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O futuro da Convenção do Clima, artigo de José Goldemberg

[O Estado de S.Paulo] O grave acidente nuclear de Fukushima pôs em segundo plano as discussões sobre mudanças climáticas e as medidas que poderiam ser tomadas para evitá-las. Desastres nucleares como esse podem espalhar radioatividade sobre amplas áreas geográficas e produzir mortes ou doenças com sérias sequelas. Tais problemas precisam ser enfrentados de imediato, quer evacuando centenas de milhares de pessoas – como foi feito no Japão -, quer sepultando os reatores nucleares em sarcófagos de concreto, como se fez em Chernobyl para impedir que a radioatividade se espalhasse.

Já as mudanças climáticas se dão ao longo de dezenas de anos, mas também podem ter consequências muito sérias para a vida da humanidade. Esses efeitos, porém, ocorrem lentamente e ainda há tempo para tomar medidas preventivas que poderão diminuir a sua gravidade.

Foi isso que se tentou fazer com a Convenção do Clima, adotada no Rio de Janeiro em 1992, durante a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Em 2012 haverá, também no Rio, um grande evento para marcar o 20.º aniversário da convenção e discutir formas de torná-la mais eficaz.

O objetivo da Convenção do Clima é estabilizar a concentração dos gases responsáveis pelo aquecimento da Terra. Essa concentração está aumentando todos os anos por causa do consumo de combustíveis fósseis, que lança na atmosfera dióxido de carbono (CO2), o qual estava armazenado no subsolo sob a forma de carvão, petróleo ou gás natural.

Não é uma tarefa fácil: combustíveis fósseis representam cerca de 80% de toda a energia que se consome no mundo, movimenta trilhões de dólares por ano e abrir mão do seu uso exigiria esforços muito grandes, até mudanças nos atuais padrões de consumo. Ainda assim, a Convenção do Clima foi adotada por mais de 180 países em 1992, o que pode ser considerado um dos grandes sucessos do esforço para introduzir racionalidade na condução dos destinos da humanidade.

Esse sucesso, contudo, foi ilusório, porque as duras medidas que seriam necessárias para implementar as decisões da convenção não foram levadas a efeito: o Protocolo de Kyoto, que fixava metas e um calendário para a redução de emissões, não foi ratificado pelo Senado americano, apesar de os Estados Unidos contribuírem com 25% das emissões mundiais. A China – com outros 25% – e os países em desenvolvimento foram isentos de reduções mandatórias. Apenas a União Europeia pôs em prática o protocolo – o bloco, no entanto, representa apenas cerca de 15% das emissões.

Uma análise das negociações que precederam a adoção da Convenção do Clima lança luzes sobre o que realmente aconteceu na época: a área econômica do governo dos Estados Unidos não era favorável a medidas que reduzissem as suas emissões, por causa dos custos que implicariam; e os países em desenvolvimento consideravam as limitações às suas emissões de carbono um obstáculo ao seu desenvolvimento.

Mediado pelo ministro do Meio Ambiente inglês, o compromisso foi o artigo 4.º da convenção, que no fundo não é mais do que uma exortação para que os países industrializados adotem políticas para limitar suas emissões, demonstrando, assim, que assumiram a liderança na adoção das medidas adequadas, porém reconhecendo “a necessidade de manter um crescimento econômico forte e sustentável”. Esse artigo foi considerado por Clayton Yeutter, chefe do grupo de coordenação política da Casa Branca, “magistralmente vago”.

Pagamos até hoje o preço de tais decisões e o que ocorreu em Copenhague em dezembro de 2009, durante a COP 15, é o resultado das ilusões criadas pela Convenção do Clima de que haveria, pelo menos neste caso, um esforço sério de governança mundial, uma vez que mudanças climáticas afetam todos, ricos e pobres.

O que ficou evidente após Copenhague é que os países farão, na questão de reduções de emissões, unicamente o que os seus interesses nacionais determinam e que não há espaço para generosidades.

Essa posição brutal, mas realista, tem vantagens e desvantagens. A China, por exemplo, que é beneficiada pelo Protocolo de Kyoto e isenta de limitações de suas emissões, está fazendo um esforço de reduzi-las, pois assim diminuirá a poluição local decorrente do uso de carvão e melhorará a eficiência do seu sistema energético. Os Estados Unidos, sob o presidente Barack Obama, tentaram introduzir metas e prazos para reduções de emissões, mas fracassaram. Apesar disso, a Agência Ambiental americana está introduzindo limites às emissões de vários setores industriais.

Em desespero de causa, alguns economistas que foram responsáveis pelo fracasso do Protocolo de Kyoto propõem agora a introdução de uma taxa sobre as emissões de carbono. Com isso todos os produtos que provocam emissões ficarão mais caros e o próprio mercado acabará se encarregando de estimular a adoção de tecnologias que as reduzam.

O governo inglês já decidiu adotar uma taxa de US$ 26 por tonelada de CO2 emitida. Um problema sério com essa estratégia é o de conciliar o que diferentes países farão, criando potencialmente conflitos tarifários.

Por outro lado, os países da Europa, o Estado da Califórnia (EUA) e o de São Paulo adotaram metas e prazos para a redução das suas emissões. Esta estratégia coloca pressão apenas sobre os maiores emissores, que terão de melhorar suas tecnologias, e não sobre a população como um todo, o que taxas sobre carbono farão.

Dentro de alguns anos veremos qual estratégia terá maior sucesso. O desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono com energias renováveis – e o uso em larga escala de energia solar – será essencial para isso.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 20/04/2011

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