Código Florestal: ‘falta harmonia, conhecimento sistêmico e sobram dispersão e desinformação’. Entrevista especial com Dieter Wartchow
Para o pesquisador Dieter Wartchow, o novo código florestal deveria ser baseado em fatos, dados e informações resultantes de estudos científicos. “Na abordagem natural usada nas discussões em torno do Novo Código Florestal, falta harmonia, conhecimento sistêmico e sobram dispersão e desinformação. As discussões direcionam-se para os sintomas do problema e são pautadas por ações ou posições fragmentadas, as quais, na maioria dos casos, representam um ponto de vista corporativista, de seu interesse”, apontou ele na entrevista que concedeu à IHU On-Line por e-mail.
Dieter Wartchow é engenheiro graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com especialização em Hidrologia Aplicada pelo Instituto de Pesquisa Hidráulica. Na UFRGS fez o mestrado em Hidrologia Sanitária. É doutor em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade Stuttgart (Alemanha). Atualmente, é professor na UFRGS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que outra abordagem é possível para o Código Florestal?
Dieter Wartchow – Uma abordagem baseada em fatos, dados e informações resultantes do estudo e conhecimento científico. Esta abordagem científica estimularia, a partir da seriedade dos propósitos do Novo Código Florestal, maior participação da sociedade e permitiria um direcionamento do debate para as causas do problema. Na abordagem natural usada nas discussões em torno do Novo Código Florestal, falta harmonia, conhecimento sistêmico e sobram dispersão e desinformação. As discussões direcionam-se para os sintomas do problema e são pautadas por ações ou posições fragmentadas, as quais, na maioria dos casos representam um ponto de vista corporativista, de seu interesse. Criou-se uma grande discussão onde o que parece ser certo para alguns, para outros parece errado. Defende-se e busca-se salvaguardar a destruição já feita e não o que deve ser feito para garantir a sustentabilidade da vida. Neste tabuleiro de xadrez, cada um está a defender o seu quadrado, quando todos são importantes.
IHU On-Line – Em que aspectos o novo código florestal compreende a economia e a ecologia de forma integrada e equilibrada?
Dieter Wartchow – No Novo Código Florestal falta sinergia entre economia e ecologia. Estudar e cuidar da “casa” pode significar um processo de desenvolvimento econômico mais duradouro e sustentável. Neste, nota-se certo cartesianismo nos percentuais e números propostos, visto que, a natureza tem características singulares de acordo com o bioma e região.
IHU On-Line – Qual é a melhor alternativa para preservar o princípio do ambiente sustentável com desenvolvimento?
Dieter Wartchow – Vou parafrasear o educador Paulo Freire, no qual “Não há saber maior ou menor, mas sim, saberes diferentes”. Talvez devêssemos discutir e buscar com criatividade novas tecnologias, e não temer uma mudança de comportamento. Plantar de forma diferente, reconhecer a vulnerabilidade da natureza e da biodiversidade e dos riscos de sua irreversibilidade. Também devemos dar à natureza o que é da natureza, por exemplo, adequando nossas atitudes ao tempo que a natureza precisa para renovar o ciclo da água. Permitir o acesso democrático à informação sobre as causas, conseqüências de um pobre manejo florestal. Sermos educandos e educadores. Não sermos indiferentes e participar na construção de um mundo melhor para todos.
IHU On-Line – Você é favorável ao aprimoramento do texto antes da votação? Quais alterações devem ser realizadas?
Dieter Wartchow – Sim, mas até onde? Por que não se trabalha sobre o antigo, que parece ser melhor do que o novo? A proteção das fontes, das zonas úmidas ao longo dos cursos d’água e das áreas de recarga deve integrar a proposta do Novo Código Florestal. Além disso, segundo a Agência Nacional de Água – ANA, apoiada por estudos internacionais e realizados no Brasil, deve-se compreender o papel das matas e das áreas ciliares na proteção da biodiversidade e da qualidade e quantidade dos nossos mananciais de água e manter faixa de mata ciliar com largura mínima de 30 metros. Não menos do que isto. A assistência técnica e a extensão rural são de vital importância para o assessoramento das atividades rurais nos assentamentos e pequenas propriedades rurais. Desta dependem a manutenção dos habitats para a fauna, a biodiversidade, a prevenção contra erosão e a retenção de água. Quanto às APPs nas encostas íngremes, elas também deveriam ser mantidas e consideradas como serviço ambiental passível de remuneração compensatória.
