Indígenas em isolamento voluntário: Heróis da sobrevivência ocultos na floresta, artigo de Telma Monteiro
[Ecodebate] Para quem, como eu, vive escrevendo sobre as violações dos direitos indígenas, 19/4 não é um dia especial. É mais um em que tenho que lembrar à sociedade que esses direitos continuam sendo violados desde a descoberta do Brasil pelos portugueses. Seja pelo desrespeito à cultura e tradição dos povos, seja pela falta de consulta para interferir em suas terras, ou ainda pela ignorância daqueles que desconhecem como os indígenas sobrevivem, como pensam o planeta e como encaram o mundo dos não índios.
Não resta dúvida que o projeto da hidrelétrica Belo Monte conseguiu colocar na pauta das redes sociais a questão indígena. Nas últimas semanas a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, mais explicitamente, se encarregou disso. A mensagem direta é inequívoca: o governo brasileiro está violando os direitos humanos.
O objetivo deste texto hoje é fazer um alerta. Nas matas equatoriais estão escondidas pequenas comunidades indígenas que rechaçam qualquer contato com a sociedade moderna. Eles são voluntariamente isolados como estratégia para sua sobrevivência. Apesar da expansão das economias modernas, da cultura globalizada, esses povos resistem contrariando muitos interesses poderosos. Eles são o símbolo dessa resistência.
Não há extração madeireira ou construção de obras de infra-estrutura que possa derrubar esses povos em isolamento voluntário. Todos os países da bacia amazônica escondem esses heróis que em pleno século XXI conseguem vencer seus algozes. Os governos desses países são fracos e omissos no trabalho de proteção desses grupos isolados. Contra todos os prognósticos e apesar de sua destruição ritmada desde o final do século XIX, eles sobreviveram às alterações sociais, políticas e econômicas.
A Convenção 169 da OIT ajudou muito, apesar das particularidades que cada povo enfrenta nos diferentes países que partilham os rios da Amazônia. A busca de proteção e de conhecimentos sobre os povos isolados, no entanto, deixa uma lacuna sobre alguns de seus hábitats, a sua vulnerabilidade e a sua fragilidade. As garantias oferecidas para sua sobrevivência são tão tênues que a proteção está seriamente comprometida.
No âmbito internacional algumas ações de proteção foram desenvolvidas, mas que pouco refletem nas políticas efetivas locais sobre os povos em isolamento voluntário. Os avanços são tímidos e a sensibilização é lenta. Em seguida alguns dados que colocam os isolados num patamar de heróis da sobrevivência.
Peru
No Peru, por exemplo, há povos isolados e aqueles em contato inicial que têm a vida e a saúde ameaçadas por epidemias. Esses grupos estão sempre próximos aos rios e vulneráveis à presença de turistas, aventureiros e madeireiros. O megaprojeto de Camisea envolve a extração, o transporte e a distribuição de gás natural para consumo interno e exportação e é mortífero para os isolados.
Equador
Os povos indígenas em isolamento voluntário na Amazônia equatoriana estão em lugares mais remotos e praticamente inacessíveis e conseguiram ficar esquecidos na floresta. O estado equatoriano não tem nenhuma lei que os defenda e são considerados legalmente inexistentes. Os Tagaeri, Taromenani e Huarani são os heróis ocultos na floresta do Equador. Concessão de recursos naturais como petróleo é a grande ameaça.
Colômbia
Os Nukak, cerca de 240 indivíduos, perambulavam por uma reserva indígena de 10.000 km² na selva colombiana. Eles não tiveram tanta sorte e atualmente estão numa situação extrema de fragiliade demográfica e expostos a abuso sexual. Entre as maiores ameaças à sua sobrevivência estão as invasões, os conflitos com as FARC, a exploração petroleira e a construção de rodovias. Esses heróis estão na iminência de desaparecer.
Venezuela
Quase não existem mais povos isolados na Venezuela. Os que ainda resistem são considerados como “contato tardio” ou contato permanente recente. Os Jodi e os Yanomami no território venezuelano são os mais próximos dos isolados. Nesse caso, eles sucumbiram à modernidade.
