açúcar, milho e sorgo para o bioetanol. A Argentina também tem problemas com a forma de limitar a produção industrial de soja – muito utilizada como ração animal em todo o mundo – , que representa 70 por cento do desmatamento no país.
“Enquanto alguns países admitem que o setor agrícola precisa ser abordado em seus planos de REDD+, os todos os demais países são pressionados para definir como que determinações conflitantes de governos e de poderosos interesses econômicos, particularmente no que refere à agricultura industrial em larga escala (produção de óleo de palma ou de soja, por exemplo), serão conciliados com o seus bem-intencionados objetivos de REDD +”, disse Gabrielle Kissinger, autora do estudo.
Todas as propostas prontas, lucrativas atividades industriais e comerciais – muitas vezes ligados às políticas específicas de governo ou comerciais – se mostraram especialmente significativas na relação agricultura e desmatamento. No Vietnã, o cultivo de café, caju, pimentão, arroz, borracha e camarão para exportação está causando uma constante erosão de florestas. Na Costa Rica, o fator chave é que o governo promove as exportações de carne. Enquanto no México, a produção agrícola voltada para exportação, em parte, devido à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), desempenha um papel importante nos 82% do desmatamento causado pela agricultura e pastagens. A Indonésia não fornece detalhes sobre os vetores industriais do desmatamento, mas há evidências consideráveis em outros lugares de que as plantações em larga escala de palma é um fator importante na perda de milhões de hectares de turfeiras ricas em carbono.
Quase todos os países estudados – 15 de 20 – indicaram que estão em andamento esforços para a expansão da produção comercial e agrícola que atenderá os mercados urbanos e de exportação ou para satisfazer a crescente demanda internacional por biocombustíveis.
Vários países, em particular os da África Subsaariana e do Sudeste Asiático, citam os pequenos agricultores como os principais contribuintes para o desmatamento, mas parece existir uma diferente dinâmica com relação a estes objetivos agrícolas. Além disso, pesquisas recentes sugerem que o impacto dos pequenos agricultores nas florestas está diminuindo em relação aos de interesses comerciais.
“Esta claro que para se lidar com a agricultura como uma das causas do desmatamento, precisamos entender o que está gerando a expansão agrícola”, disse Lindiwe Majele Sibanda, da Rede de Pesquisa em Políticas Públicas em Agricultura e Recursos Naturais (Fanrpan). “Os pequenos agricultores precisam ter mais acesso às ferramentas e informações que necessitam para aumentar sua produtividade de forma mais eficaz e sustentável. Isto lhes permitirá gerenciar as responsabilidades complexas que têm para salvaguardar as preciosas áreas florestais e, ao mesmo tempo, assegurar que o desafio global de segurança alimentar continue a ser cumprido.”
Porém a pesquisa indica que a produção crescente de pequenos agricultores será um fator crucial para garantir que teremos comida suficiente para alimentar uma população que deverá atingir 9 bilhões em 2050. A maior parte desse crescimento deve ocorrer nas mesmas regiões da África, Ásia e América Latina, que são prioridades para as iniciativas de REDD+.
Modelo brasileiro
O estudo descobriu que o Brasil pode ser um potencial modelo para a forma de se impulsionar a produção agrícola e ao mesmo tempo, diminuir as taxas de desmatamento nos últimos seis anos. O Brasil se tornou uma potência agrícola global, ao mesmo tempo que usa apenas 6 por cento de suas terras aráveis. Ele tem feito isso, principalmente por meio de fortes compromissos transetoriais, um melhor monitoramento e incentivos financeiros, além de um esforço coordenado de desenvolvimento que enfatiza a qualidade do solo e cultivares de alto rendimento.
Um berço importante dos compromissos federais e estaduais é exemplificado pelos planos de REDD+ no estado do Acre, que engloba todos os solos e tipos de utilização, incluindo uma gama completa de usos agrícolas que com impacto nas florestas do Acre e poderá fornecer um modelo de como integrar estratégias de REDD+ com metas de produção agrícola.
Durante um evento paralelo na reunião de Bonn, realizado pela CCAFS e a FAO, alguns participantes observaram que os desafios do processo de REDD+ são em grande parte devido a uma negligência de longa data dos problemas fundamentais relacionados à segurança alimentar e à governança florestal nos países em desenvolvimento.
“De muitas maneiras, a maior parte da destruição da floresta reflete uma grande batalha sobre a terra, o que irá influenciar a forma como nós podemos produzir alimentos suficientes e biomassa de uma forma equitativa e sustentável”, disse Joachim von Braun, director do Centro de pesquisa para o desenvolvimento (ZEF) em Bonn.
Frances Seymour, diretora-geral do Centro Internacional para Pesquisa Florestal (CIFOR), disse que os estudos de sua instituição em regiões que sofrem uma perda significativa de florestas naturais mostram que mudanças na maneira como os governos apoiam as decisões de uso do solo local podem fazer uma diferença significativa.
“Se os governos estão empenhados em resolver os direitos posse da terra e o acesso aos recursos florestais, facilitando o planejamento justo e transparento de uso da terra, e levando em conta os serviços ambientais, eles podem apoiar a realização dos objetivos da agricultura e REDD +”, disse ela.
Lini Wollenberg, que coordena pesquisas em mitigação no CCAFS salientou que as estratégias REDD+ devem adotar iniciativas que possam tornar a agricultura mais compatível com a proteção da floresta. Isso inclui a ampliação de medidas, como sistemas de certificação ligada à produção agrícola sustentável, que poderia ser um incentivo financeiro para proteger as florestas.
Ela recomenda também que muito mais poderia ser feito para mudar a agricultura para áreas degradadas, mas ainda são capazes de serem produtivas e para promover atividades agrícolas que busquem um aumento no armazenamento de carbono, como os sistemas agroflorestais. “Há muitas maneiras de levar a agricultura para o processo do REDD+. É hora de os países começarem a investir seus fundos de REDD+ nesse objetivo”, disse ela.
* O Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar (CCAFS) da CGIAR é uma parceria estratégica entre CGIAR e a Parceria da Ciência do Sistema Terra (ESSP). O CCAFS reúne os melhores pesquisadores do mundo em ciências agrícolas, pesquisa, desenvolvimento, ciência do clima e da ciência da Terra para identificar e resolver as mais importantes interações, sinergias e intercâmbios entre as alterações climáticas, agricultura e segurança alimentar. O Centro líder do CGIAR é o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), em Cali, Colômbia. Para obter mais informações, visite www.ccafs.cgiar.org.
** Colaboração de Jaime Gesisky para o EcoDebate, 09/06/2011
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