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MG: I Caminhada Ecológica da Rede ‘Nós Amamos Neves’ tratada como caso de polícia

I Caminhada Ecológica Nós Amamos Neves é barrada por Agentes de Segurança do Presídio José Alkimim

A I Caminhada Ecológica Nós Amamos Neves foi barrada pelo Grupo de Intervenções Táticas (GIT) da unidade prisional José Maria de Alkimim no último domingo (10/04/2011), em Ribeirão das Neves, MG, Brasil. Agentes de segurança da unidade – encapuzados, fortemente armados com escopeta e cães – surpreenderam e impediram a passagem de cerca de 200 pessoas durante o percurso há uns 200 metros da estrada de acesso à Fazenda Mata Grosso – onde o Governo de Minas está iniciando a construção de um grande presídio privado para 3.040 presos – que fica ao lado da lagoa de tratamento de esgoto da Copasa.

Apesar ter sido comunicada dias antes sobre o evento no local, a unidade prisional emitiu a mensagem de impedimento somente no bloqueio da caminhada e a próprio punho do diretor geral, Sr. Igor, repassada pelo Diretor de Segurança Geraldo Henrique. O objetivo das entidades da ‘Rede Nós Amamos Neves’ era sensibilizar a sociedade para os danos ambientais causados com o início das obras de mais um Complexo Penitenciário na cidade. No entanto, a cena de intimidação por parte dos agentes de segurança provocou indignação nos que participaram do evento.

A caminhada fechou a Semana Social sobre a Campanha da Fraternidade de 2011, promovida em resposta ao desafio de realizar uma ação concreta no município em favor do meio ambiente e da vida.

Segundo alguns dos articuladores da “Rede” e presidente da Associação para o Bem Nevense (ACIBEN), responsável pelos comunicados, Wilson Carlos, quando a Rede Nós Amamos Neves faz qualquer evento, é de costume informar todos os poderes da cidade: as polícias militar, civil e federal. No caso da caminhada, envolvia a segurança da Penitenciária José Maria Alkimin. “Nós enviamos o oficio ao diretor comunicando sobre o evento. Houve um retorno da Penitenciária para confirmar sobre a data e percurso, mas não deram nenhuma negativa. Quando chegamos aqui, o pessoal da direção nos proibiu de realizar a caminhada”, explicou Wilson, sem entender a postura da Unidade.

 

Preservação da natureza: dever sagrado e civil

 

O padre José Geraldo de Sousa, que trabalha no município como formador de consciência cidadã, disse que a ideia da Rede é apresentar à sociedade, e para alguns relembrar, a história da área próxima à Penitenciária José Maria Alkimim. Avaliar se vale à pena sacrificar o meio ambiente para projetos que não se enquadram na região. Segundo o padre, a Caminhada Ecológica estava programada para ter sete paradas para reflexão durante o percurso. “Não conseguimos. Fizemos todas as reflexões diante de agentes de seguranças que nos impediram de passar. Sabemos que se trata de uma área de segurança, mas também se trata de uma área que está sendo destruída para fins que fere lei municipal. O meio ambiente é de Deus, então essa área também nos pertence. É um dever civil e sagrado preservá-la”, concluiu.

Indignado com o impedimento de última hora dos agentes de segurança da Penitenciária, o padre José Geraldo não abre mão da participação da população e considera fundamental o apoio das autoridades neste caso. “Pedimos às autoridades que revejam essa postura e dê a verdadeira segurança para todos nós. A nossa I Caminhada foi interrompida, mas estamos avançando nos passos de reflexão e de luta. Esse fato demonstra como a população é tratada. Nós não somos invasores, apenas queremos conhecer e apresentar a nossa realidade. O Estado administra o que é nosso e não concordamos com a implantação de mais um Complexo Penitenciário em Neves”, enfatizou.