Paraguai
O povo isolado Ayoreo que está no norte do Chaco paraguaio não teve contato com a sociedade moderna e se recusa a ter. Os Ayoreo perambulam por cerca de 100.000 km² e o seu isolamento ainda está garantido. A constituição do Paraguai reconhece a existência dos indígenas em isolamento voluntário e os define como grupos de culturas anteriores à formação do Estado
Bolívia
Os grupos de indígenas isolados encontrados na Bolívia estão protegidos dentro de uma região chamada de Zona Intangível e de Proteção Integral de Reserva Absoluta. É no Parque Nacional e Área Natural de Manejo Integrado (PNANMI) Madidi que vive o povo isolado que se presume sejam os herdeiros dos Toromonas históricos. No total, a Bolívia tenta proteger cerca de 5.000 indígenas em isolamento voluntário.
Brasil
O Brasil tem 68 referências de indígenas em isolamento voluntário, 6 terras indígenas exclusivas e 4 com presença confirmada. A Funai é o órgão governamental encarregado de coordenar as ações de proteção dos isolados através da Coordenação Geral dos Índios Isolados (CGII).
A garantia de sobrevivência dos indígenas em isolamento voluntário é frágil aqui no Brasil. Os grupos sofrem os impactos causados por madeireiros, pelo agronegócio, mineração, invasões e especulação de terras e, principalmente, por obras de infra-estrutura do PAC na Amazônia. As obras das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará, são hoje a mais terrível ameaça que os povos isolados podem sofrer. Junto com esses projetos vem o resto.
Fonte consultada: Pueblos indígenas en aislamiento voluntario y contacto inicial en la Amazonía y el Gran Chaco
Telma Monteiro
https://twitter.com/TelmaMonteiro
EcoDebate, 21/04/2011
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Muito obrigado, Telma. Vale lembrar a presença destes “herois da sobrevivência” que ainda permanecem também na região da Terra do Meio ( Municípios de São Félix do Xingu e Altamira, Estado do Pará) ameaçãdos não somente pela barragem de Belo Monte mas também pela contaminação por agrotóxicos adulterados ( como é o Nufarm 2,4-D aditivado com outro produto dessecante que poderia ser o Roundup, ou Fusilade, ou Paraquat, ou Gramoxone, etc. ) utilizado pelos latifundiários para”desmatamento fazendo morrer as árvores sem ter que derrubar ou queimar” ( o mesmo que os EUA fizeram na Guerra Química no Vietnam com o uso do “Agente Laranja”). Padre Angelo Pansa – Delegado ICEF (International Court of the Environment Foundation)
Cara Senhora
Eu não chamaria estas pessoas de “heróis da sobrevivência”, pois há mais um ato de preservação de sua vida do que um ato de heroísmo, estes povos são geralmente remanescentes de tribos que de uma forma ou outra sofreram e sofreram em muito no contato com o resto da população (inclusive com outras tribos), e este isolamento se tem como positivo preservá-los fisicamente, simplesmente está adiando algo inevitável.
Quanto mais a sociedade evoluir mais estes isolados mais se distanciarão dela, em um momento haverá um impasse, ou se continua deixando essas pessoas viver sujeitas a duras condições de vida ou se incorpora ao resto do mundo.
Imagens de um índio vivendo feliz junto a natureza, morrendo por qualquer picada de cobra, por qualquer outro problema de saúde tendo que para fazer asua agricultura de subsistência cortar o mato com um machado de pedra é algo que não vejo como o ideal para um ser humano.
Muito se fala que no Brasil antes do Português chegar existiam 10 milhões de índios, e por que não existiam 100 milhões de índios? Ninguém se pergunta isto, mas a razão é simples a famosa seleção natural agia de forma cruel através de doenças, fome, mortalidade infantil que não permitia o aumento da população.
Eu aceito a limitação voluntária do número de filhos, porém não acho que o homem deve ser sujeito a seleção natural como um animal qualquer da selva.
O povo Waimiri Atroari depois de quase ir na direção da extinção começou a receber tratamento médico e dentário e outros direitos que eles tem, como resultado disto a taxa de crescimento populacional em 19 anos atingiu a surpreendente marca de 5,2% ao ano, uma das maiores taxas de crescimento populacional do mundo.
Índio não quer apito, índio que boas condições de vida e receber os confortos da civilização sem abrir mão de sua tradição e cultura