Desastre ambiental no Golfo do México: Além do vazamento de petróleo, a tragédia de um golfo enfermo
O aniversário passou, a limpeza prossegue e, mesmo assim, o sul da Louisiana continua afundando no mar.
Mesmo nos piores dias do vazamento da BP, os defensores da costa olhavam além da emergência imediata, para o que o presidente da comissão para o vazamento de petróleo chamava de “a questão central da recuperação do vazamento –um grande evento poluidor como esse poderia ou deveria mobilizar energia política, recursos humanos e fundos para soluções para uma tragédia sistêmica em andamento?” Reportagem de Campbell Robertson, The New York Times.
Ofuscado pelo impacto ambiental incerto do vazamento está outro efeito colateral adverso: as vastas penas e multas que a BP terá que pagar ao governo federal. Além das multas criminais e indenizações, a BP está enfrentando processos que se enquadram em duas categorias: penas segundo a Lei da Água Limpa e as indenizações do processo de Levantamento de Danos a Recursos Naturais, onde agências estaduais e federais levantam os danos causados pelo vazamento e avaliam seu preço. Isso pode vir a somar bilhões, talvez dezenas de bilhões de dólares.
A BP não é a única empresa envolvida no acidente da plataforma Deepwater Horizon que poderá ter que pagar pelos danos. Em um sinal da batalha legal amarga que ferve entre os réus, a BP processou na quarta-feira a Cameron International, a fabricante do blowout preventer (válvula antiexplosão) que falhou em fechar o poço há um ano, argumentando que ela deve arcar com parte do pagamento das indenizações.
Mas para as pessoas ao longo do golfo, a questão sobre quem pagará os danos é menos importante do que eles receberem os pagamentos.
Autoridades e defensores por toda a costa concordam que o dinheiro seria uma enorme dádiva para o golfo, já que seria impossível obter esse dinheiro por meio dos canais políticos normais. Mas esse é o único acordo.
As negociações estão em andamento entre os representantes da região no Congresso para um projeto de lei que seguiria a recomendação da comissão presidencial, de alocação de quatro quintos das penas pagas pela BP segundo a Lei de Água Limpa –que podem variar de US$ 5,4 bilhões a US$ 21 bilhões– para a Costa do Golfo. Sem uma legislação específica, o dinheiro seria destinado ao Fundo de Despesas para Vazamentos de Petróleo, para ajudar no pagamento da limpeza de futuros vazamentos; assim que o fundo atinge US$ 2,7 bilhões, o restante é destinado ao Tesouro.
Mas apesar desses projetos de lei terem sido propostos na Câmara e no Senado, o apoio de todo o golfo para um projeto específico permanece difícil. Ainda há muito desentendimento entre os legisladores dos Estados do golfo a respeito de como o dinheiro seria dividido e como poderia ser gasto. Entre as preocupações estão quanta liberdade os Estados teriam para financiar projetos não relacionados à recuperação do ecossistema –as autoridades do Alabama, por exemplo, anunciaram o desejo de construir um centro de convenções– e se o dinheiro seria dividido igualmente entre os Estados, ou alocado com base no impacto ambiental do vazamento, um caso em que a Louisiana receberia a maior fatia.
Um acordo entre os legisladores da região, é claro, não asseguraria a aprovação do projeto de lei no Congresso, particularmente dada a austeridade que tomou conta de Washington. Donald Boesch, um professor de ciências marinhas da Universidade de Maryland, que integrou a comissão presidencial para o vazamento de petróleo, disse que as concessões políticas necessárias para um acordo no golfo, como a flexibilidade para gastar o dinheiro em projetos econômicos, poderia impedir legisladores de outros Estados, que hesitariam em autorizar que o dinheiro fosse destinado a projetos não ligados diretamente à recuperação do vazamento.
Alguns legisladores, disse Boesch, também pararam diante das críticas incessantes dos líderes políticos da Louisiana às regulamentações pós-vazamento de petróleo impostas pelo governo Obama. Argumentando que as novas regras colocam em risco a economia estadual dependente da extração de petróleo, os legisladores da Louisiana estão defendendo projetos de lei na Câmara dos Deputados que acelerariam e possivelmente contornariam as revisões federais das licenças de exploração de petróleo em alto-mar.
“Para muitos, parece que o que eles estão pedindo é por uma volta ao modo como eles operavam antes, sem reconhecimento de que as coisas mudaram”, disse Boesch em uma entrevista. “Você não está disposto a adotar medidas para proteção do meio ambiente, então por que devemos acreditar que você tomará medidas para recuperar o meio ambiente?”
Se a rota política fracassar, há o Plano B: as autoridades federais poderiam direcionar parte do dinheiro para a restauração como parte de um possível acordo.
“Se nenhuma nova legislação for aprovada”, escreveu David M. Ulhmann, um especialista em lei ambiental da Universidade de Michigan, em um e-mail, “o Departamento de Justiça provavelmente negociaria uma indenização maior por danos aos recursos naturais, talvez até mesmo à custa das penas civis, e poderia tentar obter fundos adicionais para os esforços de restauração, como parte de qualquer acordo criminal ou decreto civil”.
Isso poderia agradar aos ambientalistas, já que as indenizações por danos aos recursos naturais são, por lei, obrigadas a ser gastas na restauração, e também poderia deixar a BP mais feliz, já que o pagamento dessas indenizações apresenta vantagens tributárias e simplesmente soa melhor do que penas.
Mas, acrescentou Uhlmann, “bem mais seria gasto em restauração se o Congresso agisse”.
Como tudo mais neste vazamento, o levantamento dos danos aos recursos naturais, apesar de movido cientificamente, não é intocado pela política. Um plano de ação exige um acordo entre as várias partes, o que não tem acontecido até o momento.
E mesmo se o dinheiro for obtido, disse Oliver Houck, um professor da Escola de Direito de Tulane, que é especializado em lei ambiental, ainda não há um consenso entre os cientistas e autoridades sobre como melhor consertar os problemas mais urgentes do golfo.
“Mesmo se todas as peças se encaixarem, e até agora nenhuma delas se encaixou, ainda restará o que fazer com todo o dinheiro”, ele disse. Falando sobre a perda das áreas alagadiças da Louisiana, ele apontou que os danos foram muito maiores e as soluções mais limitadas do que muitos reconhecem.
“Poderia ser melhor usar o dinheiro para ajudar as pessoas a se mudarem dali”, disse Houck, “deixar que a recuperação natural aconteça”.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Reportagem [Beyond the Oil Spill, the Tragedy of an Ailing Gulf] do New York Times, no UOL Notícias.
EcoDebate, 25/04/2011
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