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Irresponsabilidade organizada e as catástrofes ambientais: um olhar a partir de Ulrich Beck, artigo de Haide Maria Hupffer e Roberto Naime

[EcoDebate] O tema da sociedade produtora de risco global ambiental desenvolvido por Ulrich Beck é paradigmático neste começo de século. De um lado, assiste-se a consolidação da sociedade de risco mundial com a ocorrência de catástrofes ambientais resultantes de decisões tomadas no processo de industrialização e globalização. Por outro lado, desaparece a hierarquização de quem sofre as consequências dos riscos produzidos pela sociedade industrial. Ou seja, todos estão expostos aos riscos e catástrofes ambientais, tanto países desenvolvidos quanto países subdesenvolvidos, pessoas ricas e pobres, sem exceção. Claro que o autor não desconsidera que a camada mais pobre é a mais atingida frente aos riscos da sociedade global.

Os riscos ambientais não se refletem apenas localmente. Eles se deslocam, invadem fronteiras, atravessam continentes e comportam danos sem limites, globais, incalculáveis e irreparáveis ao meio ambiente. Beck alerta que há uma crescente exportação invisível de perigos e riscos ambientais, ou seja, eles cruzam fronteiras sem ser detectados. Um exemplo que caracteriza o risco transnacional e transtemporal é o acidente ocorrido com petróleo no ano de 2010 nos Estados Unidos. É impossível calcular hoje toda a dimensão dos impactos e riscos socioambientais decorrentes, e riscos associados.

As informações distorcidas e enganosas sobre as tragédias ambientais mostram que, como se, num passe de mágica a simples compensação financeira (princípio do poluidor-pagador) fosse capaz de zerar os impactos e os riscos sociais e ambientais causados ao meio ambiente.

É nesse contexto que Beck insere a idéia de uma “irresponsabilidade organizada” que os riscos e perigos possuem, pois além de uma explosividade física eles possuem uma explosividade social. Sua análise teórica sobre “sociedade de risco global” o credencia a alertar a humanidade em relação aos danos ambientais sem limite, globais e irreparáveis, onde a noção de compensação (princípio poluidor-pagador) fracassa. A mudança climática pode ser considerada o marco do novo paradigma da “irresponsabilidade organizada” resultado da soberania do mercado que nas palavras do autor representam uma ameaça mortal.

Esta é a hora de se perguntar, se o consagrado internacionalmente princípio do poluidor-pagador não deve ser seriamente questionado. O que se compreende atrás deste princípio é que feito o pagamento, cabe ao corpo social a função de recompor o dano, pois o poluidor pagou. Estamos cansados de observar que existem danos irreversíveis, ou que são reversíveis em escalas de tempo geológicas de milhares ou milhões de ano, ou a um custo econômico impagável para a sociedade como um todo.

Há uma lógica de não controle institucionalizada e um sistema legal que persegue e regula em todos os seus detalhes os pequenos riscos tecnicamente manejáveis, mas que, por outro lado legitima e impõe a todos os grandes riscos que a técnica não pode minimizar. Infelizmente podemos afirmar que os órgãos ambientais atuam de forma a se proteger desta forma. Potencializam pequenos danos, extrapolam em pequenos procedimentos, mas são incapazes de uma análise sistêmica e holística do conjunto da concepção gerada por um empreendimento.

Beck questiona: como pode sustentar-se política e democraticamente uma autoridade que tem que responder a crescente consciência do perigo com veementes proclamações de seguridade e sem embargo sempre está na defensiva e julgando sua credibilidade com cada acidente?