 

Negociação

A polícia Militar, que acompanhava a Caminhada desde o Centro da cidade, onde começou o evento, mediou o conflito até quase às 12h. A negociação só foi concluída com a presença do comandante do 41° Batalhão, Tem. Cel. Luiz Carlo Godinho. Por telefone, o comandante conversou com o diretor geral da Penitenciária, que garantiu a autorização para a visitação da área por parte das entidades mediante novos ofícios. Após a Caminhada um grupo de participantes, representantes das entidades organizadoras do evento, registrou um Boletim de Ocorrência (CIAD/P-2011-0119) no 3º Pelotão da PM/202 CIA PM/40 BPM questionando o constrangimento sofrido pelos participantes – crianças, idosos, homens e mulheres nevenses – com a injustificada e desproporcional operação de choque montada pelo Serviço de Segurança do Presídio José Alkimin, o GIT, diz os participantes. Segundo os organizadores, o Boletim de Ocorrência pede providências e apuração do abuso de poder das forças de segurança do local. Será entregue à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e aos deputados estaduais que estarão na Audiência Pública, em Ribeirão das Neves, no dia 26 de abril de 2011 para ouvir as denúncias dos moradores contra mais presídios na cidade.

 

Encontro do Cerrado e da Mata Atlântica

 

O técnico da Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas, Daniel Coutinho da Silveira, que também participou da caminhada, apresentou algumas características da região. De acordo com ele a área tem uma vegetação especial com a transição de dois biomas: Cerrado e Mata Atlântica. Segundo Daniel, o encontro desses dois biomas tem uma rica biodiversidade por unir dois ecossistemas. “A devastação da região, além de eliminar a biodiversidade, também comprometerá a qualidade do ar e da água. Acredito que foi feito um trabalho de engenharia de controle de poluição, mas ainda assim é paliativo. Em termos ambientais a população de Ribeirão das Neves sofrerá com essa agressão num curto prazo, principalmente no que diz respeito ao clima, temperatura, ruídos, abrigo para fauna, e a própria paisagem que foi alterada”, explicou Daniel.

 

Repressão reforça desejo de luta contra presídios em Neves

 

Tristeza, frustração e indignação foram os sentimentos que marcaram a “I Caminhada Ecológica Nós Amamos Neves” com o impedimento dos agentes de segurança da Unidade Prisional José Maria de Alkimin. No entanto, moradores de várias regiões da cidade, com o objetivo de conhecer de perto o motivo da luta pela preservação, situado na Fazenda Mato Grosso, dizem que repressão desperta ainda mais o desejo de lutar contra a implantação de mais presídios na cidade.

A jovem pedagoga, Poliene Conceição Francisco, moradora do bairro Santinho, que participa da comunidade N. Sra. do Carmo, disse que esse tipo de privação em pleno século XXI é triste, mas também lamentou, sobretudo, sobre o armamento dos agentes. “Essa postura só fortalece o desejo de mudança e como pedagoga fico indignada e preocupada, pois também temos crianças que nos acompanham. Eu queria conhecer o espaço. E a esperança de um futuro melhor é minha maior motivação. Eu, como educadora em Ribeirão das Neves, quero poder garantir às crianças um futuro melhor. Ao mesmo tempo conscientizar, além das crianças, as minhas amigas educadoras de que a população deve exigir vida digna e cuidar do que é nosso”.

José Bibiano Benfica, da comunidade N. Sra. do Rosário, do bairro Santa Martinha, também ficou decepcionado, pois gostaria de conhecer a área onde se pretende construir a penitenciária e ver de perto a destruição da Fazenda, fundamento principal da Caminhada Ecológica.. “O que vi foi totalmente diferente. Estou frustrado, pois eu esperava ter liberdade para acompanhar as coisas do meu município e fui impedido. Essa situação desperta mais o desejo de continuar na luta por melhorias. Estamos buscando algo de bom não só para nós, mas para um mundo melhor”, reclamou. Estes foram alguns dos depoimentos indignados, ouvidos dos participantes no local.

 

DEPOIMENTOS:

 

Sidney Martins, integrante da Rede Nós Amamos Neves: “O Estado é intransigente, pois impede o povo organizado de fazer suas manifestações, como esse ato pacífico, que é uma Caminhada Ecológica. Caso tivéssemos tido um retorno, a Rede tinha feito um outro trajeto. Infelizmente o Estado não tem costume de se comunicar com a população. Acham que a gente tem que fazer o que eles querem. Isso nos deixa indignados. A população está correta em lutar contra a vinda de mais presídios para cidade. Neves não precisa de mais presídios. Acho que se o Governo de Estado tivesse um pouco de sensibilidade, iria perceber que Neves está precisando de cidadania e investimentos na área social. A diretoria do presídio José Alkimim alega que a área é de segurança pública. No entanto, a população quer ter acesso e conhecer para ajudar preservar uma área de preservação ambiental, que o próprio Estado está destruindo e desmatando, sem consultar as comunidades da cidade.”