IHU On-Line – O presidente da Câmara garantiu que o projeto do código somente será encaminhado para votação quando houver acordo sobre a proposta. É possível vislumbrar um acordo entre agricultores e os movimentos sociais contrários as mudanças?
Dieter Wartchow – Um acordo entre os interlocutores do agronegócio, da agricultura familiar, agricultores, pecuaristas e os movimentos sociais contrários às mudanças propostas no Novo Código Florestal não vai cessar as críticas das partes envolvidas. Um acordo para quais objetivos e metas? Deveríamos observar e dialogar mais com a natureza. A natureza que nos assiste não tem voz para pedir socorro e não fala para mostrar novos caminhos.
IHU On-Line – O presidente da CeCafé, Guilherme Braga, afirma que o Novo Código Florestal pode condenar pequenos sítios e a agricultura familiar. Para a Via Campesina, relacionar agricultura familiar a mudanças no Código Florestal é falácia. Já um estudo feito pela Embrapa mostra que os produtores familiares serão os principais beneficiados. Em um contexto de desinformação, como lidar com constatações tão divergentes?
Dieter Wartchow – Através da pesquisa do conhecimento científico e do desenvolvimento de atitudes solidárias e sérias para preservar de fato a Floresta Amazônica Brasileira, a Mata Atlântica, os biomas do cerrado, pantanal e pampa. Como todos os atores participantes do debate dizem querer proteger o meio ambiente e as florestas, deveria-se cobrar destes uma declaração de moratória, para evitar a agressão às APPs, às matas e florestas. A discussão sobre o Novo Código Florestal está acontecendo devido ao desrespeito da legislação brasileira e da Constituição Federal, principalmente, do Art. 225, onde fica claro o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever do Poder Público e da coletividade de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Melhorar e ampliar a fiscalização contra os crimes ambientais.
IHU On-Line – Considerar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) como Reserva Legal evitaria prejuízos para algumas propriedades? Qual seria a melhor proposta para a consolidação de ocupações em APPs?
Dieter Wartchow – Não sou favorável à consolidação de ocupações em APPs, considerando que a maioria destas áreas oferecem risco às pessoas. Um sistema de informações geográficas, hidrológicas, geológicas, e outras informações relevantes poderia ser um bom instrumento para ao menos estas ocupações serem de conhecimento do poder público. Estes dados e os indicadores deveriam falar a linguagem do povo, para serem bem entendidas e interpretadas. Em sendo inevitável ou em se percebendo que a ocupação não oferece risco às pessoas e/ou relaciona-se com um sistema local de produção (ex.: plantio de uva), poder-se-ia analisar o potencial em transformar quem nelas trabalha em “cuidadores” do ambiente, educando-os e buscando desenvolver e capacitá-los para novas atividades locais de produção.
IHU On-Line – O Novo Código Florestal dá conta de atender a uma produção agrícola com qualidade econômica, ecológica e ambiental dentro dos preceitos atuais da ciência?
Dieter Wartchow – Sim e não, se forem considerando os milhões de hectares de áreas mal aproveitadas ou ociosas; o uso da terra para produzir com elevada produtividade e também com baixa produtividade, portanto, com potencial para a ampliação da produção agrícola. A qualidade econômica pouco tem a ver com o Novo Código Florestal, pois é o mercado que estabelece os preços das commodities e as condições climáticas que impacta a produtividade para cima ou para baixo. Ecológica e ambientalmente, o Novo Código Florestal pode contribuir para melhorar a qualidade de vida promovendo impactos benéficos sobre a atmosfera (ar), litosfera (solo) e hidrosfera (água), que podem ser considerados reservatórios comunicantes de vida.