A questão que Beck levanta está calcada no que ele denomina inimputabilidade legalmente institucionalizada resultante da fragmentação dos espaços legais dentro dos Estados bem como fora dos mesmos. Com as normas legais vigentes é possível dizer que nas grandes catástrofes ambientais a inimputabilidade aflora motivada pela dificuldade em individualizar a parcela de responsabilidade que cabe a cada poluidor. O que para Beck resulta no seguinte: quanto mais se envenena, menos se envenena. Isso se dá amparado em um construto social e legal. Para o autor por traz das muitas catástrofes ambientais ocorridas é possível vislumbrar o início, mas sem um fim previsto, ou seja, vivencia-se cada vez mais a destruição silenciosa do planeta e com uma velocidade assombrosa.

Mas não se deve imaginar neste momento uma visão niilista ou catastrófica da humanidade ou do futuro. E sim uma grande oportunidade de melhoria, conforme identificação consagrada em auditorias de sistemas de qualidade ou sistemas de gestão ambiental normatizados pela ISO.

É preciso visualizar que a socieedade humana está tomando consciência da situação e criando mecanismos jurídicos adequados, alicerçados em sólidas doutrinas e elaborados constructos teóricos que integram cada vez mais a filosofia, o direito, a engenharia e a biologia em busca de uma racionalidade humanista ou de um humanismo hegemônico a partir da visão iluminista de que o homem, centro do universo, só tem equilíbrio e qualidade de vida com um meio ambiente equilibrado. Pois o meio ambiente é o ecossistema do “homo sapiens” e de todos os tipos e espécies de hominídeos.

O paradoxo consiste no seguinte: a inimputabilidade cresce na medida em que aumenta o número de agentes que lançam substâncias nocivas envenenando determinado bem público (exemplo: o direito à água potável) e, por outro lado, a probabilidade legal de responsabilizar os autores das catástrofes ambientais diminui e, portanto, menos se envenena, independente do fato de que a contaminação e os níveis de toxidade aumentarem drasticamente resultando no que Beck denomina de “irresponsabilidade organizada”. Esse é sem dúvida um desafio que exige a integração do Direito com as demais áreas do conhecimento humano.

Dra. Haide Maria Hupffer é Doutora em Direito. Integrante do corpo docente do Mestrado em Qualidade Ambiental e do Curso de Direito da Universidade Feevale. Autora do Livro: Ensino Jurídico: Um novo caminho a partir da Hermenêutica

Dr. Roberto Naime, colunista do Ecodebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

EcoDebate, 08/04/2011

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One thought on “Irresponsabilidade organizada e as catástrofes ambientais: um olhar a partir de Ulrich Beck, artigo de Haide Maria Hupffer e Roberto Naime

  • Sinceramente acho que o artigo em nenhum momento tocou numa peça chave do que ele chama “risco global ambiental”. Atribui-se a sociedade a capacidade de gerar “irresponsabilidade organizada” ou “sociedade de risco global”, ou seja lança-se um advertência a algo amplo quase etéreo chamado “sociedade” precendo que propositamente em todo o artigo se esquece de um dos principais elementos tanto do problema como da solução, o Estado.

    Podemos concluir que os autores, talvez pela influência de teorias de “Estado Mínimo” ou superestimando a capacidade das Organizações não Governamentais, simplesmente ignoram que parte do problema está na incapacidade do Estado atual em enfrentar as superestruturas criadas pelas grandes Corporações. O exemplo citado “en passant” do acidente no Golfo do México é extremamente elucidativo. No acidente do vazamento no Golfo do México o poderoso Estado Norte Americano, um Estado que há sessenta anos possuía quadros técnicos e executivos para pequenas, médias e grandes obras, ficou totalmente impotente tanto em termos de Engenharia como em termos Jurídicos para interferir no problema.

    O Estado mínimo, o abandono do Estado como um agente não só de financiamento, mas como de intervenção direta nos grandes problemas, intervenção legal e física, talvez seja a única solução para grandes problemas que transcende a sua territorialidade.

    Discursos que procuram a formação de superestruturas regulatórias de nível planetário sem que as estruturas de controle e intervenção nas frações menores que são os Estados, me parecem simplesmente figuras de retórica, que essas sim protelam cada vez mais qualquer ação na direção de solucionar algo.

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