 

José Ozório, (do Centro de Ribeirão das Neves): “Fico constrangido devido ao obstáculo, pois parece que não existe um entrosamento das autoridades com a população. Essa manifestação contra este sistema penitenciário é uma realidade de Neves, mas é uma questão que precisa ser discutida em todo Brasil. Uma satisfação não deve ser dada apenas à população de Neves. O nosso atual sistema penitenciário não foi executado, a própria José Maria Alkimin é uma prova disso. Eu acredito que ainda dá tempo para que este assunto seja estudado melhor e que o nosso Estado dê satisfação sobre este projeto. A Rede está provocando uma ação das autoridades e vai fortalecer ainda mais a luta.”

 

Maria Emília da Silva, advogada, militante dos Direitos Humanos e membro do Instituto DH: “Nós entendemos que vivemos num país democrático, regido por uma lei maior que é a Constituição Federal, que traz no seu artigo 5º garantias dos direitos fundamentais. Dentre essas garantias, num dos incisos está bem claro o direito de ir e vir. Na Caminhada Ecológica da Rede para esta manifestação todas as providências foram tomadas com os devidos comunicados às autoridades. O trajeto foi acompanhado pela polícia militar. Nós entramos numa estrada onde não havia nenhuma placa informando que era uma área de segurança e proibida a entrada. Não havia nenhum impedimento que nos fizesse parar nesse estágio da estrada. Então, o que a gente entende é que a comunidade está certa. Fica um sentimento de tristeza. Nós somos cidadãos e todo povo aqui, ainda que não tenha especificamente claro isso, é militante de direitos humanos, pois estão lutando por uma vida com dignidade. Nossa ação não é para tumultuar, mas sim para ajudar uma cidade. Inclusive amparada pela Campanha da Fraternidade.”

 

Frei Gilvander Luís Moreira, assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT: “Essa Caminhada Ecológica tem o sagrado objetivo de denunciar a construção de mais presídios em Ribeirão das Neves. Está escrito na Constituição brasileira que o princípio da dignidade humana deve ser respeitado, e que o povo tem o direito de se manifestar e lutar contra as injustiças. O impedimento da nossa caminhada é um absurdo. Está escrito no Evangelho de João que a mentira oprime e a verdade liberta. O que o povo não pode ver? Entendemos então que tem coisas sujas que querem esconder e isso é triste. A maneira como fomos barrados por agentes de segurança encapuzados com tropa de choque do GIT, cumprindo ordens, é mais triste ainda e imoral. Dia 26 de abril próximo terá uma Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa aqui e vamos denunciar isso. Esse fato reforça ainda mais a luta em prol dos Direitos Humanos em Ribeirão das Neves e contra a vinda de mais presídios para cá. Essa causa é mais do que justa e nobre. Mas é lamentável esta postura truculenta de autoridades diante de uma manifestação pacífica.”

 

Rosely Augusto, Psicóloga, integrante da Rede de Educação Cidadã e do Centro de Estudos e Pesquisa e Intervenção de Ribeirão das Neves: “Estou muito indignada com essa situação de repressão. Impedindo que a população de bem de Neves possa realizar uma Caminha Ecológica na área de preservação ambiental. O que a gente está querendo não é uma cidade de presídios e sim uma cidade de ipês amarelos, uma cidade de córregos limpos, que respeite os jovens com a construção de mais escolas, uma cidade onde a saúde funcione e que a população tenha qualidade de vida. Queremos uma cidade democrática que preserve a natureza e o direito do cidadão. Queremos que se discutam projetos que vêm para cidade com a própria população. Nós queremos que a Penitenciária José Maria de Alkimim se transforme numa escola de ensino superior, se tornando um patrimônio cultural da cidade. Queremos que toda área da Fazenda Mato Grosso se transforme em um Parque Ecológico para a população usufruir da riqueza ecológica que existe neste local.”

*Colaboração de Frei Gilvander Luís Moreira, para o EcoDebate, 15/04/2011

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