IHU On-Line – A proposta do novo código florestal dá conta de um cenário de mudanças climáticas, crise energética e crise alimentar?
Dieter Wartchow – Quando especialistas discutem sobre o aquecimento global e sua relação com o crescimento dos níveis de carbono equivalente (CO2 equiv.), também estamos falando sobre as mudanças climáticas e seus efeitos sobre a produção de alimentos e sobre a vida em nosso planeta. Este tema, portanto associa ação local e efeito global. Florestas serão muito úteis para absorver gás carbônico e produzir oxigênio. A proposta do Novo Código Florestal poderá contribuir na diminuição dos riscos de geração de energia das hidroelétricas, pois é cientificamente comprovado que florestas e matas ciliares contribuem para a diminuição da erosão e melhora das vazões dos rios. Os sedimentos depositados no fundo das barragens ocupam o espaço que deveria ser destinado para armazenamento de água, além de poderem ser precursores da proliferação de algas tóxicas. A previsão de se poder usar parte da Reserva Legal para o plantio de árvores exóticas potencializa a queima da madeira para diversas atividades econômicas. O modelo de exportar água virtual e de usar madeira da floresta amazônica e do cerrado brasileiro como fonte de energia para a indústria do aço precisa ser reavaliado. A crise alimentar relaciona a falta de acesso aos alimentos pela população pobre, e não especificamente uma crise de produção de alimentos.
IHU On-Line – O novo código está sendo avaliado pelo que induz em termos de dinâmica social e cultural no país?
Dieter Wartchow – Não acredito que a dinâmica social e cultural do país tenha importância preponderante na discussão em torno do Novo Código Florestal. Geralmente, é a ordem econômica que domina as ações políticas e determina quais concessões podem ser feitas ao povo e ao meio ambiente. Transformar um problema em uma oportunidade requer informações cientificamente analisadas em vez de informações desencontradas. Devemos procurar não acomodar situações e com conhecimento, habilidade e atitude, devemos também buscar equacionar este tema, que lida com nossa vida. Salvemos um grande potencial de futuro do Brasil, nossas florestas e nossa água.
(Ecodebate, 20/04/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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Parabéns professor Dieter. Uma análise da situação da floresta amazônica e das consequências de algumas propostas apresentadas nas discussões sobre o Novo Côdigo Florestal. Entretanto ainda não encontrei nada que leve em consideração a quase certeza de que boa parte do que foi desmatado nestes últimos anos está contaminado pelos produtos químicos (herbicidas e dessecantes) utilizados os quais deixaram resíduos tóxicos permanentes contendo DIOXINAS ( como aconteceu no Vietnam quando do uso do “Agente Laranja” por parte dos EUA na guerra contra os Vietcongs). Nos anos 2002/2008 latifundiários e madeireros injetavam nas árvores um quantidade de ROUNDUP, ou FUSILADE, ou PARAQUAT). Será que não ficou nada nos solos e nas águas das lagoas onde foram estocadas as árvores cortadas e de onde sairam manchas consistentes de peixes mortos? Os Ministérios do Meio-Ambiente, da Saúde e tambèm da Justiça foram alertados mas não foram efetuar a coleta de amostras para análise da contaminação.
Acredito que esta gravíssima agressão à Natureza deveria ser tema de discussão também para apontar responsabilidades de quem assim atuou e que hoje querem amnistia por aquilo que fizeram a dano da própria Nação Brasileira e das Populações Amazônicas, Índios incluidos.
Padre Angelo Pansa-Delegado ICEF(International Court of the Environment Foundation).
Parabéns professor DIETER pela licidez da entrevista.
Parece-me que “os técnicos sempre tem razão”.
A proposta de nosso novo Código Florestal poderia ser mais técnica e eficiente. O homem (do mundo todo) precisa “formatar” uma nova relação com a natureza. Consertar o que pode ser consertado e criar ferramentas para mudar essa relação. Pretender ir além disso é uma falácia.
Eloy Brandão-Engenheiro Florestal.