Impacto e espetáculo, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] Notícia de impacto, sem dúvida, a morte de Bin Laden deve render meses de especulações para satisfazer a curiosidade do público. É o típico impacto que se transforma em show, desde o aspecto dramático das vítimas do terrorismo, até o espetáculo de suspense que são as múltiplas versões que veremos para cada detalhe da descoberta de seu esconderijo e de sua morte (sem falar, ainda, nas “correntes” de emails de humor explorando peculiaridades do personagem).
Outro tipo de “circo de horrores”, de origem diversa, é a crise climática, tanto trágica quanto fonte de matérias (com comoção garantida) na mídia, também para atender à curiosidade pública sobre as catástrofes que se sucedem.
Há um tipo de impacto, no entanto, que não gera espetáculo, é o das decisões cotidianas nos dilemas cruciais que a sociedade está enfrentando. O impacto climático do desmatamento (gradativo e continuado) não vai ser mostrado na TV como espetáculo, porque não causa comoção, é um fato de natureza cientíica, racional, de gravidade crescente mas que ocorre através de eventos relativamente discretos no dia-a-dia. Para compreender a extensão desse impacto, não basta sermos meros consumires da informação, precisamos das noções científicas mais aprofundadas sobre a correlação entre o desmatamento e a crise climática.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) solicitou dois anos para estudar o resultado das alterações do Código Florestal no clima, mas os cientistas não foram chamados para o debate em torno do código, que ficou restrito aos políticos. Debate-se a questão como confronto entre “grandes produtores, pequenos produtores e ambientalistas”, mas e a população em geral? O clima não é propriedade de nenhum segmento específico, afeta a todos nós (tanto quanto a violência ou o terrorismo internacional).
Curiosamente, as pessoas “sabem mas não sabem” dessa associação entre florestas e clima. As matérias a respeito tratam as catástrofes como manifestação de uma “fúria de natureza”, às vezes dando a entender que esses fenômenos fossem “inatos” à natureza e não decorrentes das ações humanas. No entanto, esse é o drama que vai nos afetar mais drasticamente, nos próximos anos e décadas, do que qualquer outro – até mesmo do que a Al Qaeda, com ou sem Bin Laden. Só para ter uma idéia, imagine o mar avançando continuamente, sobre as nossas costas. Se permitirmos que se desmate ainda mais – com mudanças no Código Florestal, sem ouvir os cientistas – seremos nós mesmos os “terroristas” da vida futura.
Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 06/05/2011
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